Você está prestes a apresentar uma palestra. Um dia antes, fica nervoso, sente mal-estar e tem insônia. Na hora H, se esquece de tudo o que iria falar. Ou então gasta horas tentando imaginar a solução de um problema que, na verdade, ainda nem apareceu. Se situações assim acontecem com frequência, chegou o momento de dar atenção a esses sinais. Por trás deles pode estar escondida uma ansiedade nociva e sufocante, que mina a qualidade de vida e prejudica a saúde de suas presas. Não se sabe exatamente quantos são os ansiosos no Brasil. Mas sabe-se que são muitos, milhões. Para se ter uma idéia, estima-se que existam pelo menos 15 milhões de brasileiros adultos padecendo dos sofrimentos mais graves relacionados à ansiedade. São pessoas que têm desde crises de tontura, diarréia e dor no peito até aquelas que amargam a mais completa paralisação e medo diante de qualquer situação que lhes pareça ameaçadora.

Não é difícil entender o motivo de reações tão extremas. Os ansiosos criam expectativas desnecessárias sobre os acontecimentos futuros, querem resolver as situações antecipadamente e costumam ser pessimistas. Suas preocupações são intensas, duradouras e frequentes. E, infelizmente, embora ainda não se disponha de estatísticas brasileiras, é certo que o mal vem crescendo. A competição por melhores cargos no emprego e a vida pessoal atribulada são alguns dos fatores que aumentam a ânsia de quem já sofre do problema. E mesmo quem não se importava acaba ficando mais vulnerável. “Até os livros de auto-ajuda investem na formação de um homem produtivo 24 horas por dia, o que está além do normal e gera ansiedade e frustração”, afirma Eliane Corrêa Chaves, professora da Faculdade de Enfermagem da Universidade de São Paulo (USP) e especialista no controle da ansiedade e do stress.

A incidência e a gravidade do problema estão obrigando a medicina a dirigir atenção especial à doença. O resultado é que há várias boas notícias no seu combate. A primeira delas é o fato de os médicos, hoje, entenderem muito melhor a natureza do mal e suas manifestações. Sabe-se, por exemplo, que são quatro os principais transtornos associados a ele, motivados por uma ansiedade exagerada. O primeiro deles é chamado justamente de ansiedade generalizada. Ele é caracterizado por crises pontuadas por taquicardia, mal-estar abdominal, tensão muscular, acompanhados de irritação e de uma imensa dificuldade para relaxar diante de situações que gerem ansiedade.

Consequências – A manifestação de quatro sintomas em um semestre já caracteriza um quadro de ansiedade generalizada. Ela afeta a vida social, familiar, profissional e até o aprendizado. Muitas vezes, por exemplo, o cansaço excessivo típico de quem sofre desse tipo de transtorno impede que o ansioso sinta vontade de sair com os amigos. E a irritação acaba descontada nos familiares. No trabalho, a produtividade cai. “O ansioso tem dificuldades para se concentrar e não consegue fazer as tarefas”, explica Taki Cordás, professor do Departamento de Psiquiatria da USP.

Nos vestibulares, o problema fica exacerbado. Algumas vezes, mesmo que o candidato esteja bem preparado, ele não consegue se lembrar de nada no momento da prova. “A ansiedade prejudica o rendimento do aluno, fazendo com que ele perca parte da lucidez para lidar com o próprio saber”, explica a educadora Ana Célia Clementino Moura, da comissão coordenadora dos vestibulares das universidades federais do Ceará e do Piauí. De acordo com a fonoaudióloga Ana Maria Álvarez, de São Paulo, o aprendizado também sai no prejuízo. “Cerca de 5% a 8% dos estudantes sofrem de distúrbios de aprendizagem relacionados de alguma forma à ansiedade”, calcula. A falta de concentração e dificuldades de leitura estão entre as manifestações mais comuns dos problemas a que se refere a especialista.

O ansioso não atrapalha apenas a si mesmo, mas os colegas também. Quando trabalha em equipe, sua ansiedade costuma prejudicar os companheiros. Ele deseja saber a todo momento como andam as coisas e faz as mesmas perguntas mil vezes. Fica afobado e prejudica o andamento do projeto. O recreador pernambucano Leonardo Ramos, 25 anos, conhece esse processo. Em janeiro, ele participou do programa No limite, da Rede Globo, no qual duas equipes disputam provas radicais e o grupo perdedor escolhia um integrante para sair da competição. Ramos foi o primeiro participante eliminado. O motivo: a afobação dele atrapalhava. “Sou movido pela necessidade de resolver tudo logo e a ansiedade é o meu maior defeito”, admite.

Outro problema associado à ansiedade é o transtorno do pânico. Seus sintomas aparecem de forma brusca. O indivíduo está tranquilo e de repente imagina que uma determinada situação é ameaçadora. Passa a ter, então, sintomas como falta de ar e tontura. O episódio dura cerca de dez minutos. Ele pode sentir medo de ficar sozinho em casa e, por isso, toda vez que se vê nessa circunstância, entra em pânico. As crises costumam se repetir com frequência. Em um estágio avançado ele evita até mesmo ir ao trabalho. Os especialistas recomendam procurar o médico a partir da primeira manifestação. Seu aparecimento costuma ocorrer depois da adolescência. As fobias também estão relacionadas à ansiedade. São medos irracionais, exagerados e persistentes de situações, objetos, animais. Há quem tenha fobia de sangue, avião, doenças, entre outras.

A ansiedade também está por trás do Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC). O indivíduo tem imagens ou idéias repetidas. Ele tenta evitá-las, mas não consegue. Por isso, começa a apresentar atitudes compulsivas para afastar os pensamentos. “O paciente cria rituais como levantar-se várias vezes da cama à noite para verificar se a porta está trancada”, explica a psiquiatra Kátia Oddone, coordenadora do Ambulatório de Ansiedade da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). As primeiras manifestações podem acontecer a partir da infância e se deve procurar ajuda médica.

A ocorrência desses transtornos não obedece a uma escala de gravidade. Ou seja, uma pessoa que sofra de ansiedade generalizada que se agrava por algum motivo não terá, necessariamente, uma crise de pânico ou de TOC. O contrário também é verdadeiro. “Alguém com ansiedade grave pode manifestar algumas vezes crises de pânico ou fóbicas, mas isso é esporádico”, explica o psiquiatra Márcio Bernik, do Ambulatório de Ansiedade do Hospital das Clínicas de São Paulo (Amban).

Origens – Outro avanço importante na compreensão da ansiedade é a descoberta de suas causas. É verdade que elas não estão totalmente esclarecidas, mas já há boas pistas. A resposta para o fato de um indivíduo ser mais ansioso do que outro pode estar no desequilíbrio entre neurotransmissores (substâncias que transmitem informações entre os neurônios) envolvidos no processamento do humor, como a serotonina, a dopamina e a noradrenalina. A disfunção ocorre numa região do cérebro chamada amígdala, que está ligada às emoções. Existem outras peças se encaixando nesse quebra-cabeça. Há um ano, pesquisadores descobriram uma nova substância, batizada de P, que também estaria relacionada à doença, embora ainda não se tenha mais detalhes sobre sua atuação.

Hoje, acredita-se que a ansiedade tenha influência genética e, por isso, seja hereditária em grande parte dos casos. “Filhos de pais ansiosos têm mais chances de manifestar o problema”, afirma a fonoaudióloga Ana Álvarez. A educação recebida pela família também é levada em conta. “Pais superprotetores e controladores fazem com que suas crianças cresçam num ambiente ameaçador”, alerta o médico Bernik. Elas ficam inseguras e tensas porque estão sujeitas a ser corrigidas ou ter de prestar contas por qualquer gesto. A ansiedade surge como um tipo de defesa. “De maneira geral, a criança ansiosa vive como se estivesse diante de um grande perigo”, define a psicanalista infantil Ana Olmos. Com ou sem sintomas físicos, como náuseas e dores musculares sentidas por algumas crianças, a ansiedade infantil pode vir acompanhada de dificuldades de relacionamento com os colegas.

Stress – Um dos desafios, no entanto, é esclarecer o papel do stress no surgimento da ansiedade. Os cientistas ainda não sabem qual dos dois aparece primeiro. O stress tanto surge como fator desencadeante como pode ocorrer depois que o problema está instalado. Mas o resultado no organismo é praticamente o mesmo. Ambos aumentam a produção dos hormônios cortisol, noradrenalina e de crescimento. “Essas substâncias diminuem as defesas do corpo, aumentam o colesterol ruim e podem contribuir para o aparecimento de infecções, tumores e doenças cardíacas”, afirma Bernik. Por causa de tanto estrago, a doença ganhou status de prioridade. “Em estágios mais sérios, a ansiedade é considerada um problema de saúde pública”, alerta o psiquiatra.

As informações levantadas até agora estão permitindo a aplicação de novos tratamentos. Uma das novidades é o uso dos antidepressivos, principalmente para a ansiedade generalizada. Gradativamente, eles estão substituindo os benzodiazepínicos ou ansiolíticos. Na opinião do médico Cordás, os ansiolíticos causam dependência porque têm substâncias que tornam o organismo tolerante às drogas. Por causa disso, é preciso aumentar cada vez mais a dose para conseguir os mesmos efeitos do tratamento (geralmente isso é necessário em pacientes que tomam o remédio há cerca de um ano).

De acordo com o especialista, outra vantagem é que os antidepressivos tratam a depressão que costuma surgir após intensas manifestações de ansiedade. Recentemente foi lançado o antidepressivo à base de venlafaxina. Além de atuar sobre a serotonina, como os outros medicamentos do gênero, o remédio age também na noradrenalina. “O resultado é positivo porque a droga atua sobre dois neurotransmissores envolvidos no processo da ansiedade”, garante Cordás. Porém, o mais interessante é que o reinado do ansiolítico Lexotan está longe de acabar. Dados da Associação Brasileira da Indústria Farmacêutica mostram que a droga ocupa a quarta posição entre os medicamentos mais vendidos no País. Chega a 12 milhões de unidades por ano.

Outra estratégia cada vez mais usada contra a doença é a terapia cognitiva comportamental, técnica que vem sendo empregada com sucesso pelos especialistas para cuidar de todos os tipos de transtornos ansiosos. O método expõe gradualmente o paciente a situações geradoras de ansiedade para que ele aprenda a enfrentar seus medos. O paciente com transtorno do pânico que tem receio de sair de casa, por exemplo, será estimulado a princípio a tentar chegar até o portão do prédio. Quando essa etapa for vencida, ele irá até a esquina da rua e assim por diante. Essa técnica foi uma das soluções para tratar o editor carioca R. P., 48 anos. Ele viveu 15 anos com o transtorno do pânico. “Cheguei a ponto de andar de costas na rua para ficar olhando para o meu edifício, que era meu referencial.” Ele se tratou com a terapia e remédios. “Estou curado. Procuro não me lembrar da doença”, conta.

Acupuntura – Do lado de fora dos consultórios, também há iniciativas animadoras. Uma delas vem do Hospital Universitário da USP. Ali, o corpo de enfermagem tenta amenizar o problema entre os pacientes da unidade de terapia intensiva. Uma das mudanças é permitir que o doente receba visitas em horários especiais (além das duas entradas estabelecidas por dia). “A iniciativa diminui o stress de quem está internado”, garante a enfermeira Ana Maria Auricchio. Outro recurso das enfermeiras é conversar com os familiares para dar notícias sobre o estado do paciente. “A informação clara reduz a ansiedade da família”, explica Ana.

Também há técnicas coadjuvantes que ajudam a controlar os transtornos ansiosos, especialmente a ansiedade generalizada e o transtorno do pânico. No caso da acupuntura, por exemplo, as agulhas atuam sobre determinadas terminações nervosas do corpo e o estímulo é levado até o cérebro. “Lá, acontece uma liberação de serotonina, que inibe a crise de pânico”, explica Gábor Tomas Fonai, cardiologista e especialista em acupuntura. Quem desfrutou o benefício desta terapia foi o administrador paulistano Fernando Rodrigues Pandeló, 30 anos, que sofre de ansiedade. “Gosto de resolver tudo rapidamente e isso me angustia”, conta. Há um ano, ele se submete à terapia e garante que ela lhe deu mais estabilidade emocional, particularmente na vida profissional. O consultor Washington Luiz Moura Lima, 41 anos, é outro que está satisfeito com a acupuntura. A técnica está auxiliando Lima a combater o transtorno do pânico, problema sofrido por ele desde a morte de sua mãe, em 1995. “Ficava com medo de morrer de infarto como ela”, lembra-se. Com o tempo, as crises pioraram e ele chegou a ponto de deixar de viajar de avião e parar de trabalhar. Quando se deu conta da gravidade do seu caso, buscou ajuda. Há cinco anos também faz análise. “Hoje já não me sinto em pânico como antes”, diz.

Alternativas – A meditação é mais um recurso excelente. Por isso, é uma das técnicas mais usadas para controlar a ansiedade. Ela se baseia em exercícios respiratórios e muita concentração. O praticante deve prestar atenção na sua expiração e inspirar normalmente. “Dessa forma, ele consegue trazer sua mente para o momento presente, já que a ansiedade está ligada a expectativas futuras”, justifica Bel César, professora de meditação, de São Paulo. A atriz paulistana Marcela Ráfea, 29 anos, conseguiu controlar a sua intensa ansiedade com a técnica. “No início foi complicado porque não conseguia desligar o cérebro da tomada”, conta. Atualmente, ela já medita uma hora por dia.

A ioga, outra modalidade indicada para aplacar a ansiedade, também aposta suas fichas nos exercícios respiratórios, além de promover o relaxamento corporal. “O objetivo é fazer com que a pessoa volte sua concentração para a sua expiração e o momento presente”, explica a professora Adriana Teixeira, da academia Bioritmo, de São Paulo. “O interessante é que se pode usar esse recurso no dia-a-dia durante os momentos de maior intensidade da crise”, ensina Adriana. Quem costuma seguir os ensinamentos dela é sua aluna Cristiane Melitto, 30 anos, assessora de marketing. “Sempre que precisava entregar algum projeto costumava ficar muito apreensiva”, lembra-se. “A ioga me ensinou a ter autocontrole”. Essa também foi a lição aprendida pelo ator mineiro Jackson Antunes, 40 anos, que também sofre de ansiedade. Apesar de não ser praticante da técnica, ele acredita na necessidade de educar a mente para diminuir o problema. “Descobri que é necessário haver uma transformação profunda da maneira de ser”, diz. O ator tem razão. Uma das maneiras de reduzir o sufoco da ansiedade é aprender a resolver uma coisa de cada vez, focar atenção em um problema quando ele de fato acontecer e confiar mais em si mesmo.

Exercícios – A prática de atividade física é outra forma de aplacar a ansiedade mais branda. “Os exercícios estimulam as endorfinas, substâncias que melhoram a ação dos neurotransmissores ligados ao humor”, explica Cordás. Uma dieta saudável também é ponto precioso nesse jogo. “As verduras, legumes e frutas têm compostos que ajudam a regular os neurotransmissores envolvidos no processamento das emoções”, afirma Eliane Chaves. “Quem já é ansioso também deve evitar fumar, beber e tomar café, pois os três têm compostos estimulantes que deixam a pessoa mais agitada”, completa Cordás. Há também estratégias de emergência para serem usadas nas horas em que as crises de ansiedade parecem monstros prestes a engolir sua vítima. “Procure respirar profundamente por cinco minutos para que sua taxa de adrenalina baixe e você elimine toda a angústia”, ensina a professora de ioga Adriana Teixeira. Dessa forma, é possível ter calma para enfrentar a situação sem perder o controle.