Apartir de 1º de janeiro, a bicentenária mansão Gracie, em Nova York, receberá novos moradores. A residência oficial do prefeito da cidade será a nova casa de Bill de Blasio, democrata eleito na terça-feira 5, e sua família: a mulher, Chirlane McCray, e os filhos, Chiara, 18 anos, e Dante, 15. Isso se Dante, que exibe vasta cabeleira black power e que parece um jogador de basquete da NBA, concordar. Estrela da campanha do pai à prefeitura, o simpático adolescente já expressou preocupação em se mudar para longe da escola pública onde estuda, a dez minutos de carro da casa atual no Brooklyn. Mas De Blasio revelou o argumento que usará para convencer o filho. No Brooklyn, a casa só tem um banheiro para os quatro. Na recém-reformada mansão Gracie, há pelo menos um para cada um. Gente bacana de classe média, os De Blasio são a cara de Nova York, provavelmente a cidade mais diversa do mundo. Ele é descendente de alemães. Ela é negra. Na lua de mel, foram para Cuba, em vez de um lugar mais convencional no Caribe. Por isso mesmo, a equipe democrata colocou os De Blasio no centro da campanha eleitoral. “Os nova-iorquinos gostam de pensar que a feliz família birracial e a política progressista que essa imagem transmite representam sua cidade”, disse à ISTOÉ Deva Woodly, professora de política da New School for Social Research, de Nova York. “A população de Nova York foi particularmente receptiva a essa visão de futuro.”

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EM FAMÍLIA
De Blasio com a mulher, Chirlane, e os filhos,
Dante e Chiara: progressistas unidos

Durante a campanha, os comerciais de tevê mostraram Bill em atividades cotidianas, levando os filhos para a escola e cozinhando com a mulher, enquanto apareciam detalhes de sua casa, com direito a pôster de um músico nigeriano pendurado na parede. Num vídeo em que Dante é o protagonista, o garoto diz o seguinte: “Bill de Blasio será um prefeito para todo nova-iorquino, não importa onde ele more, nem sua aparência. E eu diria isso mesmo se ele não fosse meu pai.” A identificação instantânea com os jovens negros atacava indiretamente uma das mais polêmicas políticas de segurança implementadas pelo atual prefeito, Michael Bloomberg. A stop-and-frisk permite à polícia parar e revistar qualquer pessoa na rua, mas, segundo a associação de defesa dos direitos humanos New York Civil Liberties Union, os alvos da abordagem eram bem específicos. Em 2012, 55% dos cidadãos revistados eram negros e 32%, latinos. Só 10% eram brancos.

Os números não refletem a demografia da cidade, nem do país. De acordo com o censo de 2010, a proporção de brancos em Nova York caiu de 43,2% da população em 1990 para 33,3%; a de negros passou de 25,2% para 22,8%; e a de hispânicos subiu de 24,4% para 28,6%. Fluente em espanhol por causa de uma temporada na Nicarágua no fim dos anos 80, quando ajudava os revolucionários sandinistas e estudava a obra de Karl Marx, De Blasio demonstrou apoio aos imigrantes ilegais, propondo a criação de uma carteira de identidade municipal que permitisse a eles o acesso a serviços básicos, como a abertura de conta em banco. De Blasio repetiu inúmeras vezes a referência ao livro de Charles Dickens “Um Conto de Duas Cidades” para tratar a Nova York pós-crise como um lugar extremamente desigual, onde atualmente 46% vivem na pobreza ou próximo dela. Entre suas promessas estão a construção de casas populares e o aumento de impostos para os mais ricos. “Quando pedimos a eles que paguem um pouco mais para fundarmos programas universais de educação, não estamos ameaçando o sucesso de ninguém”, disse em seu discurso de vitória. “Pedimos àqueles que se deram bem para assegurar que cada criança tenha a mesma oportunidade de prosperar como eles tiveram. É assim que crescemos juntos.”

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Se o escrutínio do passado de De Blasio indicou que o discurso esquerdista não é só obra de marqueteiros ávidos por conquistar uma população submetida a 20 anos de administrações conservadoras, ele expôs também a vida íntima do casal. Durante a campanha, um artigo que Chirlane escreveu para a revista “Essence” em setembro de 1979 foi recuperado. Em “Eu sou lésbica”, a futura primeira-dama, que integrava, à época, um coletivo de feministas negras e lésbicas, falava abertamente sobre sua orientação sexual. “Eu sobrevivi às lágrimas, ao isolamento e ao sentimento de que algo estava terrivelmente errado comigo por amar outra mulher”, escreveu. O episódio causou constrangimento aos filhos, mas Chirlane, poeta, escritora e ativista, disse não se arrepender. Nova York não poderia ter melhor empurrão para uma agenda progressista.