Há décadas que o Casino, quarto maior grupo supermercadista da França, tenta ultrapassar o Carrefour, líder de mercado. A virada ainda é um sonho, pois o concorrente fatura US$ 27 bilhões anuais, contra os US$ 17 bilhões do Casino. Mas na terça-feira 10, o diretor-geral da empresa, Pierre Bouchut, tinha um trunfo nas mãos. Após quase um ano de negociações cansativas com o presidente do Pão de Açúcar, Abílio Diniz, dobrou a resistência do empresário brasileiro em aceitar um parceiro, ainda mais estrangeiro, e adquiriu 21% do capital da companhia. Pagará R$ 1,5 bilhão, que amortizará parte da dívida atual do Pão de Açúcar e irá também para investimentos. A meta agora é ultrapassar as vendas do Carrefour no Brasil em cinco anos. "É preciso ter prazer na vida e essa vitória será como ganhar uma competição esportiva", declara Bouchut. O objetivo, claro, vai muito além de uma mera rixa. Quanto mais lojas e concentração de negócios, mais fácil baixar os preços dos fornecedores. Na entrevista abaixo, Bouchut conta a história do novo negócio.

ISTOÉ O que levou o grupo Casino a se expandir para fora da França?
Pierre Bouchut – Nosso primeiro negócio no Exterior foi a compra da Smart & Final, nos Estados Unidos, em 1984. Mas decidimos mesmo investir pesado fora da França em 1986 porque estávamos atrasados em relação aos concorrentes. Fomos para a Polônia, Tailândia, Taiwan, Argentina, Uruguai, Venezuela e Colômbia. O Brasil, no entanto, era fundamental. As negociações com o grupo Pão de Açúcar duraram 11 meses e foram das mais difíceis e cansativas. Ao todo, o Casino já investiu US$ 4,1 bilhões em negócios no Exterior nos últimos três anos, através de um financiamento barato junto aos bancos, com taxas de juros de 3% ao ano (no Brasil, a menor taxa é de 14,05%).

ISTOÉ – Por que o Brasil?
Bouchut – Porque é o principal mercado da América Latina. O negócio com o Pão de Açúcar permitirá que as lojas ligadas ao Casino tenham uma maior e melhor distribuição de produtos. Apesar de os hábitos alimentares do continente serem bem diferentes, existem alimentos como açúcar e cerveja que são consumidos em toda a região. Quanto maior a escala de vendas e a agilização da distribuição, melhor. Isso também diz respeito a vestuários, como calças jeans. De fato, estamos falando da política de compras globais.

ISTOÉ – Por que o Pão de Açúcar?
Bouchut – É um grupo único no País, com vários tipos de lojas, com hipermercados e supermercados. Mas há muito o que fazer, sobretudo no que diz respeito às marcas próprias. Elas não são exploradas de maneira satisfatória e essa é uma das especialidades do Casino. Desde 1900 trabalhamos com esse tipo de produto, que chega a representar até 100% das vendas em algumas lojas. Temos ainda um conceito de supermercados de descontos, nos quais os produtos chegam a ser 35% mais baratos. Achamos que essa modalidade poderá ser adotada no Brasil, mas é preciso fazer um estudo cultural antes. Quando chegamos à Polônia, por exemplo, os consumidores queriam sobretudo produtos de marcas famosas. Já nos bairros mais ricos da França, os consumidores estão dispostos a comprar por menos.

ISTOÉ – É importante ultrapassar o Carrefour e ser líder de mercado?
Bouchut – Sim. Para concentrar os negócios e baratear as encomendas. A tendência mundial é a concentração do varejo em poucas empresas e o Brasil está atrasado. Os quatro principais varejistas do País têm 70% do mercado, enquanto na Europa detêm 90% das vendas. Os fornecedores se beneficiarão dessa concentração porque facilitará a logística de atendimento dos pedidos. No que diz respeito ao Pão de Açúcar, ele também tem muito a explorar no Brasil. Não está presente em diversos Estados e levará uns 10 ou 15 anos para esgotar as oportunidades aqui. O novo negócio deve ainda resultar em um intercâmbio entre funcionários dos nossos supermercados e os do Pão de Açúcar. É uma das características das multinacionais.