Quando a Polícia Federal invadiu a casa do ex-presidente do Banco Central Francisco Lopes, na sexta-feira 16, um alarme soou no gabinete do ministro da Fazenda, Pedro Malan. Preocupado com o violento avanço das investigações que unem CPI dos Bancos, Ministério Público, Polícia Federal e imprensa, Malan tentou esfriar as acusações contra Lopes e manter o governo longe do turbilhão. Acionou o presidente Fernando Henrique Cardoso na Europa. "Assim é ir longe demais. Peço encarecidamente que fale com Renan Calheiros (ministro da Justiça) e Geraldo Brindeiro (procurador-geral da República) para evitar excessos", diz o bilhete escrito de próprio punho pelo ministro e remetido imediatamente à embaixada brasileira em Lisboa, que aguardava a chegada de FHC. Mais tarde, já no Rio, Malan telefonou para o ministro-chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, e pediu sua intervenção. Novas ordens foram disparadas para abafar o ímpeto policial e evitar mais acusações. Tanto Malan como Clóvis Carvalho se encarregaram de telefonar para Calheiros reforçando as recomendações. Mas, a essa altura, a apuração já escapara das mãos da polícia. Em duas semanas, além de fortes indícios de corrupção contra Chico Lopes, já havia tantas novas linhas de investigação e suspeitas no Ministério Público que a própria Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Financeiro fugira ao controle do governo. "Chegamos apenas à ponta do iceberg", afirmou o líder do PMDB no Senado, Jáder Barbalho (PA), patrono da CPI, admitindo que a essa altura não há mais como parar as investigações. "Esperamos que isso tudo não fique apenas no Chico Lopes", reforçava o senador Pedro Simon (PMDB-RS).

O cerco ao ex-presidente do BC fechou-se rapidamente ainda na semana passada. O bilhete encontrado na casa de Salvatore Alberto Cacciola, dono do Marka, pedindo auxílio a Chico Lopes e publicado com exclusividade por ISTOÉ, serviu de argumento para o Ministério Público obter mandato judicial de busca e apreensão no apartamento de Lopes. Lá, estava guardado um documento que indica a existência de US$ 1,675 milhão que o próprio economista mandou depositar no Exterior. O dinheiro foi confiado a Sérgio Luiz Bragança, sócio do ex-presidente do BC na empresa de consultoria Macrométrica e autor da declaração apreendida (leia reportagem à pág. 30). Sérgio e seu irmão, Luiz Augusto Bragança, são amigos íntimos de Chico Lopes, com quem mantiveram encontros frequentes nos últimos anos. Um dos mais recentes ocorreu no dia 14 de janeiro, quando Luiz Augusto foi, logo cedo, ao apartamento de Chico, em Brasília, para convencê-lo a cobrir o prejuízo do Banco Marka no mercado futuro de dólar vendendo contratos a uma cotação camarada. Luiz chegara a Brasília, um dia antes, por convite de Salvatore Alberto Cacciola, dono do Marka, e do economista Rubem Novaes. O banqueiro trouxe os dois apostando no tráfico de influências. Cacciola é amigo de Novaes, que é amigo de Luiz Bragança, que é amigo de Chico Lopes. Esse assédio, entretanto, o ex-presidente do BC preferiu omitir de seus primeiros depoimentos. Agora os encontros foram confirmados por Cacciola nos depoimentos à PF e à Comissão de Sindicância do BC. Mas o banqueiro nega que estivesse apostando na influência de seus contratados junto ao amigo poderoso.

 

Ganhos suspeitos Assim que reconstituírem a trança de amizades que Cacciola demostrou ter junto ao Banco Central, os senadores da CPI vão investigar outras apostas, tão ousadas quanto as do banqueiro, só que ganhadoras. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP) tem nas mãos a relação de bancos que obtiveram rentabilidades estratosféricas para seus fundos de investimentos, quase todos com poucos ou até mesmo apenas um cotista. A lista é formada por: Opportunity, Safra, Matrix, Garantia, Chase, BBA e BankBoston. O problema aí não é só o nome das instituições, mas os seus controladores. Muitos deles, já integraram equipes econômicas de governos anteriores ou são assessorados por ex-funcionários do BC. O resultado mais espetacular foi obtido pelo Sothern Fund, do Safra, destinado a investidores estrangeiros: 1.350% só no mês de janeiro. O Opportunity, que tem o ex-presidente do BC Pérsio Arida como um de seus sócios, ganhou 513% em um dos fundos. Mas o banco tem suas explicações. Segundo a diretoria da instituição, o único cotista não é apenas uma pessoa física ou jurídica. Trata-se de um fundo pertencente a um fundo de ações. As apostas no câmbio eram feitas para compensar eventuais quedas na Bolsa, de acordo com mecanismos permitidos pela legislação. Pioneiro por levantar essas suspeitas, o deputado federal Aloizio Mercadante (PT-SP) tem certeza: "Há mecanismos de fraude largamente difundidos no sistema financeiro, que utilizam os fundos de renda fixa para transferir recursos para o Exterior."

Outra suspeita recai sobre a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F). A CPI vai quebrar o sigilo que protege a estrutura de garantias oferecidas nas operações do Marka e do FonteCindam. Os dirigentes da CPI desconfiam que o socorro do BC aos dois bancos poupou dinheiro de altos executivos da BM&F, que deveriam ter assumido o prejuízo por permitirem operações ousadas. A desconfiança é de que os próprios controladores da BM&F tenham pedido ao BC para salvar o Marka e o FonteCindam para evitar que um racha na ponta do iceberg acabasse revelando segredos escondidos abaixo da linha d’água. Ainda na Bolsa, os senadores querem saber, tintim por tintim, o que aconteceu com as apostas no mercado futuro de juros: desconfia-se, também, de vazamento nas decisões do Comitê de Política Monetária (Copom). Suspeita-se ainda que outros tipos de auxílio do BC tenham beneficiado os bancos Votorantin, Bozzano Simonsen e Boavista. Na sexta-feira 23, todos os procuradores da República que atuam nas investigações paralelas à CPI foram ao Rio para desvendar uma inscrição contida numa das agendas com o logotipo do banco Marka, apreendidas na casa de Chico Lopes. Segundo denúncias anônimas, a "agenda da partilha", como o caderno de anotações já estava sendo chamado na PF, conteria números e abreviações de nomes do alto escalão do governo. Ao final do dia, os procuradores não encontraram nenhuma referência à denúncia. Decidiram apenas que a investigação vai se concentrar no Ministério Público do Rio.

A comissão nasceu de uma disputa de poder do PMDB. Concebida para ser apenas um instrumento de poder na briga entre os partidos da base aliada, acabou saindo do controle. Ninguém contava que o Ministério Público, que antes ficava a reboque das investigações, tomasse a frente das denúncias. O procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, está sendo acusado pelo Palácio do Planalto de total falta de autoridade sobre seus subordinados. Seja lá de quem for a culpa, agora, além das novas denúncias, o governo terá que lidar com mais uma ameaça: o senador Suplicy quer aproveitar os depoimentos de Chico Lopes para pedir a convocação do ministro da Fazenda, Pedro Malan. A bola de neve apenas começou a se formar.

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Colaborou Guilherme Evelyn

 

"Malan não sabia?"

 

O senador Saturnino Braga (PSB-RJ) passou parte da semana no Rio analisando os documentos apreendidos pelo MP. Dizendo-se surpreso pelo fato de "a bomba ter estourado antes de o jogo começar" , ele diz que Francisco Lopes fugiu de seu primeiro depoimento por causa da apreensão do documento em que Sérgio Bragança se refere à conta no Exterior.

ISTOÉ Fiadores do Marka integram o esquema de favorecimento?
Saturnino Braga O Armínio Fraga disse que não sabia quem eram os fiadores, mas que era uma fiança pequena. Estranho é a BM&F permitir essa alavancagem brutal sem exigir garantias.

ISTOÉ A BM&F está envolvida?
Braga Estou certo que sim. Estou certo de que a BM&F está no esquema. Do contrário, não se explica uma operação tão temerária, arriscando o dinheiro dos cotistas todos numa aposta absurda dessas num momento de tensão daqueles. A Bolsa está no meio, vamos rastrear isso também.

ISTOÉ Não pode estar havendo um pré-julgamento de Chico Lopes?
Braga Até aparecer o documento do Bragança, podia haver esse risco, mas agora acho que não.

ISTOÉ A venda de dólares foi decidida pela diretoria do BC. Lopes pode não estar sozinho?
Braga Claro que há mais gente. A proposta foi aprovada pela diretoria. Ele disse que o Departamento Jurídico do BC foi consultado e deu parecer favorável. E parece que isso não existiu, não. Há uma dúvida se o ministro da Fazenda foi consultado ou não. Custo a crer que o ministro não tenha sido avisado. Há também a venda maciça de dólares no mercado futuro pelo BC nos últimos dias do câmbio antigo. Todo mundo queria comprar e o BC vendeu. E muito, sabendo que sairia no prejuízo. O ministro não seria avisado disso? Não foi um pouquinho de dólar para enganar o mercado, foi da ordem de US$ 10 bilhões.


 

A curiosa euforia de cacciola
Dono do Marka garante que vai dobrar a CPI

Exausto, Salvatore Alberto Cacciola acomodou-se na poltrona 10-A do vôo 299, que saiu de Brasília rumo ao Rio na noite da terça-feira 20. Havia dado um longo depoimento à comissão de sindicância do Banco Central e preparava-se para retornar a casa. Na viagem, porém, a evidência do fracasso não parecia ser castigo suficiente. A seu lado, sentou-se o presidente da comissão, Flávio Maia, que acabara de interrogá-lo por sete horas. Pouco atrás, estavam os três procuradores da República que conseguiram autorização judicial para apreender documentos em sua residência. Mais à frente, uma poltrona vazia reservada para Francisco Lopes, ex-presidente do BC, que desistiu do vôo já no aeroporto para evitar o encontro com Cacciola. Minutos antes, na sala de embarque, o executivo abraçou-se à sua única bagagem quando achou que os procuradores poderiam apreendê-la. "Se vierem pegar eu meto a mão", reagiu com valentia. Aparentemente, estava acuado. Mas o homem acostumado a bravatas e fanfarrices jura que dobrará a CPI dos Bancos. Na quinta-feira 22, enfrentou com disposição outras dez horas de depoimento à Polícia Federal e ao Ministério Público. Mostrou-se firme. "Não arrancamos nada dele", lamentou um inquiridor. A depressão pela perda do banco agora deu lugar a uma estranha euforia. Ele acredita que explicará tudo à CPI. Por enquanto, diz: "Só falo com quem entende."

Wladimir Gramacho

 

Bruno Acioli
É filho da subprocuradora da República, Helenita Acioli, está há sete meses no cargo, tem 28 anos e já investigou o caso do grampo do BNDES.

Artur Gueiros
Mais experiente do grupo com seis anos de MP, apesar de seus 28 anos, já investigou fraudes no INSS e o escândalo dos precatórios.
Raquel Branquinho
Única mulher do grupo, Raquel se destacou ao obter várias liminares judiciais contestando o processo de privatização da Telebrás.
Davy Lincoln
Engenheiro mecânico, entrou no Ministério Público Federal em 1998. Ex-fiscal de rendas e procurador do MP do Rio, é o mais velho, com 39 anos.

A busca de documentos na residência de Francisco Lopes, que envolveu agentes da polícia federal e procuradores do Ministério Público naquela sexta-feira 16, teve momentos de grande tensão. Apesar de estar de posse do mandado expedido pela jovem juíza Ana Paula Vieira de Carvalho, 28 anos, da 6ª Vara Federal, o procurador Bruno Caiado Acioli recebeu no meio da tarde um telefonema estranho. A pessoa falava supostamente de Brasília, em nome do procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro. A ordem do outro lado da linha era para que a operação fosse cancelada. Acioli estranhou a ligação e procurou checar a informação diretamente com Brindeiro. Quinze minutos depois, conseguiu falar com ele, que não sabia da operação. Porém, diante dos argumentos apresentados pelo procurador, Brindeiro deu carta branca para que seguisse. Acioli, 28 anos, é o mais jovem do grupo de quatro procuradores do MP do Rio, encarregados da investigação. Essa nova geração já investigou denúncias graves, como o escândalo dos precatórios e o grampo do BNDES. Agora, enfrenta forte pressão. Os advogados do ex-presidente do BC, por exemplo, vão pedir a anulação da ação de busca e apreensão no apartamento de Lopes. "Foi ilegal", afirma o advogado Luís Guilherme Vieira, que já teve clientes como o bicheiro Capitão Guimarães e o ator Guilherme de Pádua. Para o advogado, o Ministério Público não tem poder de polícia para fazer a busca na residência de Chico Lopes. "O advogado de defesa está no papel dele", afirma Acioli.

Os intocáveis do Ministério Público
Quem são os procuradores do Rio que investigam o caso Chico Lopes

 

André Vieira



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