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DRAMA Fotografia de crianças mandadas para a câmara de gás e vagão da mostra em Berlim

O passado tem dia certo para voltar a Grunewald, a estação da cidade de Berlim, na Alemanha, que somou o maior número de embarques para os campos de extermínio nazistas. Uma locomotiva a vapor usada para transportar prisioneiros do III Reich vai ficar estacionada por dois dias na estação, a partir da segunda-feira 21. Com as janelas dos vagões cobertas por fotografias autênticas de crianças e adolescentes mortos em campos nazistas, a locomotiva chegou a Berlim na semana passada. Desde a primeira parada, na estação Ostbahnhof, milhares de pessoas se aglomeram nas plataformas ferroviárias para visitar uma inusitada exposição itinerante. Chamada Trem da memória (Zug der Erinnerung), a mostra reúne 40 painéis com imagens, documentos e cartas em memória dos cerca de 12 mil jovens prisioneiros levados para a morte, entre 1940 e 1944, pelos trilhos da Reichsbahn, a companhia ferroviária nazista.

“Os trens eram o principal meio de transporte de pessoas para os campos e para os guetos”, lembrou Hans-Rüdiger Minow, o porta-voz do grupo privado que organiza a mostra. “E foi nas estações ferroviárias que outras pessoas testemunharam o destino dos deportados.” Com um roteiro traçado para seis meses de duração, a locomotiva histórica partiu da cidade alemã de Frankfurt em novembro do ano passado. Está no trecho final da viagem. Depois de percorrer cerca de três mil quilômetros e parar em 30 cidades, ela tem chegada prevista ao campo de Auschwitz, na Polônia, em 8 de maio. Nesse dia, há 63 anos, a Alemanha assinou sua rendição e a Segunda Guerra Mundial acabou na Europa.

Destino final do Trem da memória, o campo de Auschwitz foi instalado em meados de 1940 no sul da Polônia ocupada e anexada ao III Reich. Originalmente, funcionou como um campo de concentração, para onde eram destinados em particular prisioneiros que integravam a elite intelectual e religiosa polonesa. A partir de 1942, Auschwitz virou um campo de extermínio, no qual estima-se que morreram 1,1 milhão de judeus, 100 mil ciganos e mais de dez mil prisioneiros de guerra da então União Soviética. Quando desembarcavam na estação de Auschwitz, homens aptos para o trabalho tinham chance, embora remota, de sobreviver. Crianças, mulheres e idosos eram encaminhados para as câmaras de gás.

Na Alemanha, revistar o passado nazista ainda causa controvérsia, embora mascarada sob escusas técnicas. A Deutsche Bahn, a companhia ferroviária estatal, se recusou a permitir que o Trem da Memória parasse em Hauptbahnhof, a estação central de Berlim. “Não temos como reorganizar os horários dos trens”, chegou a divulgar o porta-voz Jeans- Oliver Voss. “Além disso, a locomotiva a vapor apresenta consideráveis riscos de segurança e pode acionar os alarmes contra fumaça.” Como opção à estação central, ofereceu a Ostbahnhof, situada na antiga Berlim Oriental.

Apesar de ter virado alvo de protestos, a Deutsche Bahn continuou intransigente em relação ao Trem da Memória. Agora, insiste em cobrar dos organizadores da mostra o equivalente a US$ 115 mil pelo uso de sua rede e plataformas. Na semana passada, o ministro dos Transportes, Wolfgang Tiefensee, apelou para que os dirigentes da estatal adotassem “uma atitude positiva” e abrissem mão da cobrança das taxas. Por enquanto, o apelo não surtiu efeito. Os dirigentes da companhia acreditam que deram recentemente sua contribuição à história, ao promover uma exposição sobre o papel da ferrovia nazista no transporte de grande parte das vítimas de Adolf Hitler.

“Nunca é demais falar sobre o holocausto”, defende Aleksander Henryk Laks, presidente da Associação Brasileira dos Israelitas Sobreviventes da Perseguição Nazista e autor do livro O sobrevivente. “Toda essa barbárie aconteceu ontem e temos que lutar para que não se repita.” Laks tinha 16 anos quando viu sua mãe pela última vez, em 1944, na plataforma de Auschwitz. Agora com 80 anos, Laks observou em seu apartamento, no Rio de Janeiro, imagens da locomotiva que abriga a exposição. “Havia algumas ainda piores, sem aquelas janelinhas”, lembra. Naturalizado brasileiro e radicado no País desde os 19 anos, há duas décadas Laks se dedica a fazer palestras sobre a tragédia que testemunhou. Para contar sua história, quebrou até o juramento que tinha feito a si próprio, de nunca mais colocar os pés na Alemanha nem na Polônia, onde nasceu.

SESSENTA ANOS DE TENSÃO
Líderes políticos de todo o mundo têm encontro marcado em Tel Aviv em 8 de maio, para comemorar os 60 anos da criação do Estado de Israel. O tema da celebração são as crianças, mas na memória de todos estará um nome: David Ben-Gurion, o pai da nação. Três anos após o fim da Segunda Guerra Mundial na Europa, ele leu no Knesset (Parlamento) a declaração de independência de Israel. “O holocausto nazista, que engoliu milhões de judeus na Europa, provou novamente a urgência de restabelecer o Estado judeu”, disse. Poucas horas depois, forças militares de cinco países árabes invadiram o país, inconformadas com a solução encontrada pela ONU, de dividir a Palestina entre árabes e judeus. Era o prenúncio de um conflito que se radicalizou, gerou outras guerras e está longe de ser resolvido.