Quando o empresário inglês Martin Lindsay estacionou seu Jaguar preto modelo XJ numa movimentada rua do centro comercial de Londres, na segunda-feira 2, não podia imaginar como encontraria seu bólido quando voltasse, duas horas depois. A proteção do espelho lateral direito havia se deformado, perdido o brilho e ganhado uma estranha e áspera textura, enquanto a parte da lataria que margeia o vidro traseiro havia se vergado, se contorcendo a ponto de quase se desprender da carroceria. Era como se um maçarico tivesse sido usado para estragar o carrão de Lindsay, que no Brasil, na versão top de linha, custa R$ 540 mil. Mas de onde teria vindo tanto calor? O culpado improvável, logo se descobriu, estava a menos de uma quadra de distância do Jaguar derretido – era o arranha-céu comercial ainda em construção 20 Fenchurch Street. Como uma enorme lente, o prédio concentrara os raios de sol que batiam em sua fachada côncava e envidraçada justamente sobre o carro de Lindsay, elevando a temperatura local a mais de 95º C. “Ele ficou destruído”, disse o empresário a um jornal local. O conserto ficou em 946 libras, o equivalente a R$ 3,4 mil.

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NO LUGAR ERRADO
O edifício londrino 20 Fenchurch Street (acima), do arquiteto Rafael Viñoly (segunda abaixo),
emitiu reflexo solar que derreteu parte do carro (abaixo)

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Lindsay não foi vítima apenas da falta de sorte. O que aconteceu em Londres tem um culpado – o arquiteto uruguaio radicado nos Estados Unidos Rafael Viñoly, que projetou o prédio 20 Fenchurch Street e é reincidente no problema (leia o item Vdara Hotel & Spa no quadro). Ao optar pela fachada envidraçada e curva, ele assumiu o risco de criar o fenômeno que derreteu o Jaguar e podia muito bem ter ferido alguém. “É uma falha grave e as responsabilidades serão apuradas, até porque há muito dinheiro envolvido”, afirma Joana Gonçalves, professora doutora do departamento de tecnologia da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP). “Me surpreende que um erro grosseiro desses tenha passado despercebido pela Prefeitura de Londres, onde a legislação de conforto ambiental é duríssima”, diz Joana. Os donos do empreendimento, que contrataram Viñoly, vieram a público se explicar, garantindo que o fenômeno deve acontecer todos os dias por duas horas, durante duas as três semanas. “Entramos em acordo com a prefeitura para bloquear três vagas de rua”, afirmaram.

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FALHA NOSSA
Reformada, a Arena Independência, em Belo Horizonte,
tem lugares de onde não se vê o campo

Enquanto isso, o escritório de Viñoly corre, com a ajuda de quem o contratou, para encontrar uma solução para o problema. Por enquanto, algumas janelas receberam tratamento rudimentar e temporário para reduzir sua capacidade reflexiva. Especialistas argumentam que há duas opções de solução definitiva. A primeira seria mudar o eixo de um conjunto inteiro de janelas, uma saída caríssima (leia o item John Hancock Tower no quadro) e a segunda, mais viável, seria aplicar um filtro que elimine o fenômeno sem comprometer a estética do prédio e o conforto de quem o utiliza. Ambas terão custo não previsto na obra, que tem despesas estimadas em 200 milhões de libras, o equivalente a R$ 724,3 milhões. Privilegiar a beleza sobre o conforto tem seu preço. E ele pode ser bem alto.

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