O presidente Fernando Henrique Cardoso acreditava que, no embalo da recuperação econômica do País, iria resgatar parte da popularidade perdida e obter cacife suficiente para escolher o candidato da base governista ao Palácio do Planalto, em 2002. Pretendia também fazer uma reforma ministerial no primeiro trimestre de 2001 e montar uma equipe que agradasse mais à opinião pública do que aos partidos aliados. A confirmação pelo juiz Nicolau dos Santos Neto do envolvimento de Eduardo Jorge Caldas Pereira com a obra superfaturada do TRT paulista pôs a pique o otimismo presidencial. Fernando Henrique agora anda tenso e frustrado. Em vez de aproveitar os bons ventos econômicos e ganhar autonomia de vôo como planejara, FHC volta a ser refém dos caciques do PMDB e do PFL. Os dois partidos até se dispõem a mobilizar suas tropas para evitar que o Congresso crie uma CPI para investigar o ex-ministro, mas vão cobrar uma fatura alta pela ajuda. O presidente, que está enfrentando a crise sem dois de seus principais conselheiros políticos – o ministro Aloísio Nunes Ferreira, que curte férias em Paris e o ex-governador Moreira Franco, no Rio de Janeiro –, prefere pagar o preço a correr o risco de que o escândalo atinja o centro do governo.
Nesse clima de baixo-astral que tomou conta do Palácio, assessores, ministros e dirigentes tucanos defendem a necessidade de se criar um “cordão de isolamento do Planalto”. As primeiras tentativas fracassaram. A tropa aliada tentou desacreditar as revelações do juiz Lalau, publicadas por ISTOÉ, e ao mesmo tempo desvincular Eduardo Jorge de FHC. “Não se trata de um processo contra o governo e nem de uma questão política. Se houver alguma questão, ela é individual”, engrossou o coro o próprio presidente, na última terça-feira, em Moçambique. Caía ali outro cordão. Durante toda a viagem, seguranças impediram que os jornalistas abordassem Fernando Henrique, mas na entrevista coletiva protocolar o repórter Ricardo Amaral, do jornal Valor, conseguiu romper o cerco e FHC, a contragosto, teve de falar sobre a participação de seu ex-ministro no escândalo. A estratégia palaciana não deu certo por dois motivos. Primeiro, a desenvoltura com que Eduardo Jorge sempre atuou junto aos cofres públicos fica mais evidenciada à cada divulgação de negócio ou lobby feito por ele. O outro motivo é o próprio Eduardo Jorge.

Sentindo que estava sendo rifado em Brasília, o ex-ministro passou a mandar recados nada sutis ao tucanato e a ex-colegas de Planalto: não está disposto a ser sacrificado sozinho. A ameaça velada surtiu efeito. O governo não quer correr o risco de que o bem informado e temperamental Eduardo Jorge revele segredos que acabem complicando ainda mais a situação. Nos bastidores, dirigentes do PSDB passaram a monitorar o ex-ministro e, de público, viraram suas baterias contra os oposicionistas que apoiaram a concessão de verbas para o buraco sem fundo do TRT paulista. Os aliados também foram convocados para ajudar na defesa de Eduardo Jorge. “Ele tinha superpoderes. Era o homem mais forte depois do presidente, mas não acredito que fizesse lobby”, entrou no jogo o líder do PFL na Câmara, Inocêncio Oliveira (PE). Livrar Eduardo Jorge de investigações é uma prática que tem custo e nem sempre é eficaz. Apesar de todos os indícios, a CPI do Judiciário fez vista grossa à ação do ex-ministro e, na pressa de acabar com os trabalhos, deixou de lado outras apurações moralizadoras, como a atuação de desembargadores do Tribunal de Justiça da Bahia acusados de pressionar colegas para conceder habeas-corpus a bandidos. O Judiciário baiano também ficou de fora porque não interessava ao patrono da CPI, o senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), que exerce “o controle externo” da Justiça de seu Estado.

Com toda a disposição para administrar Eduardo Jorge, o governo tem um outro problema: o juiz Nicolau. Durante quase três meses, a Polícia Federal fez corpo mole e deixou Lalau solto. “Faltou sorte”, tentou justificar o ministro da Justiça, José Gregori. Antes dele, a PF já havia entregado o jogo. Numa nota em que também tentava desacreditar a reportagem de capa da edição anterior de ISTOÉ, o diretor-geral da Polícia Federal, Agílio Monteiro Filho, declarou que sua polícia simplesmente não estava investigando o escândalo TRT. Com a cassação do mandato do senador Luiz Estevão e com o juiz foragido, parecia que Eduardo Jorge conseguira ficar fora da linha de tiro. Mas foi só o escândalo atingir o ex-ministro e chegar muito perto do Planalto para FHC exigir que a PF finalmente prendesse Nicolau. Começou aí mais uma série de trapalhadas da polícia. Na manhã da quarta-feira 19, Agílio foi ao Ministério da Justiça dizer a Gregori que a prisão de Nicolau era questão de horas. No ato, o ministro fez questão de informar o presidente. Além de não ter se confirmado, o que seria uma boa notícia acabou causando queda na Bolsa de Valores de São Paulo. O receio do mercado é do que possa contar Nicolau. Como conseguiu, por exemplo, abrir os cofres em Brasília mesmo em períodos de contenção de gastos em duros ajustes fiscais.

O órfão de serjão

 

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A quebra dos sigilos bancário e fiscal do ex-ministro Eduardo Jorge conduzirá a Procuradoria da República a um personagem que trará à tona o fantasma de Sérgio Motta. Trata-se do ex-presidente da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) Egydio Bianchi. Em 1994, ele foi o operador financeiro de Serjão, então tesoureiro da vitoriosa campanha de FHC. Cabia a Bianchi recolher o dinheiro arrecadado de empresários e banqueiros e fazer os pagamentos das despesas de campanha. Muitas delas foram pagas em dólar, moeda entregue pelos banqueiros que embarcaram na canoa de FHC desde a primeira hora. Fiel a Serjão, Bianchi assumiu a vice-presidência da ECT, com o objetivo de derrubar Henrique Hargreaves, braço direito de Itamar Franco, que havia sido mantido no cargo a pedido do ex-presidente. A missão foi cumprida, Bianchi se tornou o presidente da ECT e ajudou, nos bastidores, a aprovação da reeleição de FHC. Com a morte de Serjão, Bianchi ficou órfão. Como possuía o mapa dos financiadores da campanha presidencial de 1994, acabou sendo adotado por Eduardo Jorge. Após a vitória eleitoral de 1998, Eduardo Jorge deixou o governo. Tinha em seu poder o mapa de Bianchi e não escondeu isso de ninguém. “Chegou a hora de ganhar dinheiro”, disse ao sair do Planalto. O que ninguém esperava é que Eduardo Jorge, quando trabalhava no gabinete ao lado do presidente, mantivesse contatos com empreiteiros acusados de fazer parte do esquema de superfaturamento de obras públicas. Fora do governo, para ganhar mais dinheiro, Eduardo Jorge usou o conhecimento que adquiriu nos mapas de Bianchi. Flagrado, acabou enfraquecido. Foi a senha para que o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, acionasse a guilhotina. Bianchi perdeu o cargo, mas conserva a chave do cofre que financiaria o projeto tucano de 30 anos de poder, elaborado por Serjão.

Mino Pedrosa

 

“Falta coragem, firmeza”

O governador Itamar Franco (PMDB) defende a tolerância zero para a corrupção. Para o ex-presidente, o caso Eduardo Jorge revela promiscuidade. “Em Minas, não temos medo de investigação”, diz. E ressalva: “Em Brasília, não querem apurar e a suspeita continua.”

ISTOÉ – Como o sr. analisa o caso Eduardo Jorge?

Itamar Franco – Este problema preocupa, principalmente porque a figura do presidente da República está sendo objeto de suspeita. E isso não pode acontecer. Estas acusações que vieram a público são muito graves. E mais grave ainda a declaração do senador Antônio Carlos Magalhães, que recomendou ao presidente olhar a corrupção no governo.

ISTOÉ – O presidente está tratando o caso de forma correta?
Itamar
– Hoje temos aí na Presidência alguém que se diz democrata e impede a formação de uma CPI. Falta firmeza, coragem. Uma CPI seria fundamental para definir os responsáveis sobre cada ato praticado no caso Eduardo Jorge.

ISTOÉ – O que mais o preocupa no governo FHC?
Itamar – O presidente também tem impedido a investigação de outros casos. Com qual objetivo? Há uma grande promiscuidade no governo. Cabe ao Congresso verificar onde há corrupção.

ISTOÉ – O que o governo deveria fazer com os funcionários públicos acusados de corrupção?
Itamar
– Durante a apuração o funcionário deve ser afastado, especialmente quando ocupa cargo de confiança. Mas lá em Brasília não querem apurar. Então, a suspeita persiste.

ISTOÉ – O sr. é candidato em 2002?
Itamar
– A nossa grande esperança é mudar este quadro em 2002. Digo isso muito à vontade porque não sou candidato. Quero ajudar, se for possível, para que não continue esta entrega do País, as ameaças sobre a Amazônia, esta desnacionalização da nossa economia, esta privatização selvagem.


Hélio Contreiras


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