No Rio de Janeiro, onde estão localizadas 22 sinagogas e vivem 35 mil das 130 mil famílias judias de todo o País, o rápido crescimento dos grupos ortodoxos, vindos principalmente dos Estados Unidos, vem criando atritos frequentes com a ala progressista da comunidade. O Brasil é, hoje, um dos lugares preferidos pelos fundamentalistas. Com o objetivo missionário de “resgatar todos os judeus”, eles tentam ocupar espaços e acusam os religiosos não ortodoxos de não pregarem o judaísmo. Acreditam que se deve seguir o texto da Bíblia ao pé da letra, enquanto os progressistas encontraram na experiência milenar da religião uma forma contemporânea de seguir a tradição.

Leis milenares – Para se diferenciar dos outros judeus, os homens ortodoxos cobrem a cabeça com chapéu preto, usam roupas escuras e só trocam apertos de mãos com as esposas. As mulheres não trabalham e são educadas para casar e cuidar dos filhos. Durante o serviço religioso os rituais também diferem em cada grupo. Para o rabino Yeoshuoa Goldman, representante do movimento Lubavitch, a maior corrente ortodoxa no Brasil, é inconcebível que as mulheres tenham a mesma participação que os homens nas sinagogas. “Desde a construção do Primeiro Templo (há 2.800 anos), mulheres e homens ocupam lugares diferentes. Além disso, está escrito na Tora que a mulher não pode usar roupa de homem e vice-versa. Elas só podem vestir roupas que não mostrem suas partes sensuais. Mas, para compensar, o marido é obrigado a comprar uma roupa nova para a esposa a cada festa do calendário judaico”, explica Goldman, respaldado no texto escrito há 3.311 anos.

Por todos esses motivos, o dia-a-dia dos ortodoxos parece estranho para as outras pessoas. As crianças do Lubavitch não assistem à televisão, não estudam reprodução humana e temas como casamento com parceiro de outra crença e métodos anticoncepcionais nem sequer são abordados. “Judeu tem de casar com judeu. Pra mim só vale o que está na Tora e não podemos mudar isso”, afirma Goldman. Essas posturas rígidas são questionadas por outros judeus. “Hoje em dia, mais de 60% dos casamentos judaicos são mistos e isso é um sinal de que o ser humano está aprendendo a atravessar as barreiras culturais”, opina o escritor judeu Moacyr Scliar. Preocupado com o discurso fundamentalista, o presidente do Conselho de Educação Judaica do Rio de Janeiro, Raul Gottlieb, ressalta que a Bíblia foi escrita por pessoas diferentes e alterada de acordo com a época. “Dizer que não pode mudar a lei é uma hipocrisia”, revolta-se. E alerta: “Os ortodoxos oferecem professores de graça para ensinar esse tipo de judaísmo. Estão transformando uma tradição bonita e democrática numa religião de temor a Deus”, desabafa.

O rabino Nilton Bonder, representante do movimento Renewal (renovação, em inglês), aprova o casamento misto. “O desejo dos judeus de preservar a tradição é legítimo, já que a religião judaica é baseada na estrutura familiar. Temos de dar acesso à cultura judaica a casais de tradições diferentes.”

Mulheres de kipá – Nilton Bonder foi criticado pelos ortodoxos quando fez da Congregação Judaica do Brasil a primeira sinagoga da América Latina a ser administrada por mulheres. Hoje, além de rezarem junto com os homens, também podem realizar os rituais mesmo sem a presença do rabino, assim como usar kipá (a pequena boina), talit (espécie de echarpe) e tefilin (adereço de couro enrolado no braço) utilizados nas orações e considerados exclusividade masculina pelos ortodoxos. Até alguns seguidores da ortodoxia acham que a intolerância é um mau caminho. “Deus é um só e o universo é uma integração cósmica. É preciso respeitar todas as formas de expressar apreço a Deus”, afirma a ex-ministra da Administração e Reforma do Estado Claudia Costin, frequentadora dos serviços do grupo ortodoxo Beit Chabad.

“As atitudes fundamentalistas confundem as pessoas, fazendo crer que Israel é um país religioso e que todo judeu é ortodoxo”, diz Mikie Goldstein, relações públicas do Consulado de Israel no Rio de Janeiro. “Apesar de representarem apenas um terço da população judaica em todo o mundo, a atuação dos ortodoxos prejudica a imagem dos judeus em geral”, afirma. Para Goldstein, mais importante que a tradição religiosa é o resgate da cultura judaica. “As universidades israelenses estão fazendo projetos em parceria com fundações culturais e museus a fim de aproximar os jovens da história e da cultura do povo judeu.”

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