Cuidado! Porque o psicopata que escreveu isto pode pirar e invadir essa sala com sua AR-10 e matar seus colegas de trabalho.” Este trecho, que acontece após uma hora e cinco minutos de projeção, é a senha para um take extra no filme o Clube da luta. Brad Pitt e Edward Norton continuam na tela, mas quem entra em cena é o estudante baiano Mateus da Costa Meira, 24 anos, sextanista da Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. Empunhando uma submetralhadora americana Cobray 9mm, ele pára junto à tela da sala 5 do MorumbiShopping e atira para o alto. Quem está na primeira fila vê a tempo que se trata da vida real e se abaixa, enquanto os demais acreditavam que os tiros viessem da tela. A sala permanece escura. A fotógrafa Fabiana Lobão Freitas, 25 anos, morre na hora. O economista Júlio Maurício Zeimaitis, 29, chega ao hospital com vida, mas não resiste. A publicitária Hermé Luísa Jatobá Vadasz, 46, também não resiste aos ferimentos na cabeça. Os cinco feridos por balas ou estilhaços estão fora de perigo.

“Eu peço para que as famílias o perdoem. Ele não fez isso em sã consciência”, apelou o pai de Mateus, o oftalmologista baiano Deolino Vanderley Meira, que chegou a São Paulo na sexta-feira 5. “Eu não esperava isso dele”, disse o pai que pagava o aluguel, de R$ 600, a mensalidade da faculdade, de R$ 1 mil, e lhe dava R$ 800 de mesada.

O estudante de Direito Miguel Beltran Neto, 20 anos, estava sentado na oitava fileira ao lado da fotógrafa Fabiana e seu noivo Carlos Eduardo de Oliveira, 25 anos. Ele conta que Fabiana, salvou sua vida. “Cheguei a rir. Pensei que era uma pegadinha de programa de tevê. A moça que estava ao lado me puxou, ficou por cima de mim. Ela foi meu escudo.” “Foi um filme de terror. Me abaixei entre as poltronas, rezei baixinho uma Ave-Maria. Estava diante de um psicopata”, disse o administrador de empresas Leonardo Adão Vidal. O tiroteio durou cerca de três minutos. “Pus as mãos num cara que estava na minha frente para dizer que o socorro estava chegando, mas ele não reagia. O sangue escorria por quase três fileiras de poltronas.”

O publicitário Renato Lucena Fernandes de Mello, 24 anos, que ajudou a imobilizar Mateus enquanto municiava a arma, disse que o estudante não reagiu ao ser detido. “Finquei os joelhos na cabeça dele e ele murmurava: ‘Por favor, saia de cima de mim.’”

“Eu não gosto de ninguém. Já disse que não gosto de ninguém”, afirmou Mateus assim que chegou à 96º DP, no Brooklin, aos policiais que insistiam em perguntar se ele tinha algum amigo ou namorada. O estudante era tido como uma pessoa problemática, não tinha amigos e era viciado em drogas. Para a mãe, a enfermeira Aline da Costa Meira, Mateus era apenas um pouco nervoso. Doze horas depois da tragédia, ele falou com ela ao telefone, que lhe perguntou: “Por que você fez isso, meu filho?” Ele respondeu: “Não sei explicar, minha mãe. Não sei o que aconteceu comigo.”

Casa de gás – Mateus morava próximo à faculdade, na rua Veridiana, 147, no Centro de São Paulo, no apartamento de número 11 do Edifício Rio Verde. Era considerado um “cara estranho” pelos vizinhos e funcionários do prédio. “Ele não cumprimentava ninguém. Se você o encarasse ele baixava a cabeça”, disse o morador do apartamento 401, Fernando David. Com o porteiro da noite, teve uma briga. Ele queria que fosse aberta a casa de gás do edifício alegando que pessoas que o perseguiam estariam ali escondidas. Ele ouvia vozes, muitas vozes.

Na faculdade, era chamado de baiano pelos colegas de turma, apelido que não gostava. “Ele era um sujeito estranho. Não falava com ninguém. No primeiro ano tinha boas notas, mas depois repetiu o quarto e se tornou um aluno medíocre. Passou a se dedicar apenas ao triatlon”, contou um colega. Tinha dificuldade em lidar com os pacientes e não queria mais fazer os plantões. Em abril foi atendido pela psicóloga Patrícia Bellodi, mas compareceu a uma única sessão. O estudante gostava de filmes violentos e em outubro esteve internado por nove dias na clínica Parque Julieta, destinada a usuários de drogas e pacientes psiquiátricos. O psiquiatra José Cássio do Nascimento Pitta cuida do estudante há um mês e disse que à sua revelia ficou sem tomar os medicamentos (Ziprexa e Rivotril) por uma semana. Segundo Pitta, ele possuía um distúrbio persecutório, quadro de esquizofrenia em que a pessoa tem mania de perseguição. Para o psiquiatra, o consumo de drogas pode ter agravado o quadro clínico. Pitta disse ter dado alta a Mateus porque o pai ficou de acompanhar o cumprimento das orientações médicas. Mas Deolino, acreditando que o filho estava bem, voltou para Salvador logo após a consulta. Na sexta-feira 5, o encontro na delegacia entre Mateus e Deolino foi frio. Eles ficaram juntos por duas horas. Não houve beijos, só um tapinha nas costas.
A prima Isabelle da Costa Guedes, 25 anos, diz que ele foi uma criança normal, mas após a adolescência tornou-se introspectivo. Aos 16 anos ele foi aprovado no curso de Medicina em duas faculdades. “Ele estudava muito, não era de ir a festas ou à praia.” Mas nem só de medicina gostava Mateus, que iria seguir a mesma carreira do pai, médico, dono de uma clínica de oftalmologia e professor universitário. No apartamento de Mateus, a polícia encontrou sofisticado equipamento para fazer cópias piratas de programas de computador junto a 33 papelotes de cocaína usados, quatro intactos (cerca de cinco gramas) e pedrinhas de crack. Foram achados ainda 350 cartuchos de metralhadora e de pistola. Na lixeira, a polícia encontrou bilhetes escritos com pincel atômico: “Mídia, realidade, sociedade hipócrita” e “Isso é efeito da droga, eu não sou assim”. Segundo a polícia, são provas de que Mateus premeditou o crime. Na opinião do delegado Olavo Reino, Mateus tinha consciência do que estava fazendo. “Ele pode ter distúrbios mentais, mas não na proporção dos crimes que cometeu.” Na contramão da tese do advogado de Mateus, Eduardo Pizarro Carneloz, que pedirá exame de sanidade mental do rapaz, o que pode render-lhe a inimputabilidade.

Discussão – Mateus passou a noite anterior ao crime no Hotel Príncipe. A diária de R$ 66 não foi paga. Ele chegou a consumir seis refrigerantes, duas águas, um filé grelhado e seis chocolates. Na quarta-feira, deixou o quarto 915 às 8h30 e esteve à tarde com o traficante Marcos Paulo, que também lhe fornecia drogas, para comprar sem maiores dificuldades a submetralhadora por R$ 5 mil. Ele a colocou numa bolsa de náilon e vestindo camiseta branca e jeans, tomou um táxi e seguiu para o Morumbi. Ficou andando a esmo pelos corredores até entrar no cinema. Chegou a discutir com o segurança particular Hernandez Correia, acusando-o de usar anabolizantes. “Ele parecia estar bêbado.” Na sala 5, começou a assistir ao filme na primeira fila. Diz que ouviu vozes. Levantou e foi ao banheiro. Achava que estava sendo seguido. Diante do espelho, Mateus tira a arma da bolsa e resolve testá-la no espelho, aparentemente contra a própria imagem. Começava ali, a cena mais aterrorizante de uma tragédia da vida real, que em três minutos fez três mortos.