No circo da música popular, provocar escândalos calculados sempre gerou publicidade. Todo pop star já decorou os dez mandamentos do comportamento rebelde que tanto excita os fãs. O primeiro deles é sempre ter uma declaração polêmica na manga do casaco brilhante. Em se tratando de estrelas internacionais, apregoar o uso de drogas também cai bem. Entre os roqueiros, tempos atrás a moda era quebrar quartos de hotéis ou insinuar uma bissexualidade, verdadeira ou falsa. Como estas atitudes já enjoaram, de uns anos para cá um outro recurso tem se tornado infalível. Para atrair os holofotes da mídia, é fundamental agora gastar os tubos em videoclipes movidos a todo tipo de ousadias. Se for proibido, então, melhor ainda. O mais recente exemplo é o clipe Rock DJ, do cantor inglês Robbie Williams. Lançado na Inglaterra em julho passado, chocou a direção da emissora estatal britânica BBC e foi relegado à madrugada. Nos horários normais, só é exibido com cortes. A cena que causou tanto impacto mostra o cantor tirando pedaços de carne de seu corpo nu e atirando a um grupo de modelos-canibais. A nota oficial da rede televisiva justifica a censura: “Ele arranca a pele de seu torso, revelando seus músculos e tendões. É chocante.”

Em nome do impacto, cenas fortes também têm sido usadas pelos diretores de clipes nacionais, como provam Don’t let me be misunderstood, do cantor Edson Cordeiro – que a MTV recusou exibir antes da meia-noite –, e Isso aqui é uma guerra, do grupo de rap paulistano Facção Central, cuja fita foi recolhida na emissora pelo Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco). O ocorrido ainda obrigou o assessor de Direitos Humanos do Ministério Público de São Paulo, Carlos Cardoso, a solicitar ao Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo) a punição dos responsáveis pelo que qualifica de delito de incitação ao crime. “O grupo prega uma luta de classes primitiva”, acusa Cardoso. “O casamento da letra com as imagens resulta num filme de horror absurdo.” Espécie de libelo político da periferia, o trabalho da Facção Central mostra os rappers Eduardo, Dum Dum e Eric 12 como bandidos-justiceiros, que praticam sequestros-relâmpago e assaltos a carros, bancos e residências, sempre coroados por mortes arrepiantes.

Se a Justiça decidir pela condenação dos autores de Isso aqui é uma guerra, os três integrantes da Facção Central e ainda Dino Dragone, diretor do clipe, podem pegar de um mês a um ano de cadeia. Eduardo, 24 anos, vocalista e compositor, se defende: “O clipe não fala da Disneylândia, mas do Brasil, o país onde mais se mata com arma de fogo. Se tivesse sido feito na Suécia, poderia até causar espanto. O espantoso é alguém daqui se chocar com o seu conteúdo.” De acordo com Eduardo, pai de duas filhas e sem passagem policial, o que ele fez foi colocar na primeira pessoa as idéias dos bandidos retratados na música, prática comum no universo do rap. Ex-ajudante de garçom e morador do Grajaú, bairro pobre da violenta zona sul de São Paulo, ele conta que as cenas são parte de seu cotidiano. “Onde eu vivo, todo fim de semana tem defunto na esquina.”

Mergulhado num mundo bem mais fashion, Edson Cordeiro não corre o risco de ser condenado, mas se julga vítima de um boicote. Tudo porque seu clipe mostra uma rápida cena de sexo oral entre um rapaz e uma garota. Pelo menos é esta a alegação de André Mantovani, diretor-geral da MTV, ao reservar o horário da madrugada para a veiculação do polêmico clipe. “Não me interessa mostrar sexo oral para um público mais jovem”, diz Mantovani. Cordeiro rebate: “O que eles acharam forte foi o beijo que dou em outro homem. Incomodou mais que o sexo heterossexual de dois segundos.” Como retaliação, o cantor proibiu a MTV de veicular seu vídeo e alardeou o fato para Deus e o mundo. “Estou aproveitando da situação sim, divulgando e aparecendo. Não vou ser boicotado e ficar quieto.”
Edson Cordeiro aprendeu rápido as regras do circo pop. Neste aspecto, um clipe bem chocante pode ser mais eficiente que muitas cobras e lagartos soltos em entrevistas. Um bom exemplo vem do cantor inglês George Michael. Condenado a 80 horas de serviço comunitário por “comportamento imoral” num banheiro público de Los Angeles, em abril de 1998, o cantor respondeu à decisão judicial com o videoclipe Outside, em que mostra cenas eróticas homo e heterossexuais nos locais mais improváveis. O enredo termina com um beijo de dois policiais, numa provocação óbvia ao guarda que o prendeu. Não por acaso o musical que colocou o cantor novamente no topo das paradas foi dirigido pelo inglês Vaughan Arnell, o mesmo responsável pelo choque visual de Rock DJ, de Robbie Williams. Arnell faz parte do time de videomakers especializados em criar situações impactantes, que os novos censores detestam e que o público, muitas vezes indiferente, assiste com uma passividade bem diversa da demonstrada com os violentos videogames modernos.


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