A autenticação de uma obra de arte costuma ser um longo processo de muitos questionamentos. Na semana passada, após preencher todos os quesitos exigidos, a pintura “Pôr do Sol em Montmajour” foi certificada pelos especialistas do Museu Van Gogh como uma legítima tela do mestre holandês. A certeza veio de um rigoroso trabalho de apuração realizado por dois pesquisadores da instituição, Louis van Tilborgh e Teio Meedendor. Eles avaliaram o material (tinta, tela, madeira), o estilo e as pinceladas e compararam seus achados com outras pinturas do artista. “Uma descoberta dessa magnitude nunca aconteceu na história deste museu. É uma raridade que se possa acrescentar uma nova pintura à obra de Vincent van Gogh”, disse Axel Rüger, diretor da instituição. A tela será exibida ao público a partir de 24 de setembro.

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Em busca de evidências, os pesquisadores encontraram até o local retratado – uma paisagem perto da colina Montmajour, na França, onde há a ruína de uma abadia com o mesmo nome. A certeza da origem do quadro veio também de duas cartas ao irmão de Van Gogh, Theo. Em uma delas, Vincent dizia ao irmão que havia pintado uma tela no dia anterior, 4 de julho de 1888. “No pôr do sol eu estava em uma várzea pedregosa muito pequena, onde carvalhos retorcidos cresciam, ao fundo havia uma ruína no morro e campos de trigo no vale”, escreveu Van Gogh. Como o autor não ficou satisfeito com o resultado, mandou a pintura ao irmão, que a vendeu em 1901. Depois disso, a obra passou anos desaparecida até ser encontrada em 1970, na propriedade do empresário norueguês Christian Nicolai Mustad. Ela é importante porque pertence a um grupo excepcional de quadros nos quais o pintor holandês faz experimentações. “É um trabalho de transição. A partir dele Van Gogh sente a necessidade de usar mais e mais camadas”, explica Van Tilborgh.

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O valor da tela ainda será estimado, mas deve alcançar dezenas de milhões de dólares.
Não foi a primeira vez que essa pintura foi estudada. “Em 1991, ela foi submetida ao Museu Van Gogh, que na época não a legitimou. Após esse tempo, parece ter sido negligenciada”, disse à ISTOÉ Gary Schwartz, historiador de arte em Amsterdã. Ele é especialista em Rembrandt, artista sobre o qual há muito debate em torno da autoria de obras. “São processos longos e cheios de dúvidas, que levam tempo para serem concluídos. Mas iniciativas como as do governo holandês, como o Projeto de Pesquisa Rembrandt, são positivas”, diz o holandês Pieter Tjabbes, historiador e especialista em arte flamenca do século XVII que está à frente da empresa Art Unlimited, em São Paulo. O projeto reverteu algumas das negativas a trabalhos de Rembrandt e desautorizou obras como “O Homem com Capacete Dourado”. Na opinião de Schwartz, o reconhecimento de “Pôr do Sol em Montmajour” poderá incentivar proprietários de pinturas refutadas no passado a tentar novamente a autenticação. “Com o avanço do conhecimento, esses processos não precisam mais ser irreversíveis”, diz ele.