Quatro milhões de toneladas de soja argentina transgênica, plantadas ilegalmente por agricultores gaúchos em 2002, criaram para o governo Lula uma encrenca legal, política, econômica e social. A solução paliativa, que envolveu sete ministérios,
foi a edição da Medida Provisória 113,
em 26 de março, autorizando a colheita
e a venda para exportação e para o mercado interno. Isso deve resolver o problema de
1,2 milhão de micro e pequenos produtores, os responsáveis pelo contrabando e
plantio das sementes ilegais, apelidadas
de soja “Maradona”.

“O custo de indenização aos produtores chegaria a R$ 1 bilhão, caso o governo incinerasse toda a colheita”, afirma José Amauri Dimarzio, secretário-executivo do Ministério da Agricultura. Um dos envolvidos na discussão, Roberto Amaral, ministro da Ciência e Tecnologia, sugere que a soja seja usada na produção de biodiesel, mistura combustível que ajudaria a economizar divisas com importação de diesel.

A polêmica sobre os transgênicos não se limita à soja argentina. Seus defensores querem aproveitar a votação da MP para abrir de vez as portas aos alimentos geneticamente modificados. A encrenca legislativa está nas mãos do deputado Josias Gomes (PT-BA), relator da MP, que tem prazo para ser resolvida, 10 de maio. Caso contrário, a MP vai trancar a pauta da Câmara e do Senado, impedindo qualquer outro projeto de ser votado até que ela seja aprovada, ou não. O trabalho não será fácil. “Já foram apresentadas 72 emendas, algumas liberando os transgênicos, passando por cima da lei de 1995”, afirma Gomes.

Nessa briga, o secretário Dimarzio se alinha entre os defensores da biotecnologia. Engenheiro agrônomo e empresário, ele considera os transgênicos a única forma de alimentar a crescente população mundial. Em sua opinião, os dois sistemas de produção devem conviver no Brasil. “Basta fazer o controle, rotular os produtos e definir as áreas de plantio”, afirma. Já o secretário Nacional de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco, diz que a preocupação do Ministério agora é com o plantio da safra 2003/2004. “Não somos contra os transgênicos e, sim, contra o seu licenciamento sem que as exigências da lei sejam cumpridas”, afirma Capobianco, um dos mais respeitados ambientalistas do País, hoje no governo.

Herbicida – O caso da Monsanto, multinacional que tentou introduzir no Brasil a soja transgênica Roundup Ready, que traz o gene de uma bactéria imune ao herbicida glifosato, é considerada um exemplo de como não se deve agir. “A Monsanto quis atropelar a lei e perdeu cinco anos em uma briga jurídica ainda sem solução”, comenta. Capobianco diz que a preocupação dos ambientalistas se refere a eventuais danos futuros ao meio ambiente e ao organismo humano. “Não quero que venham depois dizer ‘eles tinham razão’, como aconteceu com a hidrelétrica de Balbina, no Amazonas, onde os danos ambientais foram colossais e a produção de energia foi mínima. É preciso fazer todos os testes”, assinala.

Enquanto a novela continua, a Embrapa, braço tecnológico do governo no setor agropecuário, continua com suas pesquisas sobre alimentos geneticamente modificados. Além da soja RR (do mesmo tipo da Maradona e da Monsanto), que a Embrapa testa em 56 locais, a empresa vai testar variedades de batata, feijão e mamão resistentes a vírus. “A soja é muito sensível às condições climáticas. A variedade gaúcha não se adapta ao cerrado ou a Mato Grosso”, afirma Clayton Campanhola, presidente da Embrapa, que destaca outros produtos, com mais valor social. “Nenhuma grande empresa se interessa em pesquisar mamão, feijão e batata imunes a vírus, que impedem o crescimento das lavouras. Cabe à Embrapa essa tarefa”, afirma.

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Vitamina A – Apesar de polêmica, a pesquisa da biotecnologia agrícola avançou muito no País. Laranjas resistentes ao cancro cítrico, plantas de café que amadurecem de maneira uniforme, melão que dura 30 dias além do convencional e amendoim super-resistente a pragas são algumas das inovações. Só a Embrapa planeja investir este ano R$ 7,4 milhões nas pesquisas. Um dos maiores temores dos ambientalistas é o milho transgênico. “O milho tem polinização cruzada (lança os esporos no ar), com o fluxo intenso de genes. A possibilidade de cruzamento com espécies selvagens é concreta”, confirma o presidente da Embrapa, que descarta, por enquanto, pesquisas com o cereal.

A Embrapa e o Instituto Agronômico do Paraná (Iapar) são instituições de destaque quando o assunto é engenharia genética. Estima-se
que existam no mundo cerca de 160 milhões de hectares com
culturas transgênicas. Entre eles estão um arroz japonês, com
maior quantidade de vitamina A, e um mamão havaiano resistente
ao vírus da mancha anelar, causador de deformação na fruta. Algumas empresas se destacam. A Votorantim Ventures, por exemplo, se
associou a cinco pesquisadores da Universidade Federal de São
Carlos para pesquisar produtos para o setor sucroalcooleiro. A
idéia é melhorar a cana-de-açúcar para seu cultivo ser mais
rentável. O lado ruim da tecnologia é que uma proteína tóxica pode
ser introduzida numa planta causando alergias ou outros problemas
de saúde. Por isso, o controle é fundamental.


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