Após conquistar a chefia de grandes empresas e disputar eleições, as mulheres resolveram cravar sua bandeira no seio da maçonaria, a misteriosa entidade que sempre provocou a imaginação dos que nunca participaram de um ritual. Tachada de demoníaca pela Santa Inquisição e temida por quem fantasiava orgias e práticas macabras durante suas reuniões, a maçonaria nada mais é do que uma sociedade filantrópica, tradicionalmente masculina, que tem por finalidade assegurar a evolução espiritual da humanidade por meio de ações coletivas. Para muitos maçons, reunir-se com irmãs é uma experiência inédita.

Um dos últimos redutos masculinos, a fraternidade vive um terrível dilema: reconhecer ou não a legitimidade das lojas (templos) femininas e mistas, cada vez mais comuns em todo o mundo. Enquanto o Grande Oriente (poder supremo) da França já se acostumou com a presença do sexo oposto, as brasileiras ainda lutam pela autenticidade de seu trabalho. Assim explica Vera Facciollo, grã-mestra da Ordem Glada (Grande Loja Arquitetos de Aquário), instância máxima da maçonaria mista no Brasil, que administra 19 lojas em todo o território nacional. Nos rituais dessa ordem, os homens são poucos. “Como as mulheres ainda não têm muitas opções de lojas mistas, a maioria de nossos irmãos é feminina”, justifica Vera.

 

Na complexa hierarquia maçônica, os membros – tratados entre si por “irmãos” – são divididos em “aprendizes”, “companheiros” e “mestres”, conforme o grau de iniciação. Para entrar na ordem é preciso ser convidado. Dentro da categoria de mestre, dependendo do rito seguido, pode haver sete ou 33 subdivisões. Todos eles costumam se reunir uma vez por semana em templos chamados lojas, onde são planejadas as atividades do grupo – normalmente assistenciais – e onde se discutem temas filosóficos cabeludos como a supremacia do espírito sobre a matéria. Toda loja deve obediência a uma potência superior, como a Glada. No Brasil, a maçonaria masculina está dividida em três ordens, obedecendo a Grandes Lojas e Grandes Orientes, e nenhuma reconhece a admissão de mulheres. O motivo apontado é um dos artigos da Constituição maçônica compilada em 1723 pelo escocês James Anderson, da Grande Loja de Londres. O 18º landmark (marco), como é conhecido, proíbe o ingresso na maçonaria de escravos, mulheres e aleijados. “Naquela época, as mulheres eram trocadas como se fossem animais. Manter a mulher afastada da maçonaria até hoje contradiz todos os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade”, discursa Vera Facciollo. Seu marido, Antonio Facciollo, grão-mestre adjunto da Glada, concorda com ela. “Seguir princípios datados de 1723 é um absurdo. Mostra o atraso e o conservadorismo da instituição”, diz.

Até Arnaldo Faria, grão-mestre do Grande Oriente paulista, superior de mais de 200 lojas no Estado, reconhece a proximidade da mudança. “Vamos ter de aceitar as mulheres como irmãs”, diz. No entanto, Faria prefere lojas separadas para homens e mulheres. Lojas mistas, para ele, são inaceitáveis. “Juntar mulheres e homens resulta em confusão”, acredita. Além da manutenção dos antigos landmarks, outro motivo permeia com frequência a justificativa de certos maçons para impedir a admissão de mulheres. “É contraditório pertencer a uma ordem que cultua o direito à igualdade enquanto impede a admissão de mulheres. Acredita-se, no entanto, que elas seriam incapazes de manter segredos. Em um momento de aperto, atitudes como a de Nicéa Pitta apareceriam”, compara Edgar Reis, companheiro da Loja Edmond Jafet, em São Paulo.

Quando fala em segredos, Reis faz referência às atividades realizadas pela maçonaria. O mestre Newton Milhomens explica que trabalhos assistenciais constituem as maiores tarefas do maçom. “Nosso lema é servir e ajudar. Muito foi feito pela maçonaria e somente os maçons o sabem. Aí está o segredo. O resto é folclore, e damos boas risadas com isso”, diz.

Sindicato de pedreiro

O nome maçonaria, ou franco-maçonaria, deriva do termo francês franc-maçonnerie, “pedreiros livres”. Sua origem é localizada nas corporações de ofício dos pedreiros da Idade Média, no final do século XIV. Naquela época, não havia escolas capazes de ensinar as técnicas da construção em pedra, utilizadas principalmente em catedrais. Somente nas corporações, também chamadas guildas, aprendizes e mestres dividiam a ciência do talhe e se reuniam após o expediente para discutir o andamento das obras e defender sua profissão, como em um sindicato. Levavam às reuniões os instrumentos de trabalho, utilizados na composição dos projetos arquitetônicos (esquadro e compasso) ou na atividade braçal (avental, malho e cinzel). Assim surgia a “maçonaria operativa”, preocupada com coisas práticas e restritas ao ofício. Alguns estudiosos afirmam que a sociedade iniciática é muito mais antiga, já que símbolos utilizados em rituais maçônicos foram encontrados em túmulos e pirâmides egípcias há sete mil anos.

Somente após o Renascimento, com a fundação das primeiras universidades européias, as reuniões maçônicas tornaram-se mais refinadas, admitindo discussões filosóficas e literárias. Os primeiros arquitetos e engenheiros a deixar as salas de aula encontravam um mercado de trabalho com todas as portas fechadas. As guildas formavam uma espécie de cartel, impedindo que profissionais de fora conseguissem emprego. De tanto insistir, os acadêmicos foram aceitos paulatinamente na maçonaria e levaram sua erudição aos encontros. Desde então, a ordem propõe trabalhos fraternos e coletivos para assegurar a evolução espiritual dos seres humanos. Recebe o nome de “maçonaria especulativa ou filosófica”.