O céu é do avião e, sobretudo, dos executivos mais poderosos do País. Símbolos de riqueza e status, as aeronaves de pequeno e médio porte, incluindo aí os helicópteros, são o fetiche de dez entre dez endinheirados do planeta. No país que é berço da aviação e dono de dimensões continentais, a comercialização de jatinhos movimenta uma bolada de US$ 500 milhões a cada ano e cresce em ritmo supersônico. O Brasil é medalha de prata no mercado internacional com frota de 696 aeronaves (jatos e turboélices), perdendo apenas para os Estados Unidos, com mais de 12 mil aeronaves. O mercado para helicópteros também decola e põe São Paulo como terceiro maior centro de operações do mundo, com mais de 300 aparelhos. O primeiro é Nova York, com dois mil e Tóquio vem em seguida com mil aparelhos.

As razões para aquisição são muitas. Para executivos, grandes negócios, dinamismo e a segurança de estar acima dos congestionamentos e da violência. Para os artistas, privacidade e agilidade para conciliar os compromissos de estrela com os negócios. Para os aventureiros, a tradução de liberdade. Fascínio e muita adrenalina misturados ao querosene de aviação na veia. Mas pilotar não é desafiar pura e simplesmente ou pôr a vida em risco. Antes de uma sensação libertária vem o conhecimento corajoso e profundo dos limites.

Três corpos tirados do fundo do oceano marcam a mais recente tragédia provocada pela falta desta máxima. Habilitado exclusivamente para vôos visuais, John Kennedy Jr. ficou no meio do caminho. O herdeiro de JFK não poderia, asseguram pilotos e instrutores, ter sucumbido às pressões da cunhada e da mulher para que fizesse um vôo noturno. O piloto não pode estar sujeito a pressões de quem o contrata, grita a categoria. A pena é capital. O acidente com o helicóptero que matou Ulysses Guimarães é outro exemplo. O piloto foi obrigado a levantar vôo em condições climáticas totalmente adversas. Para o major Ruy Flemming Filho, ex-integrante da Esquadrilha da Fumaça e chefe da divisão técnica do Quarto Serviço Regional de Aviação Civil (Serac 4), "um piloto sem experiência de vôo por instrumentos tem sobrevivência pequena quando perde a referência visual". O acidente envolvendo o mais ilustre dos Kennedys não abalou o movimento das escolas de pilotagem no Campo de Marte, o maior aeroporto de aeronaves de pequeno porte de São Paulo, mas jogou a questão da segurança na ordem do dia. Estão baseadas em Marte 500 aeronaves, estacionados 155 aviões e 117 helicópteros. A procura por aulas de vôo é intensa. O Aeroclube de São Paulo, a mais antiga escola de pilotos, está modificando o ensino devido ao acidente que vitimou John-John.

O presidente do Aeroclube, comandante Heitor Pagotto, anuncia que a partir de 1º de agosto os alunos farão aulas no simulador antes de voar. "O avião foi mais rápido que JFKJr. Por isso é importantíssimo ter noção de instrumentos para que, em situação adversa, possa ser aplicada ao vôo." Segundo a instrutora de simulador do Aeroclube Viviane Vieira, é preciso condicionar o piloto ao vôo sem referência visual, atuando através de rádio e instrumentos, sabendo ler o horizonte. "Não se pode confiar nas sensações humanas. Avião voa sozinho, quem derruba avião é piloto." O comandante Laércio Pereira de Lima, da escola de pilotagem de helicópteros Master, ressalta que as 40 horas de vôo exigidas pelo Departamento de Aviação Civil (DAC) para que um piloto-aluno se candidate ao brevê de piloto privado não são suficientes para quem começa do zero. Piloto de helicóptero há 25 anos, Laércio, que teve Ayrton Senna como aluno de sua escola, classifica de piloto experiente aquele que possui, no mínimo, 500 horas de vôo. Cada hora voada na Master custa R$ 340. A falha humana, responsável pela maioria dos acidentes aéreos, não é um problema que só atinge os iniciantes. O piloto José Luiz de Mattos, diretor da escola ABC Fly, adverte que a experiência faz com que o piloto abandone a cautela. "Inexperiente não abusa."

O superintendente da Infraero no Campo de Marte, Paulo Henrique Possebon, calcula que o total de pousos e decolagens deverá ultrapassar os 100 mil em 1999. O aumento de operações com helicópteros se deve, segundo Possebon, à diminuição do custo de manutenção, às facilidades de financiamento externo e ao trânsito de São Paulo. A frota nacional reúne mais de dez mil aeronaves. Segundo o DAC, 1.550 são aviões e helicópteros executivos, incluindo táxi aéreo. A cada ano aumenta também o número de proprietários de aviões e helicópteros que resolvem transformar-se em pilotos para viver a aventura de voar e, segundo as más-línguas dos aeronautas, fugir dos salários desses profissionais que, com experiência, ganham em torno de R$ 7 mil. O piloto de linha aérea e diretor de instrução do Aeroclube de São Paulo, Alvorindo Locatelli, defende a tese de que um piloto só começa a se sentir mais seguro depois de cinco mil horas de vôo. "Antes disso, ele é muito corajoso. Quando ultrapassa essa barreira, sabe o que foi conhecimento e o que foi sorte", afirma Locatelli. "Novos pilotos acabam cometendo velhos erros. Na profissão, nossos erros são encobertos literalmente com uma pá de terra."

Apesar de já ter enfrentado complicações no ar, o cantor Sérgio Reis garante que fica tenso mesmo quando está sobre rodas. "Na estrada é roleta-russa. Hoje em dia, a primeira coisa que um pai faz para alimentar seu ego é dar um carro de presente ao filho." Num dos apertos que passou a bordo de seu antigo avião, um King Air 200 que custa em torno de US$ 1,5 milhão, um dos motores pifou logo após a decolagem. Tranquilo, o piloto de Sérgio Reis fez meia-volta e retornou ao solo.

A bordo de seu turboélice Mitsubishi de US$ 1 milhão, o cantor brega Amado Batista consegue driblar a incompatibilidade entre a agenda e os atrasos dos vôos comerciais. Na quinta-feira 28, Amado partiu à tarde para Alpinópolis (MG), onde faria um show. Se tivesse de recorrer a linhas normais, provavelmente teria passado o dia inteiro viajando. Mas a praticidade não é o único motivo que leva uma celebridade a comprar um avião ou helicóptero. O tricampeão mundial de Fórmula 1 Nelson Piquet não consegue manter distância da velocidade. Além de ter um helicóptero Robinson R-44, acabou de comprar um Citation Jet. O custo médio mensal para manutenção de um helicóptero – incluindo o salário do piloto e do mecânico – gira em torno de salgados R$ 15 mil.

Com 25 anos de aviação, a comandante Graziela Santos, primeira mulher no País a obter o top dos brevês, o de piloto de linha aérea, hoje cuida com o marido da fazenda de gado em Uberaba (MG) e pilota para ele. Graziela, que já teve dois aviões para uso particular, está comprando um novo aparelho, talvez um outro Sêneca. "Usamos o avião para compra de gado e também para o lazer", conta, lembrando possuir em sua fazenda uma pista de pouso homologada de 1.200 metros de terra bem lisa. Mas nem todos os ricos e famosos mantêm o encanto mágico com seus aparelhos voadores. O cirurgião plástico Ivo Pitanguy, depois de voar durante 24 anos com um Island inglês, de nove lugares, está vendendo a aeronave. Provavelmente, Pitanguy fará suas viagens para a ilha que tem em Angra dos Reis num helicóptero alugado. Embora não tenha brevê, o cirurgião considera que aprendeu uma lição. "Dono também tem de aprender a pilotar o aparelho para garantir o vôo se acontecer alguma coisa com o piloto."

Colaboraram Celina Côrtes e Hélio Contreiras (RJ) e Eduardo Hollanda (DF)