Hora de dormir. Os pais querem silêncio, mas de repente as vozes se alteram no quarto ao lado. Uma quer o abajur aceso, a outra deseja escuridão total. A cena de discórdia é corriqueira e tira o sossego da funcionária pública Maria Regina Moreira. As filhas Karen, 10 anos, e Juliana, 12, vivem às turras. Brigam por tudo, ora porque a pequena pegou algum pertence da mais velha ora porque Juliana não quer os beijos da irmã. "Elas se cutucam, fazem careta, se beliscam. Têm ciúmes. Quando chego em casa, tenho que me transformar em duas", angustia-se Maria Regina, que, para abrandar o clima, chegou a colocar as filhas em períodos diferentes na escola. "Não deixo as brigas crescerem, logo me intrometo. Evito dar razão para uma delas, mas não é fácil. Às vezes, não sei o que fazer", diz a mãe.

Essa desorientação não é prerrogativa de Regina. Um estudo, publicado na edição de 22 de março da revista Time, aponta que a maioria dos pais americanos não interfere nas brigas entre seus filhos. Fazem isso não por achar que é o melhor meio de educá-los, mas porque não sabem o que fazer. Eles acham que devem interferir, principalmente quando se trata de crianças pequenas, mas sentem-se desconfortáveis. A psicóloga Lauri Kramer e a pesquisadora Lisa Perozynski, de Illinois, estudaram o comportamento de 88 casais – todos com um filho entre três e cinco anos e outro com idade entre dois e quatro anos – e identificaram três formas mais comuns de intervenção: 1) Os pais se metem e repreendem. 2) Ameaçam e castigam. 3) Não fazem nada. A conclusão é de que na maioria das vezes os pais falham na intervenção.

Maria Regina, apesar do sentimento de frustração, está no caminho certo. Intervir e ajudar os filhos a desenvolver a capacidade de defender seus direitos ou pontos de vista sem truculências é a melhor forma de encarar as inevitáveis disputas entre irmãos. Ao contrário do que se propalou por muito tempo, a omissão dos pais nesses casos causa mais prejuízos que ganhos. Em favor da independência da criança, o ideal é interferir o mínimo, o que não significa ignorar a situação, e sim observar, evitando que agressões ou humilhações se tornem um hábito e, mais grave, que um seja sempre o alvo.

Encarar disputas como algo natural e próprio do desenvolvimento da criança também ajuda a não se desesperar. "Irmãos são pessoas que têm muitas coisas em comum, compartilham e disputam coisas fundamentais, como o espaço e principalmente o amor e a atenção dos pais. E, ainda por cima, não se escolheram", lembra Lino de Macedo, diretor do Instituto de Psicologia da USP. "Na ótica do filho, o irmão é um competidor." Os sentimentos do adolescente Diego Navatta indicam bem isso. "Minhas irmãs querem tomar conta de tudo. A mais velha, então, pensa que o quarto é só dela", afirma. Segundo ele, suas irmãs, Anna Carolina, 16 anos, e Anna Cláudia, 11, acabam levando vantagem em tudo. "Até no armário, elas são folgadas. Eu tenho só um espacinho para as minhas coisas." Sua mãe, a pedagoga Encarnação Navatta, tenta controlar a situação – que chega aos tapas e pontapés –, mas reconhece que acaba implicando mais com o filho. "Diego põe o pé em casa e fica esperando para contestar alguma coisa. Por ciúmes, ele agride as irmãs e por isso leva bronca", conta ela.

Os pais não devem abrir mão da autoridade. "Devemos ser árbitros para não eternizar a discórdia", alerta Macedo. "Irmãos se provocam para testar os pais e estimulá-los a tomar partido. Se o adulto bobear, entra no jogo." Deve-se evitar, no entanto, a repressão pura e simples, pois corre-se o risco de abafar, junto com os maus modos, as legítimas tentativas da criança de afirmar sua personalidade. Brigas expressam dificuldade de relacionamento, mas também a liberdade, a autonomia e o direito de lutar por pontos de vista diferentes. "A sociedade exige pessoas com iniciativa e firmeza", lembra o professor. Baixa auto-estima, ansiedade e depressão são sintomas comuns em adultos que sofreram abusos de irmãos e se sentiram desprotegidos na infância por omissão dos mais velhos.

Quando há uma exacerbação dos conflitos, o olhar deve desviar-se para os adultos. "Crianças muito briguentas podem ser fruto de um desarranjo no modo de vida familiar. Com certeza há um curto-circuito na expressão de afeto entre os pais e os filhos", explica o psicoterapeuta Ari Rehfeld, supervisor da Clínica Psicológica da PUC de São Paulo. Mas tranquilidade demais também é suspeita. "A falta de discussão pode ser fruto da indiferença e do distanciamento e indicar que algo se quebrou naquelas relações", ressalva Rehfeld. Ele lembra que a família que se dá bem não é aquela que não tem conflitos e sim a que sabe como administrá-los.