Uma nova pediatria entrou em vigor nos consultórios e berçários. Promete uma geração mais forte e saudável do que os pais. Ela simplifica as orientações nutricionais, cuida do bem-estar emocional da família e pede exames para prevenir o aparecimento de doenças na idade adulta. “O atendimento dado hoje aos bebês influenciará sua saúde na vida adulta”, certifica o pediatra Fábio Ancona Lopez, vice-presidente da Sociedade Paulista de Pediatria.

O maior conhecimento do organismo e do comportamento infantis obtido nos últimos anos permitiu aos pediatras soterrar a crença de que crianças podiam ser tratadas como adultos em miniatura. Essa troca de enfoque trouxe mudanças fundamentais. Uma das mais importantes foi a humanização do atendimento em berçários e Unidades de Terapia Intensiva (UTI). Muitos centros estão abrindo suas UTIs à participação da família no tratamento para tornar o ambiente hospitalar menos assustador e dar maior tranquilidade aos familiares e aos pequenos. Foi esse sentimento que ficou na memória da modelo e empresária Luiza Brunet, 37 anos. Seu filho mais novo, Antônio, de um ano, nasceu com insuficiência respiratória e passou seis dias na UTI do Hospital Duprat, em São Paulo. “Amamentei-o dentro da UTI e fiquei o tempo todo no hospital. Senti os médicos mais seguros do que na época em que nasceu minha filha, Yasmin, 12 anos, porque contavam com uma tecnologia mais avançada”, lembra-se Luiza. A presença dos pais diminui o stress das crianças e facilita a recuperação. “Remédios contra stress têm efeito colateral, mãe não”, assegura o médico Eduardo Troster, chefe da UTI Pediátrica do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC). Outra descoberta fundamental é a de que os recém-nascidos sofrem tanta dor quanto os adultos.

Colesterol – Também por isso, cirurgias e métodos de diagnóstico menos agressivos fazem parte da renovação pediátrica. Hoje, muitas crianças que fazem exames de sangue são atendidas em ambientes especiais. No Laboratório Fleury, em São Paulo, há brinquedos e palhaços para distraí-las. E a picadinha ficou menos dolorida porque as agulhas são mais finas e menores. Ainda bem, porque os pediatras cada vez mais recorrem a esse tipo de exame para controlar, por exemplo, as taxas de colesterol – um dos principais fatores de risco de doenças cardiovasculares – desde os primeiros anos de vida. A medida é indispensável se os pais tiverem colesterol elevado. O monitoramento da pressão arterial é outro exame acrescentado à rotina das consultas.

A tendência de diminuir o desconforto atingiu as vacinas. Alguns laboratórios e clínicas aconselham o uso de vacinas conjugadas, como a tríplice acelular, que protege contra difteria, tétano, coqueluche, associada à da meningite. E para combater o Streptococcus pneumoniae, um dos principais causadores de doenças como a pneumonia, a meningite e otite, deve ser lançada no Brasil até o final do ano uma nova vacina para crianças com menos de três anos.
O coração dos bebês também está mais protegido. O garoto Vinícius Solano, 11 meses, de Rezende, no Rio, foi salvo por uma cirurgia sofisticadíssima, que ilustra o avanço da cardiologia pediátrica. Ele não tinha o ventrículo esquerdo do coração (problema diagnosticado ainda no útero), o que compromete o bombeamento do sangue. Nos primeiros meses de vida, teve o coração reconstruído em duas operações feitas no Instituto do Coração (Incor), em São Paulo. “Vinícius leva vida normal enquanto aguarda a última operação”, informa sua mãe, Mônica. “Em média, a mortalidade das cirurgias corretivas em recém-nascidos caiu de 10% para 1% a 2%”, afirma o cardiologista Edmar Atik, chefe da cardiologia pediátrica do Incor.
As chances de vida normal também aumentaram para crianças com problemas hepáticos. No Instituto da Criança do Hospital das Clínicas, em São Paulo, o cirurgião João Gilberto Maksoud já fez 110 transplantes de fígado em crianças. Treze deles foram realizados com uma técnica inédita. “O transplante de parte do fígado do pai ou da mãe, chamado de intervivos, pode diminuir em 30% a mortalidade na lista de espera”, afirma.

Difícil para os pediatras é explicar aos pais que os pequenos apresentam doenças de adultos. “Crianças de um ano podem ter gastrite, úlcera e outros males gástricos”, afirma a médica Yu Koda, chefe do ambulatório de gastroenterologia do Instituto da Criança. Ela constatou a presença da bactéria H.pylori (uma das causas de úlceras e gastrites) em cerca de 60% dos seus pacientes mirins. “O tratamento com antibióticos pode eliminá-la e evitar as doenças”, explica.

Na nutrição, as transformações são ainda mais notáveis. Criança rechonchuda deixou de ser sinônimo de saúde. E não há necessidade de comer de tudo antes dos seis meses de idade. “Essas idéias resultaram em aumento da obesidade e da anemia infantil nos países ricos e da desnutrição nos países pobres’, avalia o pediatra Mauro Fisberg, da Universidade São Marcos, em São Paulo. Na tentativa de controlar os dois problemas, os pediatras voltaram a recomendar o aleitamento exclusivo até os seis meses. E liberaram todas as frutas a partir do quarto mês, até a jaca. A pequena Maria Eugenia, de um ano e nove meses, beneficiou-se dessas novas regras. Em vez de comer apenas maçã, laranja-lima e banana-maçã, como mandava o velho figurino, ela saboreia manga e caju.

 

Paladar – A papa da garotinha tem pedaços de legumes, incluindo jiló. Dessa forma, ela experimenta a textura de cada ingrediente e exercita a mastigação. O resultado não podia ser melhor. “Ela desenvolveu o seu paladar e adora frutas e legumes”, celebra sua mãe, a nutricionista Maria Luiza Ctenas, de São Paulo. Outra norma do cardápio é preparar a comida com pouca gordura saturada e sal. “Sua alimentação previne hipertensão, colesterol e garante uma boa dose de cálcio”, explica a nutricionista. Luiza, 10 meses, é outra que vai para a mesa sem traumas. Filha dos médicos Paulo Sérgio Campos Salles e Adriana Ciochetti, ela prova um pouco de cada prato das refeições dos pais e de vez em quando vai com os primos ao McDonalds saborear batatas fritas.

O jeito mais liberal de orientar Luiza está de acordo com as novas formas de lidar com as crianças. Muitas das suas reações, desde o berço, estariam relacionadas ao comportamento dos adultos à sua volta. Na França, essa teoria é levada tão a sério que os psicólogos atendem bebês chorões ou insones ainda na maternidade, para ajustar o relacionamento mãe-filho. “O fortalecimento do vínculo afetivo melhora a qualidade de vida do bebê”, garante a psicóloga Sandra Ozeloto Lemes, da Universidade São Marcos. Ela promoveu sessões de terapia com mães para tratar casos de filhos com prisão de ventre grave sem causas físicas definidas. “As crianças ouviam a conversa com a mãe, reagiam e modificavam o seu comportamento”, assegura.
Todos esses avanços não eliminam a necessidade de o pediatra transmitir segurança aos pais. As mães continuam chegando ansiosas às consultas porque não entendem o que faz o bebê chorar tanto, os pais não sabem que espaço ocupam na vida da mulher e dos filhos. O lugar certo para expor essas emoções também é o consultório, na opinião do pediatra Leonardo Posternak, do Hospital Albert Einstein. Numa época de tantas mudanças, alguém precisa dar colo aos pais.

Saúde aos apressadinhos

Mariana Chiarella tem nove meses. Passou os primeiros quatro em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pediátrica porque nasceu sete semanas antes do tempo no Hospital São Luiz, em São Paulo. “Ela pesava 670 gramas. Sua canela era da grossura de um dedinho”, conta a mãe, Maria Paula Thaumaturgo, 32 anos. Hoje Mariana é uma criança normal. Nas maternidades, histórias como essa se somam. A humanização do tratamento, a integração das áreas médicas e novos recursos tecnológicos aumentaram a qualidade de vida de Mariana, de outros prematuros e as chances de assegurar seu desenvolvimento. Para Alice Deutsch, chefe da unidade neonatal do Hospital Albert Einstein, a integração de áreas médicas é essencial. “Existem cada vez mais médicos de diversas áreas se especializando em prematuros”, afirma. “Outra ajuda para os prematuros é a permissão da entrada dos pais na UTI”, conta Sérgio Aires, chefe da UTI neonatal do hospital São Luiz, em São Paulo. Já se sabe que o toque dos pais ajuda na recuperação dos bebês.

São progressos como esses que estão garantindo a vida de quem resolve nascer antes da hora. E os apressadinhos estão em número cada vez maior, principalmente por causa do aumento da procura pelas técnicas de reprodução assistida. Nesses tratamentos dirigidos a casais com dificuldade de ter filhos, a chance de uma gestação múltipla é grande (pode haver a fecundação de mais de um óvulo). Nesses casos, em geral a gravidez não vai até o fim. Foi o que aconteceu com o casal Agnaldo Toscano
e Lidia de Brito. Depois de quatro anos de tentativas, ela engravidou e tevê trigêmeos. As crianças nasceram aos sete meses de gestação e hoje estão bem. “Foi difícil, mas realizamos nosso sonho”,
conta Lidia, autora do livro Três chances, três vidas, uma história real sobre a fertilização in vitro.