Foi um ataque fulminante. Na madrugada do domingo 6, o adestrador de cães Edson Néris da Silva tentou cruzar a praça da República, no centro de São Paulo, ao lado do companheiro Dario Pereira Netto. Um grupo de jovens com cabeças raspadas avançou sobre os dois dando chutes e pauladas. Como que por milagre, Dario conseguiu fugir. Ficou escondido até os agressores se dispersarem e voltou para socorrer o amigo. Edson, 35 anos, teve hemorragia interna e morreu. Pouco depois, a polícia prendeu 30 skinheads que portavam soco inglês e correntes de aço num bar das imediações. Doze eram menores e 18 foram indiciados por homicídio e formação de quadrilha.

Os rapazes pertencem aos Carecas do ABC, movimento criado nos anos 80 que prega o nacionalismo exacerbado para "dar mais dignidade aos brasileiros". Uma ex-integrante, que prefere não ser identificada, contou a ISTOÉ como funciona o grupo. Para entrar, os candidatos passam por um "batizado", eufemismo para o espancamento a que são submetidos. "Quanto mais reagir, mais apanha." Como quase todos são cristãos, abominam drogas e moram com a família, os carecas despertam uma imagem de moralistas. Muitos trabalham em empresas de segurança. Segundo ela, dois carcereiros e um policial militar também pertencem ao movimento. "A PM sabe quem bate, mas é conivente", acusa. A maioria pratica lutas marciais e faz reuniões aos fins de semana para debater idéias racistas. As poucas leituras se resumem aos livros de Plínio Salgado e Gustavo Barroso, os dois principais ideólogos do integralismo – versão tropical do fascismo europeu dos anos 30.

Os negros e os nordestinos não fazem parte das vítimas da violência – há inclusive alguns deles no grupo. Os alvos preferidos dos Carecas do ABC são homossexuais em bares e boates. Também andam à procura de shows de bandas punks ou góticas para provocar seus simpatizantes. M.M., um homossexual de 25 anos, foi espancado em 1996 na porta de uma casa noturna. "Provocaram um amigo. Quis defendê-lo e, quando percebi, havia mais de cinco me chutando. Ainda tenho sinais do espancamento", revolta-se.

Juliano Sabino, um despachante alfandegário nascido no interior paulista que é apontado como líder do movimento, nega ter participado do assassinato de Edson. Insiste que no momento do assassinato já estava com os outros carecas no bar em que foi preso. "Pregamos o Brasil para todos. Fazemos campanha do agasalho e distribuímos alimentos nas favelas", defende-se. A advogada de Sabino, Neide Vieira, acha impossível especificar quem participou ou não do crime. Por isso, acredita que conseguirá o relaxamento da prisão dos envolvidos. O Ministério Público quer criar nos próximos dias uma força-tarefa, com promotores, delegados e deputados estaduais, para investigar a atuação das gangues neonazistas em São Paulo. "Eles propõem ações discriminatórias e já apuramos que alguns fazem treinamentos paramilitares com seus militantes", constata o promotor Carlos Cardoso, assessor de direitos humanos do Ministério Público.


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