i70159.jpgNa reta final da eleição municipal em São Paulo, onde se desenha um pré-cenário para a disputa presidencial de 2010, a ex-ministra Marta Suplicy, candidata do PT, perdeu o rumo. Além de chegar no segundo turno atrás do candidato do DEM, o prefeito Gilberto Kassab, ela constatou que as urnas de 5 de outubro consolidaram a tendência de queda da representação do PT na Câmara Municipal. Em 2000, o partido elegeu 18 vereadores. Em 2004 foram 13 e agora apenas 11. Pesquisas encomendadas pelo PT apontaram que para reverter a derrota anunciada é preciso não só conquistar eleitores indecisos, mas tirar votos de Kassab. Os mesmos levantamentos, feitos logo depois de contados os votos, apontam a possibilidade de Marta obter no segundo turno menos votos do que no primeiro e revelam que para evitar tal previsão a petista precisa conquistar o chamado voto religioso, dos católicos e dos evangélicos, onde encontra forte rejeição em razão de suas tradicionais ligações com os movimentos homossexuais. Diante de tantos obstáculos, o que se viu na semana passada é que o desespero venceu a razão.

O comando da campanha de Marta avaliou que era preciso criar um fato capaz de chamar a atenção para a petista e assim tentar romper o crescimento eleitoral de Kassab. Foi essa a lógica que levou Marta a inaugurar a campanha do segundo turno deixando a política de lado e promovendo ataques pessoais e preconceituosos contra o prefeito Kassab. Marta reeditou a estratégia usada por Fernando Collor de Mello em 1989 que vitimou o então candidato a presidente Luiz Inácio Lula da Silva e acabou, segundo dirigentes do PT, cometendo um atentado contra a própria biografia.

No domingo 12, horas antes do primeiro debate entre os dois candidatos, Marta retornou ao horário eleitoral no rádio e na tevê com uma propaganda que exibia uma foto em preto-e-branco de Kassab e um narrador anônimo fazia nove perguntas sobre o prefeito. As cinco primeiras eram típicas das disputas eleitorais. Relacionavam-se ao político Kassab. Nas quatro últimas, os petistas partiram para a baixaria. Questionaram se Kassab tem problemas com a Justiça, se sua vida melhorou após entrar na política e finalizaram perguntando se ele é casado e se tem filhos. O eleitorado paulistano sabe que Kassab é solteiro e não tem filhos. E as primeiras críticas à estratégia petista partiram do próprio staff da campanha de Marta. "Por sua trajetória de defesa dos direitos das minorias e por ser vítima de ataques pessoais, Marta deveria ser a última a fazer esse tipo de abordagem", disse Julian Rodrigues, integrante do Comitê de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (LGBT) da campanha de Marta. O comitê anunciou a suspensão de suas atividades na campanha e exigiu que a propaganda saísse do ar.

A propaganda de Marta cobra do oponente uma exposição pública a que a própria petista não se submete. Desde o começo da campanha, Marta e lideranças do PT se esforçam para evitar que o franco-argentino Luis Favre, seu atual marido, esteja presente aos eventos eleitorais. A exministra também se empenha em vincular a imagem de Kassab à do deputado Paulo Maluf, mas não conta que o parlamentar pertence à base aliada do presidente Lula e nem que em 2004 ela mesma procurou obter o apoio de Maluf na disputa contra o tucano José Serra.

Pressentindo o efeito contrário que o ataque pessoal poderá trazer à campanha, estrelas de primeira grandeza do PT reagiram. Segundo o senador Eduardo Suplicy, ex-marido de Marta, a propaganda do partido depõe contra a história da ex-ministra, uma sexóloga sem preconceitos que fez da união civil entre homossexuais uma bandeira. "Com toda a história da Marta e com os posicionamentos que ela vem adotando ao longo de sua trajetória política, ela deveria saber que uma pessoa pode ser solteira a vida toda e ter um comportamento exemplar na vida profissional e política", afirmou o senador. "O ataque pessoal vai na contramão do que defendemos todos esses anos", sustenta o deputado José Eduardo Martins Cardozo, secretário nacional do PT. "Acho que não é ideal para nenhuma campanha mexer com a vida pessoal do adversário", afirma Ricardo Berzoini, presidente nacional do PT.

No Palácio do Planalto a ofensiva de Marta gerou preocupação. Há o temor de que os ataques contra o prefeito teriam sido produzidos com o aval de Gilberto Carvalho, chefe de Gabinete de Lula, que desembarcou em São Paulo para auxiliar a ex-ministra. Ele, na verdade, só soube da propaganda quando ela já estava pronta. Quando viu, reclamou a um dos coordenadores da campanha: "Em 2006 alguns aloprados levaram a eleição nacional para o segundo turno. Agora, parece que uma nova geração de aloprados quer tornar irreversível nossa derrota em São Paulo", lamentou. Na Espanha, o presidente Lula evitou criticar publicamente a atitude de Marta, mas a assessores disse não ter gostado do que ouviu.

O PT perde espaço

O presidente Lula não tinha a intenção de participar do segundo turno das eleições municipais. Os números apontados pelas últimas pesquisas, no entanto, fizeram Lula mudar de idéia no intuito de procurar evitar que o PT saia massacrado das urnas. "Depois da eleição municipal começa o jogo da sucessão presidencial e os primeiros minutos parecem bem desfavoráveis ao projeto de Lula e do PT", avalia o cientista político Murilo de Aragão, da empresa de consultoria Arko Advice. Na sexta-feira 17, o presidente seguiu direto de Moçambique para São Paulo a fim de se engajar em atos da campanha da ex-ministra Marta Suplicy. Será uma tentativa de reverter uma situação já dada por praticamente perdida. "Nós já não tínhamos São Paulo. Isso não muda muito", avalia o senador Aloizio Mercadante (PT-SP). O problema é que o partido não contava com a possibilidade de não eleger Marta Suplicy. Se as pesquisas se confirmarem, o PT estará fora do comando dos três principais colégios eleitorais do País. Verá a oposição à frente no Rio e em São Paulo e o PT rachado em Minas. "Não é um bom começo para quem quer tentar eleger um sucessor jamais testado nas urnas, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff", conclui o presidente do PSDB, senador Sérgio Guerra.

Em Belo Horizonte, ao fechar com o governador tucano Aécio Neves o apoio a Márcio Lacerda, do PSB, o prefeito petista, Fernando Pimentel, contrariou a vontade da direção nacional do partido e acabou se dando mal. "Qualquer que seja o resultado em Belo Horizonte, o PT já perdeu", desabafa o presidente do partido, deputado Ricardo Berzoini (SP). No Rio, o PT encolhe a cada eleição. O petista Alessandro Molon não conseguiu mais que um modesto quinto lugar, com 4,97% dos votos. E um tímido apoio ao peemedebista Eduardo Paes no segundo turno. E Fernando Gabeira, o candidato do PV, aposta que acabará tendo os votos da maioria dos eleitores petistas, que poderão seguir a senadora acreana Marina Silva. Ela declarou que, se votasse no Rio, votaria em Gabeira. "Sou uma petista de primeira hora, mas sou uma petista muito coerente", disse Marina à ISTOÉ.

Motivado pela propaganda de Marta, um eleitor perguntou ao prefeito Kassab durante sabatina no jornal Folha de S. Paulo se ele era gay. "Não sou homossexual e tem até muita mulher querendo casar comigo", respondeu Kassab. "Com minha história, ganho ou perco a eleição, mas jamais irei baixar o nível", afirmou Kassab à ISTOÉ na tarde da quinta-feira 16. Ao contrário do que ocorreu com Lula em 1989, os ataques de Marta não desestabilizaram o prefeito durante o debate na Rede Bandeirantes na noite do domingo 12. Na tarde daquele dia, a campanha de Kassab tinha feito uma pesquisa que mostrava a condenação do eleitor à propaganda do PT e isso permitiu que o candidato do DEM mantivesse a serenidade. O mesmo não se pode dizer da petista. Ela insistiu nos ataques e mirou o partido do prefeito, chamando-o de uma "praga nordestina" que já foi "varrida do Nordeste".

Diante da repercussão negativa dos ataques, Marta tentou se esquivar. Primeiro disse que não tinha conhecimento da propaganda e que ela fora feita pelos marqueteiros. "Como ela pode não saber do que acontece em sua própria campanha?", indagou o governador José Serra. É verdade, também, que em 2004 a campanha do tucano fez algo semelhante. Marta havia se separado recentemente de Suplicy, que a ajudava na campanha. Um site do PSDB divulgou um texto cujo título era "Marta e seus dois maridos". Na ocasião, Serra também afirmou não ter conhecimento da peça de campanha.

Depois de dizer que desconhecia o tom do ataque contra Kassab, Marta passou a tentar consertar o estrago dizendo que a população precisa saber quem é o candidato que quer governar São Paulo e que não há nenhum preconceito em perguntar se ele é casado e se tem filhos. "O preconceito está em quem está interpretando dessa forma", disse a ex-ministra. Na quinta-feira, ela afirmou que "é absolutamente indigno tratar nossa publicidade como preconceituosa". Uma versão que não convenceu sequer o partido. "O ataque pessoal foi um erro. Para corrigi-lo é preciso que se peça desculpas ao eleitor e ao oponente", disse o ex-ministro José Dirceu. No QG de Marta, porém, ninguém considera a possibilidade de um pedido de desculpas. "A campanha da Marta optou por uma ação tão despolitizadora e mesquinha que acabará favorecendo o adversário", avalia o cientista político Gildo Marçal Brandão, da USP. No domingo 26, caberá aos paulistanos dizer se aprovam ou não a baixaria eleitoral.

Mensalinho e ameaças

Não é apenas na cidade de São Paulo que a baixaria toma conta da eleição. Em Belo Horizonte, o vereador Sérgio Silva Balbino, do PRTB, compareceu à Procuradoria-Geral de Justiça e denunciou ter recebido uma oferta de R$ 30 mil em troca de apoio à candidatura de Márcio Lacerda, do PSB. No outro front, Leonardo Quintão (PMDB) faz campanha acompanhado de seguranças depois de, segundo ele, ter recebido ameaças de morte. No Rio, o TRE apreendeu um material de propaganda atribuído à Associação dos Moradores do Morro São José da Pedra, em Madureira, que acusava Gabeira de envolvimento em um suposto esquema de propina no sistema de coleta de lixo. O material estava junto com peças de propaganda da vereadora eleita Clarissa Garotinho (PMDB). Tanto a associação quanto Clarissa negam qualquer envolvimento com o episódio.

Rudolfo Lago e Eliane Lobato

Colaborou Alan Rodrigues