A cordo com o FMI assinado, ajuste fiscal aprovado no Congresso, o pior pesadelo do presidente Fernando Henrique Cardoso agora se chama indexação salarial. FHC não quer nem ouvir falar na volta do atrelamento dos salários aos índices de inflação. Para manter afastada a ameaça, o presidente decidiu atacar. Definiu como alvo a Justiça do Trabalho, que em breve pode começar a conceder reajustes de salários por causa da volta do aumento de preços, e encontrou no seu mais poderoso aliado, o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), um fiel escudeiro. Tradicional desafeto do Judiciário, ACM demonstrou nas últimas semanas uma disposição para uma briga sem precedentes do Legislativo com a Justiça. Na quarta-feira 17, quando juízes federais fizeram uma inédita greve em oito Estados e no Distrito Federal para protestar contra o governo e reivindicar o aumento do teto salarial de R$ 10,2 mil para R$ 12,7 mil, o senador provocou. "Com uma paralisação como essa, talvez a Justiça ande melhor."

ACM joga pesado. Tem defendido o fim da Justiça do Trabalho e de alguns tribunais, como o militar. Na última semana, ele bancou a abertura de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) sobre a Justiça. A oposição no Congresso desconfiou da proposta. "Quem propõe tem que apresentar os fatos. Vamos apoiar uma CPI sobre o que, superfaturamento de obras, propina?", questionou o líder do PT na Câmara, José Genoíno (PT-SP). ACM respondeu com mais ameaças e disse estar munido de uma coleção de dossiês que relatariam casos de corrupção e nepotismo em gabinetes de juízes. "Este senhor está acostumado a fazer o que quer, falar e ver as pessoas se calarem. Com o Judiciário não será assim", ameaçou o vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Seção, Fernando Tourinho Neto, que liderou a paralisação dos juízes federais. Mesmo sem chegar à CPI, ACM colocou a Justiça na berlinda. Mas no esforço de evitar que a reindexação dos salários alimente a espiral inflacionária, o governo e seus aliados podem encontrar novos embates com as centrais sindicais.

A verdade é que a inflação dos dois primeiros meses do ano já fez estragos no bolso dos trabalhadores. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, em janeiro e fevereiro, o Índice Geral de Preços (IGP) teve uma alta de 5,64%. A Central Única dos Trabalhadores (CUT) prepara para o próximo 1º de maio, Dia do Trabalho, uma mobilização nacional para reivindicar um reajuste geral de 10%. Mesmo próxima do governo, a Força Sindical fala também em reposição das perdas. O Palácio do Planalto sabe que maio é sempre um mês crítico e, temendo uma queda ainda maior na popularidade do presidente, já encomendou à equipe econômica um estudo sobre o aumento do salário mínimo. O PSDB acenou com uma proposta de reajuste do mínimo de cerca de R$ 7,80. Os tribunais do Trabalho, portanto, vão ter muito o que decidir. "Não sou a favor da indexação, mas me preocupo em amenizar as perdas dos salários", afirma o presidente do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, Floriano Vaz da Silva.

Além da preocupação com os trabalhadores, os juízes estão alertas com a criação do patamar máximo de R$ 12.720 para a categoria. Se por um lado esse teto gera um efeito cascata nos salários dos funcionalismo público, por outro, eliminaria os supersalários de juízes, vereadores, prefeitos. "Não votar o teto é uma hipocrisia. Pelo menos 150 deputados que acumulam aposentadoria ganham mais do que R$ 12,7 mil", dispara o deputado Paulo Paim (PT-SP). Ajudando a fazer fumaça, o presidente Fernando Henrique soltou uma pérola de pura demagogia. Na quarta-feira 17, esquivou-se de comentar a paralisação do Judiciário, mas provocou os juízes ao propor um teto de R$ 8 mil. Aprovado esse limite, FHC veria seu contracheque ser reduzido em R$ 500, além de perder a aposentadoria de cerca de R$ 4 mil como professor universitário.

 

Esqueleto milionário

A Justiça chegou a uma decisão sobre o empresário Sérgio Naya. A favor. Naya e dois sócios na LPS devem receber R$ 8,6 milhões por uma obra inacabada. Em 1989, o empreiteiro do Palace II e os empresários Luiz Estevão, hoje senador, e Paulo Octávio, recém-eleito deputado federal, compraram da Terracap, estatal que gerencia os terrenos públicos em Brasília, um lote de 80 mil metros quadrados no Lago Norte. Ali, eles ergueriam um shopping. Teriam 30 meses para finalizar a obra. Como a construção não avançava, em 1992 a estatal ganhou na Justiça o terreno de volta, mas desistiu da posse diante da indenização pedida pela LPS. Preferiu que os empresários terminassem o prédio. Mas aí a LPS não quis mais pôr a mão na massa. E mais. Exigiram indenização pelo que haviam investido no esqueleto de concreto e ferro. Na sexta-feira 12, o juiz Jansen Fialho de Almeida mandou bloquear R$ 26 milhões da conta da estatal para garantir o pagamento à LPS. Como o saldo da Terracap era menor, a Justiça se contentou com R$ 8,6 milhões. "Tirar esse dinheiro vai inviabilizar vários projetos do governo", reconhece Estevão.

Colaborou Lázló Varga