Num lance abertamente oportunista, nove centrais convocaram seus filiados para o Dia Nacional de Lutas, na quinta-feira 11, na tentativa de aproveitar o embalo das manifestações populares de junho. O resultado da mobilização não só se revelou pífio, como escancarou as diferenças com os protestos organizados pelas redes sociais que tomaram as principais avenidas do País no último mês. Enquanto a histórica marcha das ruas envolveu mais de dois milhões de brasileiros pela redução da tarifa do transporte público, combate à corrupção e melhoria nos serviços públicos, os sindicalistas com uma ultrapassada pauta trabalhista não conseguiram reunir 100 mil pessoas em todo o País. Em São Paulo, a manifestação atraiu apenas dez mil à avenida Paulista e ainda houve denúncias de que um grupo de pelo menos 100 manifestantes teria recebido entre R$ 50 e R$ 70 para participar do protesto. Em junho, 100 mil saíram às ruas apenas em um dia na capital paulista. No Rio, a manifestação reuniu cerca de cinco mil pessoas, contra 300 mil da passeata de junho.

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Apesar do fracasso da manifestação das centrais, o estrago para a população acabou sendo grande. Foi como se os sindicalistas estivessem imitando uma lógica terrorista, em que apenas um – no caso de um homem-bomba – ou muito poucos provocam transtornos incalculáveis. Foram registradas interdições em 66 trechos de rodovias federais de 18 Estados. A produção industrial e as vendas do varejo também foram afetadas. Houve paralisação dos serviços de transporte em Porto Alegre (RS), Belo Horizonte (MG) e Vitória (ES). 

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TRANSTORNO
Em Itajaí (SC), sindicalistas bloquearam por 20 minutos a BR-101

Trabalhadores não conseguiram se deslocar, crianças não conseguiram ir às escolas em vários Estados. A produção foi paralisada em pelo menos quatro refinarias brasileiras e em oito unidades de montadoras. Os serviços de saúde também foram prejudicados. Só em Curitiba, cerca de 1,2 mil consultas foram canceladas e mais de 700 pedidos de exames tiveram de ser remarcados. O oportunismo sindical levou ao caos e, com uma pauta de reivindicações estabelecida de cima para baixo, só contribuiu para distanciar ainda mais os movimentos sindicais da sociedade. “A montanha pariu um rato”, avaliou o consultor político Gaudêncio Torquato, professor da USP. “Ao promover manifestações de estruturas verticais, as centrais tratam as pessoas como massa, não como protagonistas, e isso as afasta dos anseios populares”, afirma Marco Antônio Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas (FGV-SP).

Por mais paradoxal que pareça, foi no governo de Lula, um ex-sindicalista, que os sindicatos começaram a perder a sintonia com a sociedade e, consequentemente, seu poder de mobilização. Agraciados com cargos no governo, CUT e Força Sindical, as maiores centrais do País, foram aos poucos perdendo interlocução e importância e deixando suas principais bandeiras de lado. Preferiram aproveitar a proximidade com o poder para se aparelhar e transformar um instrumento democrático em negócio. “O atrelamento dos movimentos de trabalhadores com o governo gerou uma desconfiança na população. Eles são vistos como órgãos cooptados”, avalia Torquato. Hoje, poucos negócios no Brasil são tão lucrativos quanto montar um sindicato. Principalmente a partir de 2008, quando foi aprovada a lei que reconheceu as centrais como integrantes do sistema sindical nacional. Atualmente, as centrais têm direito a 10% da arrecadação do imposto sindical, que corresponde a um dia de salário de todo empregado. Não é pouco dinheiro. Só em 2008, entrou no caixa de sindicatos, federações, confederações e centrais cerca de R$ 1 bilhão arrecadado com o imposto sindical recolhido de forma obrigatória dos trabalhadores. A distribuição da verba é proporcional ao número de sindicatos filiados a cada uma. Assim, a CUT, com o maior número de filiados, 2.169, recebe por ano cerca de R$ 45,7 milhões. A Força Sindical, segunda maior, com 1.680 filiados, fica com cerca de R$ 40 milhões.

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FIASCO
Manifestantes se reúnem em frente ao Masp, na avenida
Paulista. A marcha mobilizou apenas dez mil pessoas

A partir da eleição da presidenta Dilma Rousseff, houve uma mudança na relação do governo com os dirigentes sindicais. A presidenta sempre deixou clara a opção por manter os níveis de emprego em vez de apostar na escala de ampliação da remuneração. Com isso, tirou a principal bandeira das centrais, a luta por postos de trabalho. Com inflação controlada e poder de compra em alta, entre 2011 e 2012, os trabalhadores não sentiram falta das entidades representativas. Dilma também demonstra pouca paciência em negociar com as centrais. Para fazer a interlocução com as entidades, escalou o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Mesmo assim, a ordem é fazer poucas concessões. Hoje, a relação do governo com a CUT encontra-se estremecida. E com a Força Sindical, que bandeou-se para a oposição, é quase nula. Em reunião com Lula em seu instituto, em São Paulo, no último dia 19, os líderes das centrais desfiaram um rosário de reclamações alegando que o governo não lhes dá a atenção devida. As centrais alegam ainda que o ministro do Trabalho, Manoel Dias, indicado pelo antecessor, Carlos Lupi, está esvaziado e sem força. “O tema foi a falta de interlocução com o governo”, disse Valdir Vicente, diretor da Força Sindical.

 Em toda a história, só havia ocorrido três greves gerais no País. Em 1917, em meio à crise da Primeira Guerra, em março de 1989, contra o Plano Verão de Sarney, e, em 1991, durante o governo Collor. Com a chegada do PT ao poder, as centrais passaram a organizar o Dia Nacional de Lutas duas vezes por ano. Mas, desde então, nunca houve tentativa de parar o País, como na quinta-feira 11. A fracassada mobilização da semana passada, que só trouxe prejuízos com a paralisação de serviços essenciais à população, afasta o movimento sindical da sociedade e instiga discussões sobre o futuro do sindicalismo. Nos EUA, foram atitudes dessa natureza que levaram à desmoralização dos sindicatos. Hoje, naquele país, os acordos coletivos não são protegidos por lei. “Perdemos mais de 400 mil pessoas no movimento sindical e esse número continua em declínio”, disse a dirigente sindical Sandy Rusher, referindo-se à queda nas sindicalizações no país. O sindicalismo precisa se distanciar do poder e se oxigenar nas bases se não quiser perder sua representatividade. Definitivamente, não é agindo como nas esvaziadas manifestações da última semana que as centrais sindicais recuperarão suas vozes. Hoje, elas se mostram afônicas e desafinadas com o clamor das ruas.

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