Numa época em que São Paulo desfrutava de mais delicadeza e elegância e muito menos violência e sujeira, a Galeria Prestes Maia – que liga a praça do Patriarca ao vale do Anhangabaú, no centro da capital – abrigava o ano inteiro um cinematográfico presépio napolitano de 1.620 peças datadas do século XVIII, com tamanhos entre 15 e 50 centímetros, feitas de terracota e madeira e esculpidas por alguns dos mais tradicionais artistas italianos. A preciosidade foi doada à cidade em 1949 pelo industrial Francisco Matarazzo Sobrinho, o célebre Ciccillo, permanecendo na galeria até 1952 quando saiu de lá para dar lugar a uma então moderna escada rolante. Ao longo das décadas, a relíquia foi sendo transferida de vários locais até ser encaixotada e ficar distante dos olhos do público por 14 anos. Mas agora, graças ao empenho de Mari Marino, diretora do Museu de Arte Sacra de São Paulo, o presépio ganhou uma casa definitiva. A partir do sábado 18 estará aberto à visitação num anexo da entidade.

Para receber a obra de arte, o museu construiu numa área de 110 metros quadrados um cenário que reproduz com perfeição uma aldeia napolitana do século XVIII. A empreitada consumiu R$ 450 mil. No local estão espalhadas as miniesculturas representando vendedores ambulantes, animais, dançarinos de tarantela, camponeses e atores que compunham a rotina da aldeia, todos retratados com espantoso realismo. Algumas roupas são originais, incluindo acessórios em ouro. Também esbanjam detalhes como luminárias de prata, ferramentas de trabalho e até quadros nas paredes das casas. Durante os dois anos em que Mari esteve dedicada ao projeto, ela chegou ao preciosismo de contratar uma astrônoma, que, através de estudos, reproduziu o céu da região de Nápoles. As grandes atrações do presépio, no entanto, são a Sagrada Família cercada de anjos, pastores e músicos, e os três reis magos que, juntos às outras peças, compõem um exemplar único do gênero no mundo, mais abrangente ainda que os dois grandes conjuntos atualmente expostos no Museu de Nápoles e no Metropolitan de Nova York.

O cuidado na produção do cenário descartou qualquer material que pudesse desprender gases tóxicos e assim afetar as imagens. Usou-se, então, o stayrofan, parecido com o isopor, que passou por análises no Centro de Conservação e Restauro da Universidade Federal de Minas Gerais (Cecor). Na relação de minúcias, o museu montou uma miniindústria para a produção de revestimentos de gesso e tijolos que funcionaram como materiais complementares. O processo é mostrado num making-of que acompanha a exposição. A curiosidade maior, contudo, foi um detalhe imprescindível apurado durante as pesquisas da origem das peças. Descobriu-se que o Menino Jesus das montagens anteriores não era o verdadeiro. O autêntico aparecia numa cena coadjuvante, nos braços de uma camponesa que registrava o filho na presença de um escrivão. Todos agora estão nos papéis certos.


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