Existem pessoas especiais, que mudam mentalidades e melhoram a vida à sua volta. Muitas delas são mulheres, como as que ISTOÉ reuniu. A apresentadora Hebe Camargo, que comemora 70 anos nesta segunda-feira 8, Dia Internacional da Mulher, compartilha há 56 anos com o público uma inesgotável alegria. A socióloga Ruth Cardoso, discreta porém brilhante, ensinou que as companheiras de homens poderosos não são apenas "mulheres de". A atriz Regina Casé apontou que o homem comum é uma atração tão boa quanto um super-herói. Mas influência não é privilégio das famosas. A pequena empresária Soraia Patrícia da Silva recusou-se a pagar propina a fiscais da Prefeitura de São Paulo e desencadeou uma onda de denúncias de corrupção.Como cada uma das participantes desta reportagem, Soraia deixou claro que o poder de mudar o mundo, aparentemente tão longínquo, encontra-se, às vezes, em nossas próprias mãos.

O poder da naturalidade
Às vezes despenteada, tão à vontade que faz pensar que não há câmeras ao seu redor, a atriz Regina Casé é a estrela da naturalidade. Na televisão, máquina de criar modelos, Regina celebra o jeito comum de ser. Em Muvuca, sucesso de audiência na Rede Globo, desmonta entrevistados pela espontaneidade. No banheiro, na cama ou na piscina, perguntas íntimas passam quase despercebidas para quem as responde, como num bate-papo a sós. Antes disso, em Brasil Legal, Regina fez o País descobrir que histórias de milhões de Josés da Silva eram tão incríveis e saborosas quanto revelações de gente famosa. "Sempre fui bagunceira e enxerida na vida dos outros", brinca. Carioca de 44 anos, mãe de Benedita, 9, ela não se impressiona com o estrelato. Foi assim desde os tempos do grupo teatral Asdrúbal Trouxe o Trombone e da época em que inspirou a canção Rapte-me camaleoa, de Caetano Veloso, seu então apaixonado. "Não preciso nem gosto do poder e da popularidade", diz ela. Se gostasse, não seria ela. A primeira a ser ela mesma
A professora Ruth Cardoso, 68 anos, doutura em Antropologia, nunca se sentiu à vontade com o título de primeira-dama, pelo tom embolorado que ele sugere a mulheres como ela, intelectual e feminista. Ainda assim, não se furtou a contribuir com o governo do marido presidente e, sobretudo, com o País. Levou para o projeto Comunidade Solidária idéias desconhecidas do estilo assistencialista utilizado até então. "Sempre tive interesse pelos problemas sociais do País", ela declarou na quinta-feira 4 a ISTOÉ, em Brasília. "Mas sempre trabalhei fora de sistemas políticos, atuando em movimentos sociais, feministas, reivindicativos urbanos", descreveu. Por isso aproximou-se do Comunidade Solidária como alguém que nunca teve vida partidária. "Meu objetivo é aproximar governo e sociedade civil, para que juntos possam encontrar maior eficiência e diminuir a desigualdade." Embora enfatize que não é governo nem é paga para trabalhar para o Estado, sua influência é forte. Teve seu dedo a escolha de José Gregori para secretário nacional de Direitos Humanos e de Wilmar Faria para assessor de temas sociais do presidente. Mas foi por esforço dela, também, que aqueles que se interessam por igualdade, seja ela pessoal ou social, ganharam um repertório mais moderno: os brasileiros descobriram, afinal, que a melhor primeira-dama é aquela que não se limita a ser a mulher do presidente.
 

 

 

Militantes da Ford

Dia 23 de dezembro as donas de casa Aparecida de Paula Silva, 36 anos, e Sônia Amarantes de Queiroz, 42, se preparavam para o Natal, mas uma carta da Ford comunicou que seus maridos estavam na lista de 2.800 demitidos da montadora. Desesperada com a idéia de ver o companheiro desempregado, Paula começou a telefonar para outras famílias. Ali começava a história de uma militante sindical. "Sou apenas uma mulher lutando pela sobrevivência", diz. Uma semana depois, numa assembléia, ela encontrou Sônia. "Quando se luta por uma coisa, não se pode cruzar mais os braços", reforça Sônia, que este ano faria apenas um curso de arranjos florais para incrementar suas vendas de cestas de café da manhã. Elas mobilizaram tantas mulheres que a Ford concordou em negociar, suspendendo as demissões por cinco meses e abrindo um plano de demissões voluntárias. Os ex-funcionários recebem o valor líquido de seus salários. "Foi o melhor acordo entre o sindicato dos metalúrgicos e uma montadora enquanto se espera uma definição final", comemora Paula.
 

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Coragem de menina

Graças a ela, muitos adolescentes deixaram ou deixarão de contrair o vírus HIV. A história de Valéria Polizzi, 28 anos, autora do livro Depois daquela viagem (ed. Ática), na 15ª edição, é um trunfo da luta contra a Aids. O livro é um sacolejo no preconceito e na prevenção. Valéria se contaminou aos 16 anos na primeira relação sexual. O livro vendeu 60 mil exemplares e foi adotado em escolas. Ela ganhou carisma e visibilidade. Nas mais de 100 palestras que já deu, é assediada com pedidos de autógrafo e beijos. "Sinto-me livre ao ver que a minha história saiu do gueto. Sou reconhecida na rua, as pessoas querem passar a mão no meu cabelo." Valéria sabe da influência que exerce sobre uma geração. "Aids sempre foi vista como uma coisa feia. Quando me vêem com um astral legal, percebem que sou como eles", diz. Ao incentivar o uso da camisinha, diz: "As campanhas deveriam falar mais de amor. Entrei nessa burrada porque estava apaixonadésima." Mas frisa: "Na vida sexual, quem manda é a gente. A liberdade e a responsabilidade são nossas. Ninguém é contaminado, a gente é que se contamina."
 

No auge

Como filha de um ex-presidente da República, Roseana Sarney tinha tudo para se acomodar. Nascida numa família tradicional do Nordeste, onde mulher não tem muita vez – ou não tinha –, era natural que o irmão mais velho, o ministro do Meio Ambiente, Zequinha Sarney, fosse o herdeiro político do clã. Mas, em 1990, se elegeu deputada federal e em 1994 governadora do Maranhão. Reeleita, ainda é dela o título de única governadora da história do Brasil. "Não é fácil. Mulher, nordestina, de uma família onde havia machismo. O segredo é o trabalho." Para ela, autoridade se ganha com objetivo na vida. "O que me move é a vontade de realizar e o simples fato de estar viva." Após as eleições, se submeteu a três cirurgias. Recuperada, está no auge da vida política. Liderou a primeira reunião de governadores que apóiam o governo FHC. Orgulha-se de gastar menos de 50% da sua receita com o funcionalismo. Em família, vibra com a chegada da primeira neta, Fernanda, há três semanas.
 

Espírito e raça

Formada na Fundação Getúlio Vargas, Sylvia Egydio, 60 anos, escreveu uma tese sobre o mundo árabe e o mercado africano e se especializou em comércio exterior. Para vender "desde frango até perfuratriz", segundo recorda, visitou pela primeira vez a África e sentiu um choque de autoconhecimento, que a fez mudar os rumos de sua vida. Ela compreendeu que era uma ialorixá – mãe de santo – e comanda desde 1982 um terreiro de candomblé no bairro do Jabaquara, em São Paulo, considerado o maior terreiro-comunidade da América Latina. Ele faz parte da Fundação Axé Ilê Obá, criada em 1950 por um tio de Sylvia. Desde então, resgatar as tradições da raça negra tornou-se a sua meta. Entre outras atividades, a fundação mantém o primeiro Seminário Teológico de Candomblé no Brasil, que já formou mais de 1.500 sacerdotes, e a Rádio Ilê, voltada para a cultura negra.
 

As meninas notaram


Os grandes saltos na vida dessa ex-mocinha bem-nascida que se tornou um dos grandes potenciais políticos do País aconteceram sempre assim, com o encontro entre acasos felizes e razões profundas. Ao descobrir, no período em que estudou nos Estados Unidos, nos anos 60, que podia especializar-se em sexualidade, a psicóloga Marta Suplicy percebeu que tinha diante de si um modo de ajudar muita gente. Anos depois, quando a Rede Globo resolveu lançar o programa TV mulher e procurou uma sexóloga, ela já estava pronta. Movida por um desejo vago de "ajudar as pessoas" e finalmente pela intenção bem focada de melhorar o País, chegou à política. "As outras maneiras de interferir na realidade não me atraem tanto", diz a ex-candidata do PT ao governo de São Paulo. Além dos 3,7 milhões de votos que recebeu nas eleições de outubro, pequenos acontecimentos lhe têm mostrado sua influência. "Há dias, uma menina de nove anos me disse que quando crescer vai ser governadora", conta Marta, 53 anos. "Alguma coisa mudou nos padrões de comportamento, não? Achei o máximo!"
 

Reflexões a dois

A máxima de que por trás de um grande homem há sempre uma grande mulher se renova para o casal Roberto e Lily Marinho, 79 anos. Quando se casaram, há sete anos, Roberto Marinho já era o mais poderoso empresário do País. Mas hoje o dono das Organizações Globo ouve e é incapaz de contrariar dona Lily. Ela garante que nunca influenciou opiniões e atitudes do marido: "Nós conversamos sempre e refletimos juntos", minimiza. O único comando que assume é o do controle remoto da tevê. Por ela, o sistema Globo passou a dar maior atenção à vida cultural. Foi a responsável pelas exposições de Auguste Rodin e Claude Monet, vistas por 1,5 milhão de pessoas. Circula com desenvoltura pelo poder, de Fernando Henrique ao presidente francês, Jacques Chirac. Agora, recebeu a promessa do secretário de Cultura de Paris de que o Petit Palais fará uma mostra de arte barroca brasileira até o ano que vem.

O que vale é a História

Quando parou de contar seus títulos, há poucos anos, Ruth Rocha, 68 anos, já tinha escrito 130 livros para crianças e vendido 10 milhões de exemplares. Entre eles, Marcelo, martelo, marmelo, O reizinho mandão e Atrás da porta. Sabia, portanto, que era popular. Mas foi só no ano passado, quando a escritora que se diz "plasmada por Monteiro Lobato" abriu seu site na Internet e passou a receber e-mails, é que ficou sabendo dos efeitos de sua obra em várias gerações de leitores. O principal deles: ensinou a gostar de ler. Ruth, mãe de Mariana e avó de Miguel e de Pedro, escreve à mão, sobre uma prancheta portátil e se ocupa atualmente de adaptar a Odisséia. Ela nunca pensa em passar lições, quando escreve. "Bem que gostaria, se fosse possível, de ensinar justiça ou verdade. Mas não dá para ser intencional. Se você contar uma boa história, os valores vêm como subproduto."

Vai encarar?

A secretária nacional de Administração, Cláudia Maria Costin, trabalha mais de 12 horas por dia – sua missão é modernizar o serviço público e para isso ela não hesitou em cortar o pagamento de adicional por tempo de serviço e suspender aumentos de salário para os funcionários públicos. Por decisões como essas, Cláudia Costin chegou a sofrer ameaças de morte, precisou andar por alguns meses com agentes da Polícia Federal e mandou a filha Marina, de 19 anos, estudar nos Estados Unidos "O poder não me incomoda. Ele é muito coerente com a minha utopia de ver este país diferente", diz.

 

Ela disse não

Se a maioria dos brasileiros tivesse o caráter e a coragem de Soraia Patrícia da Silva, paulista de 24 anos, o Brasil seria um país menos marcado pela corrupção. Ao denunciar ao Ministério Público de São Paulo o esquema de corrupção dos fiscais das administrações regionais da prefeitura da capital paulista, que resultou na semana passada numa CPI da Câmara Municipal, Soraia provou que é possível dizer não a um pedido de propina. Dona de academia de ginástica, estava reformando o imóvel quando, em outubro, fiscais de uma administração regional disseram que a obra era irregular. "Me pediram R$ 30 mil. Ou eu dava a propina ou o imóvel seria lacrado", conta. "Dei a entender que aceitaria, mas valorizo muito meu trabalho para dar dinheiro de graça. Não pagaria nem R$ 100."

Depois de dois meses, Soraia procurou a imprensa. "Não acreditei quando liguei para dois jornais e me disseram que era um assunto normal e não dava matéria. É incrível como as pessoas se acostumam com a corrupção", conta. "Me espantei com minha indignação. Vi que não tinha perdido a noção de justiça." Persistente, denunciou à Rede Globo, que procurou o Ministério Público. Em dezembro, foi feito o flagrante e o funcionário corrupto foi preso. "Não acreditei que pagar propina fosse normal", diz. O País agradece.
 

O Brasil confiável


Muito antes de ser a nossa candidata ao Oscar de melhor atriz, Fernanda Montenegro já era reverenciada no Brasil pelo conjunto da obra. Aos 69 anos e 50 de profissão, mais de 100 peças, 400 teleteatros, 15 novelas e alguns filmes, ela representa bem mais. É o retrato de uma face íntegra, firme e talentosa do País. Sabe que sua influência vai além da cultura. Ela impressionou ao recusar dois convites para ser ministra da Cultura, feitos por José Sarney e Itamar Franco. Agora seu rosto dá visibilidade ao Brasil no mundo. E ela se comporta com a simplicidade de sempre mesmo sendo a primeira latino-americana a receber a indicação para o Oscar. "Minha expectativa é a mesma do dia da indicação, o que vier a mais será inesperado", comenta, por telefone, de Los Angeles. Fernanda não desperdiça atos ou palavras.
 

O negócio do planeta

Laura Tetti, 49 anos, lançou a campanha Praia Limpa e a Operação Alerta, para impedir a circulação de carros no centro de São Paulo em dias de muita poluição, e passou a divulgar os índices de qualidade do ar na cidade. Ela tem uma frase que traduz sua atuação: "Ecologia é business", diz, para lembrar que o uso racional da natureza dá lucro, gera emprego e dá peso ao Brasil, a maior reserva ambiental do mundo, nas mesas de negociações. "Consegui ser uma especialista em ecologia sem a lentidão chapa-branca nem a estridência que estigmatiza o militante." Ex-secretária de Estado do Meio Ambiente e ex-assessora do Ministério do Meio Ambiente ela atua hoje em sua empresa de consultoria. Quando conduz a um final feliz algum acordo, como o que conseguiu que produtores de cana preservassem os cursos d’água junto às culturas, sente-se gratificada. "Até que é gostoso. Afinal, a gente faz tudo para cairem as fichas."
 

A quebra poses

Quando se fala em Hildegard Angel, vem à cabeça sua coluna social em O Globo, que mescla fofocas da alta sociedade com atualidades políticas. O grande diferencial dessa profissional, que nunca desliga o celular, é enxergar um Brasil jovem, onde dinheiro muda de mão e inventa novas celebridades todo o tempo. Criadora do termo "emergentes", Hildegard tirou o estigma dos novos-ricos, levando-os para sua coluna. Multiplicou a idéia de que não há velhos ricos num país que vai completar 500 anos. Apenas ricos menos novos ou "tradicionais". Gentilmente, ela quebrou poses com um novo jeito de organizar nossas castas flutuantes. "Desmistifiquei a idéia de que a pessoa tem que pertencer ao Olimpo dos bem-nascidos para ser um personagem da sociedade", diz ela. "Temos que fabricar a nossa História no Brasil, onde há uma permanente renovação de personagens que acompanham o ritmo da economia."
 

A nova cara da UDR

À frente da União Democrática Ruralista (UDR), a obstetra Tânia Tenório de Faria deu nova cara à entidade que combate as invasões de terra. Médica de Mirante do Paranapanema, região de invasões, a dra. Tânia já ajudou a dar à luz muitos filhos de sem-terra. "Separo as coisas. Quando o José Rainha (ex-presidente do MST) precisar de mim como médica, estou pronta a atendê-lo. Mas também estou pronta para largar o pau na política dele", diz. "Ninguém tem culpa de ser sem-terra. Tenho ojeriza às ações a que eles são condicionados." Ela se diz moderada. Reverteu uma recente tentativa de bloqueio da ponte na divisa de São Paulo e Mato Grosso. "Um ato público em Brasília chama mais atenção do que tolher o direito de ir e vir." Tânia já evitou tragédias, impedindo que passassem tratores sobre acampamentos. "O racional precisa vencer o emocional", diz. Mas ressalva: "Não é porque há uma mulher no comando que a UDR esmoreceu ou está mais fraca."
 

Tiazona do Brasil

Hebe Camargo fez de seu sofá um trono, onde artistas, presidentes, o herói popular do dia ou a sex symbol do mês vivem momentos de pura realeza. Envolvidos em ternura e perfume, eles se desarmam e desfiam até confidências. O poder de Hebe ancora-se em números apreciáveis: 70 anos, 56 anos de carreira, 38 na televisão, 20 pontos de Ibope nas noites de segunda-feira – nos últimos 13 anos no SBT –, e 40 mil CDs (Pra você) vendidos em três meses. Loira faiscante, de saltos altos e unhas longas, Hebe é movida por um coração de tiazona. Maliciosa e cúmplice, passa do riso ao choro, do requebro à oração. E realiza aquele "falei mesmo, falei na cara", que tantos adoram contar, mas poucos chegam a fazer. Mas ela prefere ignorar o peso do que diz. "O segredo é não saber", receita. "Assim falo sem medo o que me vem à cabeça." Com sua visão cândida de que o bem e o mal na vida do País provêm sempre das autoridades, a "Estrelinha do Samba" dos anos 40 aprendeu a passar pitos nos políticos. Recentemente, agoniada com as cenas de São Paulo submersa, chamou de vagabundos os vereadores da cidade. Mas também dançou a aeróbica do senhor com padre Marcelo e enxergou uma virtude inédita na Tiazinha: "Como ela é humilde!"


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