Urandir Fernandes de Oliveira é um fenômeno. Desde os 13 anos ele tem contato com seres extraterrestres, especialmente com os do planeta Vênus. São figuras com 20% de matéria e 80% de energia, que se locomovem em naves douradas. Deles, Urandir recebeu diversos dons, a começar pelo da cura. Recebeu também a missão de preparar a humanidade para acompanhar mudanças na Terra, que está evoluindo da terceira para a quarta dimensão, seja lá o que isso signifique. Urandir tem ainda acesso aos arquivos cósmicos dos humanos. Numa caverna de sua fazenda, o Projeto Portal, no município de Corguinho (MS), seres intraterrenos guardam estes arquivos há mais de seis mil anos. Mas os registros só podiam ser acessados até 25 de março de 1999. Quem perdeu o prazo, pode se candidatar a uma vaga nas naves espaciais que serão mandadas, em ocasião oportuna, por um misterioso Conselho Cósmico.

Aos 36 anos, Urandir diz contabilizar 76 mil seguidores e poder convocar ETs com a mesma facilidade com que exibe luminescência nas mãos. Aliás, sobre sua fazenda naves espaciais costumam despejar pequenas réplicas de disco voador. Embora alardeie tantos poderes, Urandir não resiste, porém, a questionamentos. Para liberar a entrada ao Projeto Portal e ser entrevistado por ISTOÉ, ele colocou como condição não receber críticas. "Tem que ter documento assinado pela direção da revista, dando garantias", exigiu, revelando total desconhecimento sobre ética. "Só especializados entendem meu trabalho." Há mais de 20 anos dedicando-se à ufologia, o presidente do Centro Brasileiro de Pesquisas de Discos Voadores, Ademar José Gevaerd, garante que o dono do Portal não é ufólogo nem contatado por ETs. "Urandir é, na verdade, um caso de polícia. Engana as pessoas à custa de truques grosseiros, como espalhar seus homens pelo mato, à noite, com faróis de milha. Quando ele supostamente chama os discos voadores, os focos de luz aparecem e as pessoas ficam embasbacadas", conta Gevaerd, reproduzindo o mecanismo.

Satanás
 

Diante de um grupo de 500 pessoas, Gevaerd tentou há dois anos demonstrar que uma das luzes exibidas por Urandir era um simples facho de caneta a laser, similar ao modelo que ele próprio levou à fazenda. "A multidão ficou enfurecida. Eu e meus amigos saímos de lá apedrejados, xingados de Satanás", lembra. Assim que soube da existência de Urandir, a aeromoça aposentada Julieta de Paraíso, que mora em São Paulo, integrou outro grupo de 500 visitantes ao Portal. Lá, notou uma forte resistência dos seus companheiros de viagem em comentar detalhes como o sumiço de empregados durante os avistamentos das naves espaciais. "O fanatismo é tão forte que temo que aconteça uma tragédia como a dos Heaven’s Gate", diz Julieta, referindo-se ao suicídio coletivo ocorrido há dois anos, em San Diego, na Califórnia, por 39 pessoas que acreditavam estar embarcando na cauda do cometa Hale-Bopp. "A região onde se localiza o Portal é, em si, mística. Urandir não precisava usar embustes para faturar."

Julieta ainda guarda uma pedrinha que Urandir garante ter retirado de sua testa como se estivesse extirpando um chip colocado por ETs. "Tudo é feito num cômodo escuro, no mesmo em que ele se apresenta com as mãos fosforecentes", diz. Não são poucos os que atestam que a luminosidade é resultado de produtos à base de fósforo. "É química pura. Urandir tem uma paranormalidade, consegue entortar moe-das e garfos. Mas usa truques de todo tipo", declara Rubem Índio Godoy. Conhecido como Índio, no final de 1994, ele largou o emprego público, na Fundação Nacional de Saúde, para atuar como braço direito de Urandir na implantação do projeto, do qual se desligou quatro anos depois. "Não somos inimigos, mas não voltaria a trabalhar para ele. Essa história de cura é piada. Toda vez que seus filhos adoecem, ele corre para o médico", relata.

Lotes
 

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As pedras que Urandir apresenta como enviadas por extraterrestres são comuns nas imediações da serra de Maracaju, cujo morro mais visível é o de São Sebastião, vizinho ao Portal. "Embora tenham formato bastante exótico, essas pedras têm uma origem geológica natural. São rochas de arenito com alto grau de ferro", afirma o arqueólogo Gilson Martins, da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Moradora de uma colônia da região, Olgarinda Caetano da Silva ganha a vida vendendo pedrinhas para turistas. "Antes, catava para o Urandir, que comprava baratinho. Todo mundo catava. De uns tempos para cá, ele parou de comprar", esclarece Olgarinda.

As rochas, que de fato lembram o formato de um disco voador, estão espalhadas por todo o País. São levadas por pessoas que, após passarem por cursos preparatórios, acodem ao Portal. Esses visitantes são arregimentados por seguidores de Urandir, que hoje mantém núcleos do seu projeto em Belo Horizonte (MG), Curitiba (PR), Jaraguá do Sul (SC), Porto Alegre (RS), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Vitória (ES) e Natal (RN). "Tudo tem preço. Quando usa seus truques, Urandir só pensa em arrancar dinheiro das pessoas", afirma a secretária Elaine Sabaliauskas, ex-namorada do guru. "Agora ele está loteando uma área rural e vendendo terrenos de 800 metros quadrados, mas os compradores não viram nem a cor da escritura. Como ele está sempre cercado por seus homens, não dá para questionar. A reação dele a qualquer sinal de desconfiança é ameaça em cima de ameaça", acusa Elaine.

Irritada com a falta de infra-estrutura no Projeto Portal, a psicóloga Maria Inês Ribeiro Bueno pretendia registrar queixa contra Urandir no Juizado de Pequenas Causas, em São Paulo, onde havia comprado o pacote de quatro dias, por R$ 350. Não conseguiu, porém, nenhum comprovante de pagamento. "Eu, que já tenho problemas de saúde, voltei pior do que fui, pois dormi no chão e comi mal. Não tinha nem água para tomar banho", reclama Maria Inês. Aos que criticam as condições de alojamento, Urandir explica que as dificuldades fazem parte do processo para se chegar à luz, como relata o advogado Cid Carvalho, do Rio de Janeiro. No final de 1994, ele procurou Urandir na esperança de curar os problemas psíquicos de uma filha, hoje com 39 anos. Na ocasião, o advogado também se submetia a um tratamento contra um câncer na panturrilha. "Urandir coloca uma nuvem nos olhos da pessoa. Eu me curei porque fiz 60 sessões de quimioterapia, mas acabei fazendo uma série de depoimentos como se ele tivesse me salvado. Minha filha continua com os mesmos problemas", afirma Carvalho.

Garimpo
Uma das maiores preocupações do advogado é que ele indicou 320 pessoas para o Projeto Portal. "Meu prejuízo foi financeiro e moral. Perdi muito dinheiro com o Urandir, mas o pior é que meus testemunhos influenciaram muitas pessoas", diz. Um dos primeiros a perceber os recursos ocultos de Urandir, Gevaerd, que edita a revista UFO, acredita que Urandir está construindo uma fortuna graças à boa-fé de seus adeptos. "Estimo que seu patrimônio seja de R$ 10 milhões", afirma. "O problema é que até a trajetória de vida que conta foi copiada de outra pessoa."

Quando Urandir chegou à região, vindo do interior paulista, procurou Lúcio Barbosa, dono do Sítio Anjos de Luz, também em Corguinho. "Ele acampou na minha casa por mais de um ano. Era um pouco paranormal, entortava umas coisas. Fez um garimpo na minha propriedade, mas não extraiu nada. Aos poucos, contei que tinha contato com extraterrestres, que a região era mística. Ele teve a idéia de usar as luzes. Me afastei, pois meu trabalho não envolve dinheiro", ressalta Barbosa. Entre os ufólogos mais conhecidos do País, Urandir também não conta com boa reputação. "Ele achincalha com a ufologia brasileira", reclama Claudeir Covo, presidente do Instituto Nacional de Investigações de Fenômenos Aeroespaciais.

Link relacionado: www.projetoportal.org.br


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