O silêncio do engenheiro espanhol Benito Muros é caro. Já ofereceram 30 milhões de euros (R$ 87 milhões) e ele não aceitou. Os compradores não desistiram e deixaram uma ameaça de morte na secretária eletrônica de Muros. Ele conta ainda que sofreu um golpe, quando ladrões de patentes se apresentaram como investidores. “Todos os episódios estão em investigação policial. No inquérito, estão envolvidos um jogador de futebol da primeira divisão espanhola, um vereador do Partido Popular e um empresário”, diz o engenheiro. Todo esse alvoroço foi provocado por uma lâmpada.

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LONGA VIDA
Muito lixo deixará de ser produzido, caso a lâmpada
criada por Benito Muros se popularize

Muros é criador e produtor da lâmpada OEP Electrics. Por fora, parece com as concorrentes, mas no seu interior possui um sistema com garantia de 25 anos, ou 219 mil horas de funcionamento contínuo. É um golpe com poder fatal para a indústria. O invento do espanhol quebraria um pacto velado entre os fabricantes de lâmpadas. Pelo acordo, esses produtos não podem ultrapassar as mil horas de vida, para o bem da economia (das empresas) e o desespero dos ambientalistas. Contra esse estado de coisas, Muros lançou o movimento SOP (Sem Obsolescência Programada), o que aumentou a fúria de seus concorrentes.

Predeterminar o tempo de vida dos produtos é uma prática adotada desde o começo dos anos 1920. Ganhou força nos anos 1930, quando os Estados Unidos sofriam a grande depressão econômica. O industrial Brooks Stevens foi quem defendeu a prática, argumentando que o incentivo ao consumo seria fundamental para a recuperação da economia. “Um produto que não se desgasta é uma tragédia para os negócios”, publicou numa revista na época, quando a preocupação com o ambiente e os perigos do consumo desenfreado não eram previstos nem pelos mais visionários.

Passado quase um século, as lâmpadas são o maior símbolo da obsolescência programada. Thomas Edison orgulhava-se, em 1871, da duração de 1.500 horas de sua invenção. Em 1924, a publicidade destacava a vida útil de 2.500 horas. Foi nesse ano que, segundo o pesquisador Markus Krajewski – da Universidade Bauhaus de Weimar, na Alemanha –, surgiu o cartel batizado de Phoebus, estipulando a duração máxima de mil horas. Em 1953, um tribunal americano proibiu a pré-limitação, mas, na prática, os consumidores vivem outra realidade. As meias de náilon, por exemplo, que eram classificadas como “irrompíveis” no início do século passado, hoje se encaixam mais na categoria de descartáveis.

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Produtos eletrônicos como computadores, impressoras, celulares e eletrodomésticos também são grandes exemplos de obsolescência. O documentário espanhol “Comprar, Jogar Fora, Comprar” (2011) usa uma impressora para exemplificar o tema. O equipamento deixa de funcionar sem motivo aparente, e o custo para consertá-lo é mais alto que o de comprar um novo.

A ideia por trás da lâmpada de Muros surgiu quando ele conheceu, no quartel dos bombeiros da cidade americana de Libermore, uma lâmpada acesa há 112 anos. “Pensei: ‘Se em 1901 foi produzida uma lâmpada que dura mais de 100 anos, por que não agora?’”, lembra. Atual­mente, a peça tem status de celebridade, com site oficial (www.centennialbulb.org/), festa de aniversário e uma câmera que acompanha sua rotina iluminada. Contam os bombeiros que a webcam que vigia a lâmpada centenária já teve de ser trocada três vezes, sempre que parava de funcionar.

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