Em certos casos, não é necessário ser profeta para adivinhar o futuro. Quando ISTOÉ anunciou, em abril de 1998, a intenção de eleger o Brasileiro do Século, três nomes de imediato saltaram como candidatíssimos ao título, segundo os historiadores e cientistas políticos ouvidos pela revista na ocasião. Eram eles Juscelino Kubitschek, Getúlio Vargas e Luís Carlos Prestes. Após 17 meses, o trio reaparece no topo da lista de concorrentes ao prêmio em uma das mais importantes categorias do projeto, a dos Líderes & Estadistas. São, provavelmente, as três figuras que mais profundamente marcaram a história do País no século que está para terminar. Juscelino foi o único a alcançar a unanimidade dos votos dos 30 jurados escolhidos pela revista – Vargas recebeu 27 indicações e Prestes, 26. “JK acelerou o crescimento da economia. Era um homem de idéias avançadas e tinha a seu favor o clima de otimismo que inflamava o Brasil nos anos 50”, afirma Bolívar Lamonier, diretor do Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp), que integra nosso júri. “A construção do Estado moderno partiu de Vargas. Ele lançou as bases para a aceleração industrial promovida depois por JK”, salienta a historiadora Celina Vargas (diretora do Sebrae-RJ), que é neta do ex-presidente e também faz parte da comissão julgadora. Quanto a Prestes, mesmo os que discordam de sua ideologia, admiram a bravura e a honestidade do líder comunista. “Era um homem de extraordinária integridade intelectual”, reconhece o economista, diplomata e ex-deputado Roberto Campos, guru do neo-liberalismo.

Quando contatou os jurados, ISTOÉ esclareceu que a categoria de Líderes & Estadistas abarcava não apenas os políticos que ocuparam cargos públicos. Os brasileiros que se destacaram como líderes da sociedade civil também estavam aptos a entrar na lista. Um exemplo é o do sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que garantiu seu lugar com 13 votos. Outro é o do cardeal-arcebispo de São Paulo, dom Paulo Evaristo Arns, com seis indicações. Como aconteceu na maior parte das categorias anteriores, os concorrentes em Líderes & Estadistas ultrapassaram o limite de 30 previamente estabelecido. A relação contempla 37 candidatos porque oito deles empataram na 30ª posição (com seis votos cada um) e a revista entendeu que nenhum critério de desempate seria razoá-vel. Fica o leitor, então, com um leque maior de opções. A polêmica vai esquentar, mas alguns dos indicados já provaram contar com a simpatia popular em outras categorias. Além de dom Paulo Evaristo Arns, também dom Helder Camara, o ex-ministro da Fazenda San Tiago Dantas, os jornalistas Barbosa Lima Sobrinho e Assis Chateaubriand, o jurista Heráclito Sobral Pinto e o educador e antropólogo Darcy Ribeiro tiveram suas bio-grafias publicadas em fascículos anteriores. Sem falar em Rui Barbosa (eleito Jurista do Século) e Roberto Marinho (Comunicador do Século).

No total, 237 personalidades foram lembradas pela comissão julgadora. Figuras que não atingiram votação suficiente para entrar na lista dos concorrentes merecem ser citadas. É o caso do lendário cangaceiro Virgulino Ferreira, o Lampião, herói popular do Nordeste, que recebeu o voto da historiadora Aspasia Camargo. O jornalista Franklin Martins, da Rede Globo, homenageou o marinheiro João Candido, que, em 1910, liderou a Revolta das Chibatas no Rio de Janeiro e, nos anos 70, virou personagem de um samba de João Bosco e Aldir Blanc. Alguns jurados foram mais audaciosos. Villas-Bôas Corrêa, comentarista político do Jornal do Brasil, cravou seu voto no sambista Cartola e no gênio das pernas tortas, o craque Garrincha. “Eles mereceram minha admiração pessoal e, além disso, ajudaram a mudar o Brasil em suas respectivas áreas”, esclarece. O deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que votou no escritor mineiro Otto Lara Resende, relembra o episódio do atentado do Riocentro, em 1981, para justificar a escolha. “Ele estava em minha casa quando soubemos do fato pelo noticiário da televisão. Otto ficou revoltado e passou a discursar no meio da sala. Sua indignação era tão sincera e comovente que, impulsionado por seu fervor cívico, telefonei imediatamente para Tancredo Neves. Naquele instante, combinamos transformar a comemoração do dia 1º de maio num ato contra o terror.”

Ilustres cientistas como Oswaldo Cruz, Carlos Chagas e Vital Brazil (todos já homenageados no fascículo de Ciência & Tecnologia) mereceram a indicação do presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos gaúcho, Jair Krischke. “Eram homens fora de série e, além disso, se preocuparam em socializar a saúde que era precária no início do século e continua sendo até hoje”, afirma Krischke.

Outro jurado, o compositor Jorge Mautner, também voltou no tempo para elaborar sua lista, na qual incluiu o presidente José Sarney e explicou: “Em 1958, eu adorava o escritor russo Nicolai Berdiaev, completo desconhecido entre nós. Descobri que o único brasileiro que conhecia Berdiaev era Sarney, um homem sensível e intelectual que, na época, já mostrava sua flexibilidade taoís-ta ao integrar a ala bossa-nova da UDN”, elogia. O governador gaúcho Olívio Dutra, que também faz parte do nosso júri, lembrou de uma heroína nacional, Patrícia Gusmão, a Pagu, ativista política e musa do movimento modernista – uma das mais polêmicas brasileiras da primeira metade do século XX. Embora também Marta Suplicy, Luiza Erundina e Benedita da Silva tenham recebido votos, nenhuma mulher concorrerá ao prêmio de Líder & Estadista. Reflexo do machismo que impera na sociedade brasileira ou apenas a constatação de que a mulher necessita reivindicar com mais ardor ainda seu espaço político?

Desde aquela primeira reportagem que anunciava o projeto de O Brasileiro do Século, em abril do ano passado, ISTOÉ homenageou, com a ajuda do leitor e de 270 personalidades que aceitaram compor a bancada de jurados, 180 brasileiros das mais diferentes áreas. Publicou nove fascículos com 20 biografias em cada um nas categorias Esporte (Ayrton Senna), Música (Chico Buarque), Artes Cênicas (Fernanda Montenegro), Literatura (Machado de Assis), Arquitetura (Oscar Niemeyer), Religião (Irmã Dulce), Educação, Ciência & Tecnologia (Oswaldo Cruz), Comunicação (Roberto Marinho) e Juristas & Economistas (Rui Barbosa). Publicará mais três encartes especiais até o final do ano – o dos Empreendedores sairá em outubro. Agora, examinando a relação preliminar de 30 nomes do júri, o leitor escolherá os 20 Líderes & Estadistas que terão seus perfis publicados em novembro, encerrando a primeira fase do projeto. O passo seguinte será a eleição do Brasileiro do Século (a personalidade que mais se destacou independentemente da categoria à qual pertença), cujas regras serão divulgadas no próximo mês por ISTOÉ. Essa megaeleição coroará um projeto que, antes de tudo, tem o propósito de resgatar a história recente do País, oferecendo ao leitor saborosos painéis da vida brasileira

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