O sonho de todo gordinho é riscar do seu dicionário a palavra dieta. E, ao mesmo tempo, ganhar de presente uma pílula mágica que derreta seus quilos em excesso. Pois esse dia tão esperado está a caminho. O cerco à gordura se aperta. Nunca se conheceu tanto as raízes da obesidade. Na semana passada, pesquisadores americanos anunciaram ter identificado células nervosas que seriam responsáveis pelo controle do apetite e do nível de gordura. Ao conhecê-las poderá se criar um remédio que consiga ajustá-las. A descoberta paralela dos genes da obesidade também tem impressionado. Já foram identificadas cerca de 200 alterações genéticas que interferem no metabolismo. Ao corrigir os defeitos, será possível solucionar parte do problema. Em outra frente, laboratórios e centros de pesquisa mundiais estão metidos até o pescoço na investigação de substâncias que aplaquem o apetite. Por isso, a pílula mágica – não uma, mas sim uma variedade de novos remédios – deve desembarcar nas farmácias a partir do início do próximo século. Mais perto, há outra revolução em curso. A palavra dieta – sinônimo de insosso frango grelhado com salada – está sendo abandonada. No seu lugar, surge o conceito de que se pode comer com liberdade e emagrecer. Basta seguir os preceitos da reeducação alimentar. É um passo decisivo na vitória contra a gordura. Afinal, quando se parte para a briga com a balança, sabendo que nem todo prazer será castigado, é mais fácil chegar lá.

Esses avanços são importantes principalmente porque se sabe que a obesidade ganha contorno de epidemia mundial. Nos Estados Unidos, 55% da população adulta sofre com o excesso de peso. No Brasil, são 32 milhões. Um número tão assustador que o Ministério da Saúde acaba de instituir a data de 11 de outubro como o Dia Nacional de Combate à Obesidade. Como se sabe, quilos a mais não maculam somente a estética. Eles aumentam as chances de doenças cardiovasculares, diabetes e lesões articulares entre outros problemas.

O mais impressionante é que a principal causa do distúrbio está à vista. Pratos repletos de gordura e doces à toda hora compõem o cardápio da maioria das pessoas. É por isso que não é falso o anúncio da reeducação alimentar como um dos principais fatores de controle à gordura. A estratégia ataca exatamente uma das fontes do problema – os hábitos errados à mesa. O objetivo é fazer com que a pessoa aprenda a comer corretamente, sem se privar daquilo que gosta. Quem adora tomar um copo de leite pela manhã, pode trocar o integral pelo desnatado. Macarrão? Tudo bem. Mas por que não pedir espaguete ao molho de tomate e não uma lasanha aos quatro queijos? Pequenos ajustes como esses, no final, farão a diferença. Por permitir comer de tudo com equilíbrio, essa alimentação nunca se tornará monótona.

Desafio – E esse é o segredo do sucesso. Dietas acabam, assim como a silhueta afinada que elas “constroem”. Já a reeducação alimentar é para a vida toda. “O desafio é a pessoa emagrecer no seu dia-a-dia. É por isso que os spas não funcionam. Esses lugares deveriam servir como um curso intensivo de reeducação alimentar, não importando a quantidade de peso perdida”, afirma o endocrinologista Walmir Coutinho, presidente da Associação Brasileira para Estudos da Obesidade (Abeso). É importante saber, porém, que uma empreitada assim não é fácil. Afinal, ninguém muda de hábitos da noite para o dia. Mas não é preciso estar sozinho. A força e a orientação podem vir dos próprios médicos. A maioria está aposentando a velha mania de despejar dietas prontas para os pacientes e até a Abeso lançou a campanha Dieta Não.

Foi com a ajuda de seu endocrinologista que a advogada carioca Erika Valente, 31 anos, emagreceu 15 quilos. “Aprendi estratégias. Hoje peço pizza de mussarela em vez de calabresa e, em restaurantes, se desejo comer um doce de sobremesa, dispenso o couvert e escolho um prato light”, diz. “Recuperei minha auto-estima e voltei a usar biquíni.” Outro profissional que está cada vez mais em evidência é o nutricionista. Ele pode ajudar muito nas mudanças do cardápio. “Tentamos introduzir mudanças possíveis de ser realizadas dentro da vida das pessoas”, explica a nutricionista Lisia Kiehl, de São Paulo. Essas alterações têm como objetivo adicionar qualidade no que se come e subtrair quilos quando é preciso. Para isso, é necessário fazer uma distribuição de calorias na medida certa. “Cuidei de uma adolescente que queria emagrecer e, de manhã, tomava apenas um iogurte dietético. Expliquei que ela poderia comer sucrilhos. O olho dela brilhou. Com uma distribuição equilibrada de calorias ao longo do dia, ela emagreceu”, descreve a nutricionista paulista Márcia Vitolo. O processo dá certo até com crianças. O menino Gustavo Muniz, três anos, perdeu dois quilos em quatro meses – hoje está com 20 quilos. O garoto e toda sua família contaram com a assessoria da nutricionista Márcia Urbano.

Uma de suas primeiras providências foi pedir que diminuíssem o tamanho do prato em que Gustavo costumava comer. “Também diminuímos a quantidade de bife e aumentamos as refeições com carne refogada”, conta a mãe, Giselda Muniz.

Vantagem – A reeducação tem outra vantagem sobre as dietas. Ela não implica uma contagem ínfima de calorias. A idéia de que quanto menos, melhor está sendo duramente combatida pelos especialistas. No mês passado, um estudo realizado na Inglaterra com 100 mulheres demostrou que dietas rígidas, de 300 a 600 calorias por dia, levaram 68% das mulheres à depressão e provocaram déficit de 30% de memória em todas. E não é só. As dietas rigorosas ainda são responsáveis pelo efeito sanfona (engorda-emagrece-engorda). “Após regimes drásticos, as pessoas deixam de queimar até 700 calorias por dia. Isso porque perderam massa muscular, fundamental para o metabolismo eliminar o que é ingerido”, explica Linneu Amaral Silveira, médico do Hospital Sírio Libanês, de São Paulo. “A cada dez dias, portanto, elas deixam de queimar sete mil calorias, o que corresponde a um quilo de peso. E isso se prolonga por dez meses”, completa. De fato, já está provado que deixar de comer não é a melhor escolha. Uma pesquisa inglesa informa que as pessoas que tomam um bom café da manhã acumulam menos gordura do que aqueles que cabulam a refeição. O motivo é óbvio: os que saem de casa sem comer beliscam mais porcarias durante o dia.

Associada ao exercício físico, a reeducação tem resultados ainda melhores. A fórmula serviu como uma luva para o comerciante carioca Ildovan Gomes de Almeida, 37 anos. Com 128 quilos e 1,75m, ele mudou os hábitos depois que o irmão de 38 anos, obeso como ele, morreu vítima de um infarto fulminante. Como já tinha tentado fazer dietas por conta própria sem sucesso, Ildovan procurou o Instituto Estadual de Diabetes e Endocrinologia do Rio de Janeiro. Em quatro meses chegou a 100 quilos e ainda deverá emagrecer mais até alcançar os 80. “Acostumei a comer melhor, inclusive frutas. Não ponho mais linguiça nem carne-seca no feijão e passei a caminhar”, conta. Estudo recente realizado na Holanda confirma a importância de colocar o corpo para se mexer. “Cerca de 90% dos obesos que perderam peso sem atividade física voltaram a engordar depois de quatro anos”, revela Silveira. Para manter a forma, todo movimento é bem-vindo. A atriz Isadora Ribeiro, 34 anos, mantém o corpo escultural fazendo bicicleta ergométrica, body pumping (mistura de aeróbica e musculação) e transport (uma variação do step) pelo menos três vezes por semana. Além disso, ela também segue o bom senso na hora de comer. “Adoro gordura. Mas diminuí a quantidade e me permito comer mais de alimentos como queijo e churrasco no final de semana. Nos outros dias, prefiro legumes”, diz.

Genética – É verdade, porém, que nem toda obesidade é provocada apenas por gula. O distúrbio tem outras causas, como o stress, que libera no organismo o cortisol (hormônio que favorece a deposição de gordura no abdômen), além de levar suas vítimas a comer mais por pura ansiedade. E não se pode esquecer, é claro, da força da genética. Estima-se que, em média, 30% das causas da obesidade sejam culpa de genes defeituosos que induzem ao acúmulo de gordura ou aumento de apetite, por exemplo. Cabe ao médico verificar até que ponto a genética influencia na obesidade de seu paciente. Ele checa isso a partir de três perguntas: quantos parentes próximos (pai, mãe e filhos) são obesos, qual o grau de dificuldade para emagrecer – o que reforça o quanto os genes estão impondo a sua vontade. E, finalmente, a idade em que começou a ganhar peso (quanto mais cedo, maior a propensão).

Para tentar acabar com a interferência dos genes, os cientistas estudam saídas. Uma delas é conseguir consertar o gene de maneira que ele passe a funcionar corretamente. Esse conserto pode ser feito por meio de mecanismos de engenharia genética capazes de reparar o erro na sua origem. Outra forma é não agir na estrutura do gene, mas sim nas substâncias produzidas por ele. Quando o gene tem defeito, tudo o que ele produz estará em desequilíbrio. É como se uma máquina preparada para fabricar refrigerante tivesse um problema na engrenagem e produzisse a bebida em quantidade insuficiente. Mas, se o fabricante não tem peças para reparar a máquina, a solução é, de alguma forma, aumentar o estoque da bebida.

Defeito – De certa maneira, é o que se está tentando fazer para diminuir os estragos provocados por pelo menos um gene imperfeito. O ser humano possui no seu material genético um gene responsável pela produção da leptina, um hormônio fabricado pelas células gordurosas que diminui o apetite e estimula a queima de gordura. Nos obesos, o gene está defeituoso e, por isso, a substância não é tão eficaz quanto deveria. Acredita-se, por isso, que uma suplementação corrigiria o problema. Laboratórios como o Eli Lilly e Roche já estão testando a substância em ratos e os resultados têm sido positivos. “Ainda está em estudo a deficiência de leptina em humanos. Mas foram relatados casos de famílias com o problema que emagreceram com a suplementação da substância”, explica o endocrinologista Marcello Bronstein, da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.

Felizmente, há grande chance de a leptina estar no mercado dentro de cinco anos. Será mais um marco em uma frente contra a gordura que só acumula avanços: a dos remédios para emagrecer. Hoje, eles têm cada vez menos efeitos colaterais e se voltam para perfis específicos de obesos. O orlistat Xenical, por exemplo, é indicado para quem tem alimentação rica em gordura, mas não é o tipo de gordo que belisca o dia inteiro nem come em quantidades exorbitantes. Outro medicamento importante, a sibutramina (Reductil e Plenty) atua no sistema nervoso central e funciona melhor naqueles obesos que têm compulsão pela comida. Desde que foram lançados no País, em maio do ano passado, os dois remédios venderam aproximadamente um milhão de unidades.
Mas promessas da indústria farmacêutica não param. Dentro de poucos anos, deverão estar disponíveis outras opções (leia quadro à pág. 118). Os inibidores do neuropeptídeo Y são uma delas. O nome assusta, mas é fácil entender seu mecanismo. O neuropeptídeo Y é uma das substâncias que fazem a comunicação entre os neurônios e pode ser considerado o principal estimulante da fome. Se ele for bloqueado, portanto, ela desaparecerá. E o que os laboratórios estão procurando é justamente uma droga capaz de desativar o neuropeptídeo. “Uma outra esperança é o desenvolvimento de drogas que consigam superar o problema de quem tem metabolismo lento, como o caso do obeso que come pouco e mesmo assim não emagrece”, informa Bronstein. “Já existe a efedrina, mas ela tem tantos efeitos colaterais que está proibida. O que está se buscando é uma droga com ação específica sobre a queima de gordura. São as chamadas agonistas beta-3, também em testes experimentais em ratos”, completa o endocrinologista.

Os remédios, no entanto, favorecem 30% da população acima do peso. Os outros 60% emagrecem apenas com reeducação alimentar e exercício. Os 10% restantes são casos graves denominados de obesidade mórbida ou severa – o paciente supera em cerca de 45 quilos seu peso ideal e passou por tratamentos clínicos fracassados. Para esse quadro a solução em 99% das vezes é a cirurgia para redução de estômago. A técnica mais recente é feita por laparoscopia, sem a necessidade de cortar a barriga. O médico coloca uma espécie de cinta na parte alta do estômago e assim diminui a capacidade do órgão de receber alimentos. Dessa forma, o estômago se enche com uma quantidade mínima de comida. A técnica diminui em até 25% o peso do paciente. Uma pessoa com 110 quilos, por exemplo, desce para 80 na balança.

Vida nova – Para quem deseja perder ainda mais peso, a cirurgia convencional é, no entanto, a mais eficaz. “Preferida por 75% dos especialistas, ela reduz a capacidade do estômago para apenas 3% e permite a perda de, no mínimo, 40% do peso original em cerca de 18 meses”, diz José Carlos Pareja, chefe do serviço de cirurgia da obesidade da Universidade de Campinas e da Beneficência Portuguesa de São Paulo. Com a cirurgia, a empresária Leila Brasileiro Procópio, 46 anos, passou a comer menos e emagreceu 44 quilos em seis meses – está com 77 quilos bem distribuídos pelo seu 1,70m. Mais do que isso, ela ganhou uma vida nova. O coração não chega mais à garganta toda vez que sobe uma escada. Sem contar o afago na auto-estima. “Estava uma bola, só cabia em batas indianas. Agora, meu manequim é 44. E não tem nada melhor para um gordo do que entrar nas roupas antigas, que a gente guarda na esperança de um dia voltar a vestir”, diz. Se depender dos avanços da ciência aliados à sabedoria da reeducação alimentar, muita gente também insatisfeita com o espelho vai poder comemorar. Para sempre.