Políticos têm razões que a própria razão desconhece. Leia essa: o prefeito de Veneza, Massimo Cacciari, resolveu encomendar uma campanha publicitária para falar mal da própria cidade, revelando o que há de mais abjeto em seus canais, vielas e praças históricas. Entregou a tarefa ao polêmico fotógrafo Oliviero Toscani, que, para vender roupas da Benetton, já produziu cartazes de padre e freira se beijando na boca e de um aidético à beira da morte. A dobradinha Cacciari/Toscani rendeu um inusitado e impactante trabalho capaz de colocar abaixo a imagem onírica construída pela cidade ao longo de 12 séculos. Tudo isso para sensibilizar moradores e turistas a cuidar dela melhor. Sob essa ótica radical, Veneza está afundando – literal e metaforicamente. A campanha, intitulada Contra Veneza/Por Veneza, traz fotos de fazer qualquer gondoleiro cair do barco, todas elas inacreditavelmente reais. Para marcar seu lançamento, realizado na semana passada, a revista bimestral Colors, elaborada por Toscani e Luciano Benetton, fez um número especial sobre a cidade, que apresenta imagens e informações de arrepiar.

Alguns exemplos. Existem quatro ratos para cada habitante e para evitar que eles subam pela privada os venezianos instalam válvulas especiais no encanamento. Quem não usa o dispositivo, corre o risco de ter uma surpresa desagradável na época das cheias. Outro bicho que se tornou uma praga é o pombo. A população ideal deveria ser de 25 mil, mas sobre Veneza voam quatro vezes esse número. Funcionários públicos travam uma verdadeira batalha contra eles, chegando a subir em telhados para perfurar seus ovos com agulhas.

Mas os problemas provocados pelos animais não são nada se comparados à selvageria humana. A cada ano, 12 milhões de pessoas visitam as 118 ilhas, 170 torres, 411 pontes e 177 canais de Veneza. Bater carteira tornou-se uma das atividades mais rentáveis na cidade. Cerca de 190 turistas são furtados por dia. O romeno Sabo, 54 anos, exímio no métier, chega a faturar entre R$ 30 mil e R$ 60 mil ao mês. Suas vítimas preferidas são os japoneses, que, segundo disse à Colors, carregam bastante dinheiro e nunca gritam.

A cada 24 horas, 15 metros cúbicos de cocô são jogados nos canais. Por conta disso, no verão, especialmente em agosto, turistas e moradores são obrigados a aspirar um odor insuportável que vem da água. Para ilustrar o problema da imundície, foi construído no meio da Piazza San Marco, um desintupidor de pia gigante, de 12 metros, que se tornou o símbolo da campanha. Os cartazes com as fotos vão ficar afixados nos ancoradouros.

"Oliviero Toscani gosta de chocar e quis destacar os problemas da cidade com imagens dramáticas", disse a ISTOÉ o diretor de comunicação da Benetton, Federico Sartor. "Mas Veneza pode ser vista sob outros ângulos, a situação não é tão ruim assim." Seja qual for o ponto de vista, fica-se com o desejo de que a campanha consiga atingir o mais rápido possível seu objetivo primordial, que é fazer a cidade renascer.