MACHADO-01-IE-2291.jpg 

Machado de Assis achava que o jornal era mais importante que o livro. Para ele, o impresso diário refletia o movimento de uma nação, um coletivo vivo, enquanto o volume assinado seria uma obra estática a espelhar a vida de uma só pessoa. Não é de se estranhar, portanto, que a primeira escolha profissional de um dos maiores autores em língua portuguesa de todos os tempos tenha sido o trabalho no jornal. Aos 20 anos, Joaquim Maria Machado de Assis recomendava e contraindicava obras em veículos cariocas como “Correio Mercantil” e “O Espelho”.

Um levantamento recente desse material, realizado por pesquisadoras ligadas à Universidade Estadual Paulista (Unesp), mostra que a revolução literária desencadeada pelo autor de “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, livro de 1881, começou a ser desenhada duas décadas antes de Machado de Assis se dedicar ao romance, o gênero com o qual estabeleceu o realismo na literatura brasileira.

 MACHADO-02-IE-2291.jpg 

Negro, epilético, pobre e autodidata, o escritor tornou-se rapidamente um crítico respeitado entre os círculos intelectuais dos anos 1850 e 1860. “Ele era extremamente destemido nas suas opiniões, não se furtando a discordar inclusive de amigos próximos que respeitava muito, como José de Alencar”, diz a professora Sílvia Maria Azevedo, uma das coordenadoras da pesquisa e autora do prefácio do livro “Machado de Assis – Crítica Literária e Textos Diversos”. “Alguns estudiosos consideram a possibilidade de ele ter deixado a crítica justamente pelas dificuldades pessoais advindas do exercício de opinar publicamente.”

A verdade é que, mesmo assumindo a profissão de escritor, nos anos 1870, Machado não abandonou o juízo público. “O que ele fez a partir dos anos 1880, já autor estabelecido, foi praticar a crítica literária usando a pena do cronista”, conclui a livre-docente em teoria literária na Unesp.

O jornal (…) tem a vantagem de dar uma posição ao homem de letras; porque
ele diz ao talento:“Trabalha!Vive pela ideia, e cumpres a lei da criação!” Seria
melhor a existência parasita dos tempos passados, em que a consciência
sangrava quando o talento comprava uma refeição por um soneto? 

Machado de Assis, escritor

Um dos mais conhecidos alvos da lâmina machadiana, Eça de Queirós tem nesta coletânea três textos dedicados ao desmantelamento de seu “O Primo Basílio”. Na segunda crítica à novela, o escritor promete parar de falar da trama sobre a hipocrisia burguesa. Mas volta a ironizar o drama realista “e seus sectários” em crônica sobre a montagem teatral do livro português, desta vez sob o pseudônimo Eleazar. Sílvia Maria garante que essa é a primeira vez que o texto publicado originalmente na revista “O Cruzeiro” foi reimpresso. 

E afirma também que, além desse, são inéditos em livro os discursos recuperados pelo levantamento – acompanhado por Adriana Dusilek, doutora em literatura pela Unesp, e Daniela Mantarro Callipo, doutora em letras pela Universidade de São Paulo.

 1.jpg 

O mais comovente deles – e redentor para quem ler de cabo a rabo as críticas – é a fala de Machado na inauguração do busto em homenagem a José de Alencar na Academia Brasileira de Letras, logo depois da morte do autor de “Iracema”, em 1891. José de Alencar foi uma espécie de ídolo e mestre, de quem Machado, com a elegância que marca, aliás, toda sua obra crítica, discordou mais de uma vez. “A sensação que recebi no primeiro encontro pessoal com ele foi extraordinária; creio ainda agora que não lhe disse nada, contentando-me de fitá-lo com olhos assombrados de menino do Heine ao ver passar Napoleão”, discursou em frente ao bronze. Anos antes, em 1868, ainda publicando no “Correio Mercantil”, Machado escreveu uma carta aberta a Alencar, dizendo não ter tido imitadores.

2.jpg 

“Tive sim um antecessor ilustre, apto para este duro mister, erudito e profundo, que teria prosseguido no caminho de suas estreias, se a imaginação possante e vivaz não lhe tivesse exigido as criações que depois nos deu. Será preciso acrescentar que aludo a V. Exa.?” Alencar, ex-crítico, escrevera ao amigo carioca, enviando a obra de Castro Alves com os dizeres, “Ao primeiro crítico brasileiro, confio a brilhante vocação literária que se revelou com tanto vigor.”