Há alguns dias, milhares de pessoas saíram às ruas de Frankfurt, na Alemanha, para gritar contra as políticas de austeridade impostas aos países da Europa. A cena não teria nada demais – nesses tempos de apuros financeiros, protestos se tornaram comuns em diversas partes do mundo –, mas dois fatores chamaram a atenção. O primeiro deles: as manifestações se deram na Alemanha, o país que melhor vem enfrentando os efeitos negativos da crise. O segundo: muitas palavras de ordem foram disparadas contra o Fundo Monetário Internacional, apontado como um dos vilões em razão das dificuldades vividas pelas nações da zona do euro. Pouco tempo depois, a dois mil quilômetros de distância da Alemanha, mais de 300 organizações, movimentos e sindicatos se reuniram em frente ao Parlamento grego, em Atenas, para bradar contra os rigorosos cortes públicos, a pobreza que chegou a níveis alarmantes e o desemprego que varre o país mais atingido pela crise. E contra o FMI.

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ERRO DE AVALIAÇÃO
Christine Lagarde, diretora-geral do FMI, e manifestantes nas ruas de Atenas:
para levar adiante o socorro a países em crise, o Fundo apertou demais
o cinto e não mediu as severas consequências

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Não é à toa a revolta contra a entidade que, na teoria, possui a missão de ajudar países à beira da ruína econômica. O FMI tem enorme parcela de culpa pela difícil conjuntura. “O Fundo avaliou o cenário de forma otimista demais e exigiu um ajuste fiscal muito rígido em troca de pouca ajuda financeira”, diz o economista Fernando Fernandez, da IE Business School. “Governos com grandes dívidas cortaram gastos e aumentaram impostos, aprofundando a recessão e endividando famílias.” Recentemente, o próprio FMI admitiu que errou feio especialmente no plano de resgate da Grécia. Ao exigir dos gregos um rigoroso controle fiscal e o aperto excessivo do cinto, a entidade acabou por exacerbar uma crise que já era severa. Em outras palavras: grandes empréstimos só começaram a ser pagos à custa de muito sofrimento. A dose de sacrifício não teria sido alta demais? Os números da economia grega mostram que sim. Hoje, o desemprego do país está em 27%. Entre os jovens, é de impressionantes 60% – taxa recorde na história grega. “Os erros do FMI são um sinal de que os credores internacionais precisam criar novos mecanismos para combater crises”, afirma Fernandez.

Para Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, economista da Fundação Getulio Vargas, o principal equívoco do FMI está na raiz da crise de 2008. Os líderes do Fundo defendiam a liberdade total dos mercados, sem mecanismos consistentes de regulação. “A livre movimentação de capitais obriga os governos a manter altas taxas de juros na tentativa de impedir uma fuga em massa de recursos do país, o que leva à recessão, ao desemprego e à miséria”, diz Silva. “Essa especulação financeira fez mal a muitos países, que tiveram um crescimento acelerado da dívida pública e, consequentemente, precisaram recorrer cada vez mais ao dinheiro dos credores internacionais.” Sob diversos aspectos, o cenário atual lembra a crise financeira que castigou a América Latina em 1980, a chamada década perdida (inclusive no Brasil). Naqueles anos, eram comuns pichações em muros com os mesmos dizeres dos cartazes erguidos hoje em dia: “Fora FMI”.

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A diretora-geral do FMI, Christine Lagarde, e seu séquito parecem ignorar as lições do passado. De acordo com Carlos Quenan, professor de economia da Universidade de Sorbonne, o FMI repete na Europa de hoje os mesmos erros que cometeu na América Latina de ontem, tanto pelos mecanismos de ajuda quanto pelas consequências desse respaldo. O especialista compara a crise Argentina da década de 1980 aos problemas atuais da Grécia, identificando semelhanças como o acúmulo do déficit público, a perda de acesso aos mercados e a necessidade de pedir ajuda ao FMI. “No caso da América Latina, o Fundo foi muito criticado porque tentou o tempo todo produzir ajustes e não percebeu que tinha de promover uma reestruturação, uma queda no valor da dívida”, afirma Quenan. A experiência brasileira com o FMI também teve resultados desastrosos nos anos 1980 (leia quadro).

Hoje, é consenso entre especialistas que o FMI deve passar por mudanças profundas. “Sem dúvida, o Fundo vive a maior crise de sua história”, afirma Silva, da Fundação Getulio Vargas. Às vésperas de completar dois anos como chefe do Fundo, a francesa Christine Lagarde até agora não cumpriu a promessa de dar ares mais moderados à entidade. Sob seu comando, o FMI continua a exibir a mesma mão pesada de tempos recentes. “O choque provocado pela crise foi muito grande e hoje existe um processo de reavaliação das antigas doutrinas”, diz Paulo Nogueira, diretor-executivo do FMI pelo Brasil e mais oito países da América Latina e do Caribe. “Mas há muita inércia.” O tiroteio contra a instituição não é novo. Um dos mais influentes economistas do século XX, o Prêmio Nobel Milton Friedman vivia dizendo que o melhor mesmo era acabar de vez com o FMI. Ele também criou uma frase divertida. Segundo Friedman, o Fundo virou uma peculiar empresa de consultoria: ela paga para dar conselhos.

Fotos: Paul J. Richards, LOUISA GOULIAMAKI – AFP