Wellington de Camargo completou 94 dias de cativeiro na sexta-feira 19. Esta marca triste poderia muito bem não ter sido atingida. Uma semana antes, os sequestradores tinham proposto um valor para encerrar as negociações: US$ 300 mil. Quantia infinitamente inferior aos US$ 5 milhões exigidos inicialmente. Mesmo assim, orientado pela Polícia Federal, Emanuel, o outro irmão da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, em vez de fechar o acordo, pediu mais uma prova de que Wellington estivesse vivo. A resposta veio de maneira violenta. Na manhã do sábado 13, os sequestradores colocaram no jardim do prédio da TV Serra Dourada, em Goiânia, um pedaço da orelha esquerda do compositor. "Eu estava fazendo shows fora do Estado e só soube que eles tinham chegado aos US$ 300 mil depois que o Emanuel pediu a prova de vida", disse Zezé a ISTOÉ. "Se tivéssemos pago logo, o Wellington já poderia estar em casa." No domingo 14, Zezé e Luciano passaram rapidamente por Goiânia e fizeram, no aeroporto, uma reunião de cerca de 40 minutos com Emanuel, Daniel Sampaio, delegado da Polícia Federal, e Angelo Salinaki, também da PF. Zezé criticou a orientação dada por eles e afirmou que os US$ 300 mil estariam disponíveis a partir daquele momento.

O acerto em US$ 300 mil surpreendeu também a cúpula da Polícia Civil de Goiás. Este foi apenas mais um episódio da falta de entrosamento entre a PF e a polícia local. O secretário de Segurança, Demóstenes Xavier Torres, não sabia de nada. O subsecretário, Marcos Machado, também não, o mesmo acontecendo com o delegado José Pinheiro, chefe do Grupo Anti-Sequestro e presidente do inquérito. Logo depois de Wellington ter sido capturado, em 16 de dezembro do ano passado, Pinheiro fez um acordo com os Camargo. Ficou acertado que o resgate seria pago tão logo se chegasse a um valor entre US$ 250 mil e US$ 300 mil. "Isso foi dito ao pessoal da PF assim que eles chegaram a Goiânia", lamentou Pinheiro. "Se soubesse que estava em US$ 300 mil, iria forçar para que fosse pago o resgate." Essa postura também é defendida por outros delegados da PF em Goiânia, que também se sentiram desprezados pela postura do delegado Daniel. Além de custar parte da orelha do compositor, o episódio serviu como o estopim de uma crise de comando nas investigações.

A única convicção da polícia continua sendo que por trás do sequestro existe alguém da própria família ou muito próximo dela, como antecipou a última edição de ISTOÉ. Os policiais ficaram ainda mais convencidos dessa hipótese após uma leitura dos sete bilhetes redigidos por Wellington em que ele demonstra muita mágoa. "Para o meu pai o dinheiro é muito mais importante do que eu. Meu irmão Emanuel é arrogante e também sempre gostou muito de dinheiro", escreveu o compositor em um desses bilhetes, encontrado pelos policiais junto à orelha. No outro, destinado ao apresentador de tevê Carlos Massa, o Ratinho, Wellington é ainda mais contundente: "Pelo que vi, o Ratinho é mais irmão meu que todos os outros… Quarenta minutos antes do seu programa, os sequestradores entrou (sic) em contato com o Emanuel e ele mandou cortar minha orelha."

Letra caprichada
O delegado Machado chama a atenção para a caligrafia de Wellington. "É normal que a vítima pressione a família em casos de sequestro, mas a letra está certinha. O bilhete não parece ter sido escrito sob coação", observa. "Não acredito que o Wellington fosse capaz de fazer isso, mas não descarto a possibilidade de alguém da família estar envolvido", afirmou Emanuel na quarta-feira 17. "Algum parente mais distante, como um primo, um tio. Nossa família é muito grande." Tanto Zezé como Luciano têm a mesma opinião. Nos últimos 15 dias, a polícia intensificou, embora de maneira discreta, as investigações sobre familiares de Wellington. Angela Maria Camargo, mulher do compositor, já prestou quatro depoimentos. Ela estava em casa no momento do sequestro e a reconstituição do crime apontou uma série de contradições. A polícia também está trabalhando no levantamento da vida de um irmão de Angela que teria envolvimento com drogas e seria muito ligado a Wellington. "Não conheço a família da Angela, mas sei que um irmão dela realmente está envolvido com drogas", disse Zezé. Ainda nesta semana, os policiais planejam recorrer a uma investigação bancária. Wellington vinha guardando dinheiro nos últimos meses para comprar um sítio. "Precisamos saber se algum saque dessa conta foi feito depois do sequestro, pois Wellington pode estar sendo pressionado a custear o próprio cativeiro", explicou um delegado.

Rato expiatório
As investigações continuam em meio à crise entre as polícias federal e civil. O bate-boca com relação ao valor do resgate só não ganhou maiores proporções por causa de uma manifestação estapafúrdia de Ratinho, em seu programa da sexta-feira 12. Como toda a Polícia Civil de Goiás, ele não sabia dos US$ 300 mil e fez uma proposta indecente. Disse que iria colocar no ar um Disque 900 para que os telespectadores doassem dinheiro a fim de ser pago um resgate de US$ 3 milhões. A infeliz sugestão de Ratinho serviu tanto para os sequestradores como para a polícia. Aos bandidos, o apresentador forneceu um trunfo para aumentar o valor do resgate. No bilhete escrito por Wellington ao apresentador, ele diz: "Por favor pague por minha vida. Eles deixaram até US$ 300 mil. Só que eles querem US$ 2 milhões… Se você quiser me ajudar me apresenta no programa de hoje e coloque um telefone disponível para que os sequestradores entrem em contato." Para a polícia, Ratinho, que na semana passada se desculpou com Zezé e Luciano, acabou funcionando como bode expiatório da bateção de cabeça entre o comando civil e federal. "Agora os sequestradores estão irredutíveis. Querem US$ 2 milhões. Precisaremos recomeçar toda a negociação", reclamou o secretário de Segurança. A postura do apresentador irritou a família. Zezé e Luciano ameaçaram desencadear uma campanha contra Ratinho. Chegaram a marcar audiências com o ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, e com o presidente do Senado, Antônio Carlos Magalhães. Como Ratinho se desculpou publicamente, a dupla mudou suas intenções. "Não guardo mágoa de ninguém", disse Zezé.

Oficialmente, o secretário de Segurança nega a crise entre as polícias. "Não existe problema nenhum. A PF está conduzindo as negociações e o delegado Pinheiro faz a parte operacional. Ele é presidente do inquérito, mas não tem que saber das negociações. Isso quem tem de saber sou eu", diz Demóstenes. Os policiais que trabalham no caso, porém, são unânimes em reconhecer a crise e as investigações comprovam a falta de entrosamento entre a PF e a Polícia Civil. Na quarta-feira 17, por volta das 16 horas, Pinheiro mobilizou toda a equipe do Grupo Anti-Sequestro, a imprensa, uma dezena de PMs e dois helicópteros para uma missão que terminou em comédia. Ele levou toda a tropa para o quilômetro 101 da rodovia que liga Goiânia a Brasília, na cidade de Abadiânia, a cerca de 100 quilômetros da capital, com a certeza de que iria estourar o cativeiro. Pinheiro deixou os policiais, com armas de grosso calibre, postados à beira da rodovia e saiu em um helicóptero. Voltou cabisbaixo quase quatro horas depois. "Foi mais um furo. Não tem nada, mas um dia a gente chega lá. Já fizemos mais de 100 operações sem sucesso", disse.

Fuga em Minas
Logo depois do trote, a polícia permitiu que uma pista de verdade escapasse. A Polícia Rodoviária comunicou a Pinheiro que um ônibus fora interceptado por quatro homens armados e encapuzados, que estavam em um Monza. Eles queriam saber do motorista se os policiais que estavam na beira da estrada em Abadiânia já tinham ido embora. Pinheiro pediu que o Monza fosse interceptado, mas os quatro conseguiram fugir, mesmo com a polícia conhecendo as características do carro, o número de ocupantes e o trecho da rodovia em que eles estavam.

Depois de tantas trapalhadas, os policiais chegaram a uma pista concreta. Muito mais em razão de um suposto vacilo dos sequestradores do que pelos méritos da investigação. Às 5h50 da quarta-feira 17, uma mulher clara, trajando roupa social, desceu de um Tempra branco com placas de Brasília em frente ao Clube Telegoiás, a cerca de 300 metros da sede do Grupo Anti-Sequestro. Rapidamente, a mulher deixou um saco branco na calçada e entrou novamente no carro, onde um homem a aguardava no volante. Minutos depois, a polícia foi avisada de que havia mensagem dos sequestradores naquele pacote. Os policiais encontraram alguns recortes de jornais e um bilhete destinado "para a polícia". Tudo dentro de uma embalagem de amaciante de roupa. O bilhete é uma ironia. Parabeniza a polícia pela rapidez do exame de DNA que comprovou ser de Wellington o pedaço de orelha e pergunta quando será pago o resgate. Mais importante do que o conteúdo da mensagem, foi o fato de o porteiro do clube ter visto a mulher, o que permitiu a confecção de um retrato falado. Trata-se da primeira pista concreta em quase 100 dias de investigação. Na sexta-feira dia 19, a políca estava convencida que a mulher é Eliane Cristina de Oliveira, que foi resgatada há quatro meses de um presídio em Contagem (MG) pelos irmãos. Todos fazem parte de uma quadrilha de sequestradores. Uma outra notícia animou a família. Entre quarta e quinta-feira os sequestradores fizeram três ligações para Emanuel, reabrindo as negociações. Emanuel respondeu que os US$ 300 mil estão disponíveis. "Esperamos pagar esse resgate o mais rápido possível para que o Wellington volte para casa", disse Zezé.