Quem passar desavisado pela exposição de móveis Design e Natureza, no Shopping D&D, em São Paulo, cuja abertura estava prevista para a quinta-feira 12, pode surpreender-se. A exibição das peças elaboradas por 30 importantes designers, que utilizaram como matéria-prima madeiras desconhecidas da Amazônia, é apoiada pelo Ibama. Isso mesmo. O órgão público responsável por zelar pelo meio ambiente no País está incentivando o uso de todas as espécies de árvore da floresta amazônica para a fabricação de móveis. Parece um contra-senso, mas essa idéia se insere numa estratégia destinada a preservar a mais exuberante floresta tropical do planeta. Segundo essa linha de raciocínio, quanto maior a rentabilidade da extração de madeira da Amazônia, mais fácil será para a floresta resistir à ação predatória do homem. Alguns ecologistas podem ficar desconfiados dessa abordagem, digamos, inusitada. Essa é, porém, uma forma pragmática de tentar reverter um jogo em que as plantas sempre levaram a pior.

Historicamente, a procura da indústria moveleira por determinadas espécies, como o pau-brasil ou o jacarandá, levou à sua quase extinção. No momento em que viram moda, as madeiras têm o seu destino selado. E quando acaba um tipo de árvore, a indústria não fica de luto, simplesmente sai à cata de outro. Ao promover o uso de outras espécies, o Ibama espera que o impacto sobre cada uma delas seja reduzido. A Amazônia conta com uma diversidade fantástica, com mais de quatro mil tipos de árvores, e apenas dez são usadas na fabricação de móveis. Mas não é tão simples mudar essa situação. Em 26 anos, o Laboratório de Produtos Florestais, anterior ao próprio Ibama, pesquisou mais de 300 espécies amazônicas, para conhecer suas características de densidade, secagem e outros dados importantes para a indústria. "A partir da década de 80, o Laboratório tentou passar esse conhecimento para os fabricantes de móveis, mas não deu certo", diz o designer argentino Christian Ullmann, consultor do Ibama e um dos curadores da Design e Natureza. "Ou eles não sabiam usar as madeiras adequadamente ou ficava muito caro alterar seus processos", explica. Com frequência, um tipo de mobília não funciona com outra madeira. Se, por exemplo, uma cadeira de jardim feita em jatobá, madeira que resiste a condições climáticas adversas sem nenhum tratamento especial, passa a ser produzida com morototó, ela pode apodrecer. Ao mesmo tempo, se um móvel feito em marupá for produzido com uma madeira muito densa, como o ipê, ele vai ficar com o dobro do peso. Para contornar esses problemas, chegou-se à conclusão de que seria melhor vender a idéia do projeto para os designers de móveis, capazes de conceber peças específicas para cada tipo de madeira. Isso começou a ser feito em 1996, com a exposição Madeiras em Design, que percorreu oito Estados. Procura-se criar um círculo vicioso, onde seja incrementado o uso de madeiras amazônicas diferentes e, ao mesmo tempo, desperte-se no consumidor o desejo por esses produtos.

Manejo sustentável "Mas o projeto tem de estar amarrado a um plano de manejo sustentável para ser realmente benéfico à floresta", explica a engenheira florestal Maria Helena de Souza, chefe do projeto. O manejo é uma maneira de racionalizar a extração. Uma área é dividida em lotes e cada lote é explorado uma única vez a cada 30 anos. Só as árvores velhas, com tronco de mais de 40cm ou 50cm de diâmetro, são cortadas. As jovens são poupadas. Isso assegura a renovação da floresta, mas aumenta os custos das madeireiras em até 30%. "Por esse motivo é importante que um número maior de espécies amazônicas tenha valor comercial. É o que vai viabilizar o manejo economicamente", diz o físico Mário Rabelo, chefe do Laboratório de Produtos Florestais. Ele está otimista com os resultados alcançados até agora. "O pau-amarelo, o roxinho e o goiabão, por exemplo, eram considerados lixo. Hoje, há muita procura por eles", garante.

Porém, ainda é cedo para comemorar. "Aqui no Brasil, os consumidores estão ficando mais cultos e exigentes em relação ao design, mas as mudanças no mercado não vão acontecer num passe de mágica", avalia Guinter Parschalk, diretor de arte da Arredamento, uma indústria de móveis paulista. Parschalk, que desenhou uma mesa de centro para a mostra, diz que para uma fábrica utilizar madeiras diferenciadas, precisa ter garantia de regularidade e quantidade no fornecimento. "Como a demanda é pequena, as madeireiras não têm interesse em trazer essas espécies", lamenta. Por duas vezes no passado ele quis introduzir madeiras diferentes nas indústrias em que trabalhou, mas não conseguiu fornecedores. Esse é um empecilho importante que está começando a ser resolvido. "Meus clientes trabalham de forma artesanal, mas hoje eu já estaria pronto para atender empresas grandes", diz o economista Cláudio Silva, dono da Amarante Madeiras, uma madeireira paulista que traz da Amazônia mais de 30 espécies diferenciadas. Apesar de representarem apenas 10% a 15% do seu faturamento, ele conta que a procura tem aumentado desde que passou a comercializá-las, há seis anos. "Elas ainda não me dão lucro porque o giro é baixo. Mas me darão lucro um dia, com certeza. Se não utilizarmos as novas espécies, não teremos o que usar no futuro", acredita Cláudio, lembrando o caso de muitos madeireiros que trabalhavam somente com o mogno e, depois da proibição de seu corte, estão falindo.

A maioria dos designers que expõem na mostra paulista desenvolve trabalhos com madeiras diferenciadas há algum tempo. E, ao lado da questão ecológica, mencionam a importância estética do uso. "Nós precisamos criar um design autenticamente brasileiro e essas madeiras contribuem para isso", defende a designer carioca Ligia de Medeiros, que mora em Brasília e atende a uma clientela predominantemente estrangeira. "Os franceses e alemães ficam fascinados com os tons vibrantes das espécies amazônicas. Os brasileiros é que resistem ainda", compara Ligia. Para o paulista André Marx, que apresenta na mostra uma bela namoradeira feita de cumaru, a coloração e a textura incomum de muitas peças atiçam a curiosidade das pessoas. "A aceitação entre os meus clientes é ótima", afirma.

 

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Floresta sueca Hoje, a produção de madeira explorada legalmente na Amazônia rende aproximadamente R$ 1,5 bilhão e 86% dela é destinada ao mercado interno. Cerca de metade dos 32 milhões de metros cúbicos de madeira retirados da Amazônia anualmente é usada na fabricação de móveis. "O País tem condições de ser o maior produtor mundial de madeiras tropicais e ganhar bilhões com isso", aposta o físico Mário Rabelo. "Algumas áreas da floresta devem continuar intocáveis. Mas é utopia achar que não devemos explorar o meio", argumenta a engenheira florestal Maria Helena. Na Suécia, a exportação de produtos do setor florestal é mais rentável que a exportação de veículos e manufaturas. No Estado de Västerbotten, Centro-Norte do país, nunca foram cortadas tantas árvores como nos últimos anos e a disponibilidade de madeira aumenta. A floresta sueca, é verdade, não pode ser comparada à Amazônia. "Não temos como copiar o modelo de manejo de nenhum país. Estamos aprendendo a fazer isso na Amazônia e só teremos certeza de que deu certo daqui a 20 ou 30 anos", admite Maria Helena. Para uma floresta que desde a década de 70 já perdeu 14% de sua área, vale a tentativa. "Se a mata não tiver valor comercial, vira outra coisa", resume o curador Ullmann.


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