A principal revelação do depoimento do ex-banqueiro, ex-ministro e ex-senador José Eduardo Andrade Vieira vestia tailleur creme e blusa com estampa de oncinha, exibia anéis vistosos e cabelos pretos bem escovados. Com o advogado a tiracolo, Tânia de Sousa Vieira, a ex-mulher, chegou no horário e esperou quatro horas para entrar em cena. Quando o depoimento começou, com duas horas e meia de atraso, já circulava de boca em boca um breve relato da ruína do casamento de 24 anos e do processo de separação litigiosa que move contra o ex-marido. Casada em comunhão de bens, Tânia queria informações sobre o destino que levou o maior patrimônio do casal, o ex-banco Bamerindus. Mas foi ela quem trouxe informações novas à CPI, quando Andrade Vieira parecia decidido a falar muito menos do que sabe. Com um curto "Eu confirmo!", Tânia ratificou os contatos diretos de Marcos Malan, irmão do ministro da Fazenda, Pedro Malan, com o ex-marido. O senador Pedro Simon (PMDB-RS), que foi quem mais espremeu Andrade Vieira na CPI, deve pedir a convocação do irmão do ministro para esclarecer que tipo de serviço pretendia prestar a Andrade Vieira quando discutiu a disposição de ajudá-lo em uma solução para o Bamerindus. "As denúncias publicadas na ISTOÉ são da maior seriedade. Essa não é uma questão menor", reagiu o Simon ainda no depoimento, diante da tentativa de seu ex-colega de minimizar o encontro.

A firmeza de Tânia foi incentivada pelo senador Eduardo Suplicy (PT-SP), com quem, por ironia, havia viajado na noite anterior, de Nova York para São Paulo, onde ambos fizeram escala antes de aterrissar na CPI. A inusitada intervenção da ex-mulher forçou Andrade Vieira a dar detalhes do motivo que o fez recuar. "Hoje de manhã telefonei para o dr. João Elísio (um ex-funcionário) e disse: ‘Lembra daquele episódio que você esteve lá em casa com o Marcos Malan.’ Ele não se lembrou se esteve lá em casa. Peço desculpas, mas ainda não posso fazer uma assertiva nessa direção", afirmou. Apesar das inúmeras vacilações provocadas pela fragilidade de sua situação jurídica e financeira, Andrade Vieira teve um momento de firmeza quando informou que "houve o episódio, sem dúvida nenhuma, e haveria a possibilidade de o dr. Marcos Malan ajudar em alguma tratativa com o ministro", o que teria "o propósito de fazer um lobby em favor do Bamerindus".

Marcos e Pedro No Rio, o advogado Marcos Malan acompanhava atentamente o depoimento. Seu advogado, Técio Lins e Silva, já havia ajuizado ações em São Paulo contra ISTOÉ e Andrade Vieira, cobrando do ex-banqueiro que confirme suas declarações. A defesa do irmão do ministro, contudo, não parece ser tão simples. Informalmente, a família Malan defende-se afirmando que Marcos consultou Pedro sobre a oportunidade da assessoria, sendo desencorajado pelo ministro. "É melhor não entrar nisso, não", teria alertado Pedro. Ou seja, Marcos só consultou o irmão porque estava interessado na empreitada. Agora, assustado com a revelação, nega qualquer proposta. O intermediário, João Elísio Ferraz, colabora com a confusão. Ex-presidente da Seguradora Bamerindus e atual titular da Federação Nacional das Empresas de Seguros (Fenaseg), João Elísio é o elo entre Andrade Vieira e Marcos Malan. O executivo confirmou aos jornais, na quinta-feira 10, que conversou com Marcos a respeito da situação do Bamerindus, mas teria sido só em tom de desabafo. Alguns senadores da CPI, entretanto, acham difícil acreditar na hipótese de que o irmão do ministro tenha interpretado um desabafo como um convite.

A cautela de Andrade Vieira pode ser explicada, também, pelo que há contra ele nas mãos do governo. O Banco Central tem um dossiê levantado pelos interventores no Bamerindus que mostra o volume milionário de empréstimos concedidos sem garantias a políticos e partidos quando o então banqueiro decidiu virar político. Um crédito que chamou a atenção dos diretores do BC foi concedido ao então deputado federal José Carlos Martinez, dono da tevê paranaense CNT, que serviria para sustentar na mídia a campanha do ex-banqueiro. Num raro instante de ofensiva, o ex-senador confirmou que Gustavo Loyola, então presidente do BC, intermediou o encontro no qual o americano Stephen Ross sugeriu ser adotado como filho por Andrade Vieira para assumir o Bamerindus e negociar uma solução com o BC. A história foi revelada por ISTOÉ em agosto de 1998.

 

Guilhotina O vacilante depoimento frustrou as expectativas de quem aguardava revelações firmes e diretas. "Só existe essa caixa-preta chamada Banco Central porque existe um Zé Eduardo da vida, que não vira a mesa, não faz nada!", lamentou Simon logo depois de surpreender o ex-banqueiro com a leitura de uma nota de ISTOÉ, alertando que havia registro de sua conversa com a revista, ocorrida na sexta-feira 4. "Ele estava com uma guilhotina no pescoço", sentenciou Suplicy. A oposição agora deve tentar convocar João Elísio e Marcos Malan para deporem na CPI, mas os governistas prometem insistir no abafa. "Com a vacilação de Andrade Vieira, não vemos motivos para chamar Marcos Malan", explica-se José Roberto Arruda (PSDB-DF), "exceto se aparecerem fatos novos".

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Colaborou Aziz Filho (RJ)

 

"Fui muito pavio curto"

Conversa telefônica de Tales Faria, chefe da sucursal de ISTOÉ em Brasília, com José Eduardo Andrade Vieira, ocorrida por volta do meio-dia da sexta-feira, dia 4 de junho.

ISTOÉ – O Marcos Malan foi na sua casa antes ou depois da ida do Pedro Malan e do Loyola? (Em matéria anterior, ISTOÉ informa que o ministro da Fazenda e o ex-presidente do Banco Central foram à casa de Andrade Vieira para combinar que apresentariam ao banqueiro interessados na compra do Bamerindus)
José Eduardo Andrade Vieira – Foi depois.

ISTOÉ – O sr. sabe quanto tempo, mais ou menos?
Vieira – Isso eu não tenho certeza, ou foi novembro ou foi dezembro.

ISTOÉ – Ele se ofereceu para intermediar, para….
Vieira – Para ajudar a resolver.


ISTOÉ – Ajudar a resolver?
Vieira – Me ajudar.

ISTOÉ – Cobrou alguma coisa?
Vieira – Não, eu não alimentei, né. Fui burro. Sou muito pavio curto.

ISTOÉ – O sr. chegou a falar para o Malan (o ministro)?
Vieira – Não, nunca falei para ninguém.

ISTOÉ – Certo.
Vieira – Só tem uma testemunha. O João Elísio Ferraz de Campos (ex-presidente da Seguradora Bamerindus). E eu não vou mencionar porque é bem possível que o João negue.

ISTOÉ – Mas o João Elísio era bem ligado ao sr., não ?
Vieira – É, mas hoje não é mais.

ISTOÉ – Não é mais?
Vieira – Não. Entrou com uma ação contra mim.

ISTOÉ – Por quê?
Vieira – Porque diz que foi prejudicado por mim….

… Ele foi vice-governador do Paraná, foi presidente da Febraban. Hoje está no PFL, tem pretensões aí com o Bornhausen …

Não pode citar a presença dele porque senão ele vai negar, vai dizer que não sabe, não lembra, que faz muito tempo….

Transação misteriosa


Desde fevereiro transita na Procuradoria da República um documento que na última semana ganhou destaque no Senado. Trata-se de uma representação do empresário Sérgio Frey, que narra uma confusa negociação de TDAs com o Banco Sul América S.A., envolvendo R$ 908,9 mil. O negócio foi feito em 1996 e, segundo o empresário, o banco não apresentou a documentação correta, sugerindo a existência de um suposto caixa dois. O que torna a representação especial é a citação feita ao advogado Marcos Malan, irmão do ministro da Fazenda. Frey alega que o Banco Central se recusou a apurar a eventual falcatrua e que, por causa disso, recorreu ao senador Ernandes Amorim (PPB-RO). O senador disse que, ao interferir a favor do empresário, ouviu de funcionários do Sul América que a instituição não temia a ação do BC, pois é assessorada por ex-funcionários do BC e tem em seus quadros Marcos Malan. A declaração do senador está na representação, preparada pelo advogado Cid Vieira de Souza Filho. "Recorremos à procuradoria para que tudo seja investigado, até o eventual tráfico de influência", diz o advogado, que já atuou como assistente da acusação da procuradoria e conseguiu uma condenação de 13 anos aos banqueiros do GNPP, no golpe contra o fundo de pensão da Vasp, em 1996. Na quarta-feira 9, o senador Amorim sugeriu que Frey e Marcos Malan sejam convocados pela CPI. "Essa história é doida. Meu cliente só prestou serviço à Sul América Seguros uma vez e nunca viu uma TDA", disse o advogado de Marcos Malan, Técio Lins e Silva.

Mário Simas Filho


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