Abram alas para o bumbum da vez. O Carnaval 99 usa máscara, chicote, tamancos e possui uma legião de sobrinhos cheios de segundas intenções. A suave sadomasoquista Tiazinha, interpretada pela atriz-modelo Suzana Alves no programa H da Rede Bandeirantes, surpreendeu o Brasil masculino com sua cor trigueira, corpo escultural e um pandeiro nota 10. Virou musa da folia. Mesmo sem saber sambar. Com 16 anos de balé nas costas, ela confia no seu taco, ou chicote, e avisa às velhas-guardas que não decepcionará quando pisar no sambódromo às oito da noite de segunda-feira. "Um dia de ensaio basta. As mulatonas me ensinam", diz a morena, neta de índia, filha de paraibanos, 20 anos de idade, estudante de Jornalismo e madrinha de bateria da Tradição. A menina é um fenômeno e desbancou o império das nádegas baianas, prejudicado pelo deslize da imperatriz Carla Perez, que agrediu a língua portuguesa no SBT e perdeu o rebolado desde que saiu do É o Tchan! Apesar de o desejo transbordar pela lingerie decotada presa por cinta-liga, Tiazinha também faz sucesso com a criançada. Na volta às aulas, um milhão de cadernos com sua foto invadirão as salas de aula. E é a fantasia da personagem que dá mais ibope neste Carnaval.

Tiazinha, ou Su para os íntimos, Narizinho para os colegas de primário e Violeta na capoeira, não quer ser vista apenas como uma "bunda mascarada", conforme definiu o dramaturgo Mauro Rasi. "As pessoas precisam conhecer o meu outro lado." O lado da frente? Perguntaria algum gaiato. Su responde candidamente. "O lado da amizade, do não às drogas, do cuidado com o corpo e do amor à família. Não sou do mal." Ela se emociona ao falar dos planos de comprar uma cobertura no bairro de Perdizes, em São Paulo, para morar com os pais. Seu Geraldo e Dona Lúcia trocaram o Nordeste pela metrópole há 23 anos. Enquanto ele trabalhava na indústria, ela cuidava dos filhos Gerlúcio, Suzana (homenagem à atriz Susana Vieira) e Felipe. Consciente do que representa no imaginário adolescente, Tiazinha sabe que já nasce com os dias contados. "Um dia tudo isso acaba. Vou explorar a fama ao máximo e seguir meu caminho profissional", planeja, sabendo que mais cedo ou mais tarde a máscara cai. O futuro é uma encruzilhada: atriz, apresentadora de um programa ou jornalista.

 

E as feias? Num Carnaval cheio de enredos encomendados e escolas endividadas, a maior atração é a funcionária bunduda da Bandeirantes. Vai ser difícil convencer os câmeras das outras emissoras a desviarem o foco da moça, que sambará de chicote ao lado de outras três beldades menos badaladas. Roseane Pinheiro, da Gang do Samba, Alessandra Scatena, "secretária" de Gugu Liberato, e a ex-paquita Adriana Bombom. Apesar da assumida condição masculina, o sambista João Nogueira diferencia carne de ritmo. E critica: "O Carnaval também é uma festa das feias, gordas e magrelas. Prefiro as mulatas que não aparecem na tevê e nem usam máscara." Este purismo foi expulso dos barracões há tempos. Neste ano, o pagodeiro bonitão Alexandre Pires tentou ajudar o sambista Jamelão a puxar o samba da Mangueira, mas se conformou em ser destaque. Já Neguinho da Beija-Flor dividirá o microfone com Belo, do grupo Soweto. No quesito bateria, novidades. A batida afro da Viradouro e o aquecimento católico do Salgueiro, na concentração, com músicas do padre Marcelo Rossi.

A eleição de Tiazinha para musa do Carnaval desagradou um especialista em mulher bonita e vinhetas. Hans Donner, marido da globeleza Valéria Valenssa, desabona a mascarada. "Não é um símbolo nacional como Valéria, que passa uma sensualidade saudável, tem um design perfeito e representa a brasileira", teoriza. Nem a ascendência indígena e nordestina da nova musa o impressiona. "O papa João Paulo II se encantaria ao ver Valéria, pois ela tem classe e não explora o lado sexy, e desaprovaria o visual da Tiazinha", alucina o gringo. Do outro lado da pataca, o loirólatra Fausto Fawcett se rende às chicotadas: "Com fenômeno não se discute. Tiazinha é uma delícia popular com sensualidade brejeira e libido indumentária", compõe. "É uma morena na jugular da mídia loira", conclui. Já a cantora Angêla Rô Rô credita à depilação, promovida por Tiazinha em adolescentes babões, o segredo do sucesso. "Ela é uma gracinha e juro que não acho isso por causa da bunda. O grande lance é a cera… O fator depilatório. O sonho sádico que antes só era realizado por prostitutas."

Vaidosa, a ponto de se atrasar até que a maquiagem e os cabelos estejam perfeitos, Suzana Alves encanta pela simpatia e humildade, mas já anda saboreando a vida de popstar. No Rio, pegou emprestado o personal trainer, ou babá de marmanjo, da colega Susana Werner e brincou de estrela. Tião Rodrigues a acompanhou na malhação diária e até fazia o prato da pós-adolescente, picando frango e temperando saladas. Mas Tiazinha avisa, numa metáfora inconsciente. "Não gosto de milho!" Acostumada a carnavais calmos em Maresias, no litoral paulista, e virgem em desfiles, Narizinho não teme encarar o sambódromo. "Fui bem recebida no Rio, apesar de ser paulista", agradece.

 

Elogios obscenos Sua preocupação é evitar a vulgaridade da personagem e virar sinônimo de um país cujos valores morais estão de cabeça para baixo. Quem filtra os trabalhos é seu empresário Luiz Paulo Simonetti, o LP, que também dirige o programa H. A fiel escudeira é a jornalista Angela Karam, que cuida da agenda e não desgruda do pé da moça. Atrevidinhos são rechaçados pela própria Suzana. Ela até gosta dos elogios obscenos nas calçadas, porém, num show no interior, um siderado bolinou o seu maior patrimônio. Levou um chicotada na cara. Não é muito fácil achar o limite do bom gosto e da vulgaridade. No hit Uh, Tiazinha, composto por Vinny Mexe a cadeira, e já gravado pela protagonista, o refrão é Uh Tiazinha/ Mexe essa bundinha e vem/ Uh Tiazinha/ Mexe aqui pra mim também. (leia letra ao lado) A entonação da nova cantora está mais para os gemidos de Jane Birkin em Je t´aime moi non plus do que Fernanda Abreu em Rio 40 graus. Puro sexo.

Apesar de ligeiramente evangélica, a ponto de saudar seriamente uma brincadeira no final da sessão de fotos – "Sangue de Jesus tem poder", bradou o fotógrafo. "Isso mesmo!", ratificou ela –, Tiazinha tira muita gente do sério. "Ela é maravilhosa! A conheci em 1996. Se eu soubesse, tinha casado! Não é um botijão de celulite como as outras!", elogia o ator David Cardoso Filho. O pai, galã de pornochanchadas, é mais técnico: "A tevê aumenta as pessoas. Ela está para a Vera Fischer como eu estou para o Marlon Brando. Mas, como fêmea, é um fenômeno nacional." É o x da questão. No papel, Suzana Alves é mais uma bela garota nacional. "Ela é normal, bonita como outras. Qualquer bonitinha de lingerie arrebentaria", analisa o ator André Marques, o Mocotó de Malhação. Para outros, só Suzana seria capaz de estourar. "Não é acaso. Minha filha de oito anos curte. Tem estrela, se fosse fácil haveria várias Tiazinhas", contra-ataca a modelo e policial Marinara. Para a tira loira, é a briga da sensualidade contra a sexualidade das dançarinas de axé. "Quero um chicote desse! Não preciso mais de pistola."

A febre Tiazinha não acaba no Carnaval. A não ser que ela erre a letra do samba, leve um tombo na avenida ou comece a namorar um acéfalo. Em março, a Playboy prepara a tiragem recorde de 1,3 milhão de exemplares com o pedaço de mau caminho na capa e mais 30 páginas de fotos feitas em Los Angeles. Enquanto ainda dá para andar nas ruas, Suzana segue explorando a marca, tomando vitaminas Myoplex morango, mastigando muita rúcula, evitando refrigerantes, dando bicadinhas eventuais num bom tinto e, sempre que dá, devorando uma tigela de açaí. "Com banana picadinha por cima." Para ela, o segredo do próprio sucesso é seu bom gosto e o conceito da personagem. "O mito da menina-mulher seduz", diz a pós-Lolita. Atenta, a Rede Globo a convidou para participar de um Você decide. Recusou por causa da Band. As últimas fofocas a escalaram em Malhação. "O programa não é mais o que era", analisa, polidamente. Em São Paulo, frequenta aulas de teatro e fonoaudiologia. A máscara, por enquanto, não será aposentada. Também pudera. "A máscara me excita, eu incorporo mesmo. E fico toda arrepiada". Ui.

Samba no pé Bumbo do mundo, o Carnaval carioca incorporou o espírito Tiazinha. No tradicional bloco Suvaco de Cristo, adolescentes mascaradas sambavam no Jardim Botânico. A folia resistiu à crise financeira e aos temporais que despencaram no Rio. Muitas escolas penaram para garantir um desfile digno. Pegos pela desvalorização do real, empresários e políticos que posaram de mecenas saíram pela tangente na hora H. A tradicional Portela homenageia a Minas Gerais de Itamar Franco e ficou sem os esperados R$ 300 mil. O Império Serrano, com o enredo Uma rua chamada Brasil, tentou patrocínio de lojistas da rua 46 de Nova York. No way.

Pela primeira vez em muitos anos, fantasias encalharam e foram distribuídas nas comunidades. O súbito temporal destelhou barracões e estragou parte do trabalho de seis meses. "Não vamos fazer feio", garante o carnavalesco do Império Serrano, Mario Borrielo. A alegria vai ancorar na passarela de qualquer maneira. O Carnaval 99 promete ser dos mais inovadores. A Mangueira desfila na segunda homenageando o primeiro século do samba e resolveu arriscar néon em alguns carros. A Beija-Flor, que dividiu o título do ano passado com a verde-rosa, conseguiu ajuda financeira de empresários da cidade mineira de Araxá, tema do enredo. Interessados em promover a região, os conterrâneos de Dona Beija, a Tiazinha do Brasil Colônia, abriram a mão e deram R$ 350 mil. Com a família Andrade mandando cada vez menos, a Mocidade Independente de Padre Miguel inova e rende homenagem ao compositor Heitor Villa-Lobos. Em pleno sambódromo, uma orquestra de cordas em cima do segundo carro alegórico vai emoldurar a vida do maestro, encarnado pelo ator Marcos Palmeira. Mas o carioca não se guarda apenas para a Marquês de Sapucaí. O Carnaval de rua renasceu de vez. São mais de 25 blocos oficiais, e a cada ano surgem outros. Só o Xaranga 3D sai nos três dias de Carnaval capitaneado por Moreno, filho de Caetano Veloso. Domingo, o bloco Simpatia é Quase Amor repete a dose do sábado 6 e volta a reunir boa parte da boêmia carioca, comemorando o seu 15º aniversário. As "tiazinhas" vão ter muito o que fazer fora do sambódromo. Esquindô.

Colaborou Clarice Meireles
Produção Daniela Oliveira. Maquiagem e cabelos Dinéa Lemos. Fantasia Kiko Alves

 

Sadomasô milionário

Dona da marca Tiazinha, cujo faturamento para 1999 está previsto em R$ 30 milhões, Suzana Ferreira Alves ganha em média R$ 200 mil mensais. Seus shows, antes R$ 1 mil por uma hora de remelexo e chicotadas, custam R$ 15 mil, mas ela já avisou que não vai a despedidas de solteiro. A meta é triplicar o valor depois da gravação do primeiro CD, pela Sony. Tiazinha nasceu em maio de 1998, de uma idéia do apresentador Luciano Huck que se revelou genial. A criatura engoliu o criador e em menos de um ano é a mulher mais requisitada do Brasil. Marcos Saraiva, responsável pelo licenciamento da marca, cuja dona é Suzana, tem a explicação na ponta da língua: "Todo mundo teve uma tia gostosa na vida. A mistura sensual-masoquismo-game alucinou a molecada." Já foram lançados calcinhas, sutiãs, meias finas, tamancos infantis, sapatos salto 10 para adolescentes, cadernos com a capa em alto-relevo e um pirulito-coração. Negociam-se uma história em quadrinhos e um CD-ROM. Outros produtos estão sendo estudados.

O cachê para ficar peladona girou em torno de R$ 150 mil mais participação nas vendas, algo perto de R$ 0,70 por revista. Se vender 1 milhão de exemplares, Suzana embolsa R$ 700 mil. Dona de uma Palio Weekend, ela já sonha com um Mercedes conversível e uma caminhonete para a mãe. O pai, Geraldo, foi escalado para cuidar de uma loja que ela pretende abrir em São Paulo. Só o coração da bela é que está na poupança. "Estou com medo de namorar". De qualquer maneira, como não quer nada, ela dá a receita. "Não precisa ser bonitão. Mas tem que ter bundinha". Os opostos não se atraem.

 

Uh, Tiazinha!
Autor: Vinny
Inédita

Ela vem cheia
de amor pra dar
Ela faz todo mundo delirar
Ela tem um jeito de provocar
Bole que bole, menina
Bole que mole que dá.

Ele vem cheio de tara no olhar
Ele tá querendo me devorar
Ele dá bandeira sem se tocar
Bole que bole, menino…

Eu vou te fazer suar, aha
Eu vou te fazer tremer, aha
Eu vou te fazer pirar, aha

Eu vou te mostrar, menino
Tudo o que você quer ver!

Uh, Tiazinha!
Mexe essa bundinha e vem
Uh, Tiazinha!
Mexe aqui pra mim também

Pira, pira, pirou
Pira, pira que pirou!!!

 

 

Carnaval omelete
Caramuru, Braguinha, Monica Lewinsky, Grace Jones entram na folia-liquidificador dos 450 anos de Salvador

 

ANGÉLICA WIEDERHECKER E MARCELO MIN (FOTOS), DE SALVADOR

Na geléia geral do Carnaval baiano tudo é permitido. Não causa espanto encontrar a perfomática cantora americana Grace Jones encarapitada num trio elétrico. Surpresa não haverá também se Margareth Menezes, uma das puxadoras da folia soteropolitana, animar a multidão ao lado da bossa-novista Leila Pinheiro e do percussionista Hermeto Paschoal. Ou ainda se Carlinhos Brown misturar Lamartine Babo, Peninha, Arnaldo Antunes e Braguinha sob um ritmo marcado por mais de 300 músicos e ritmistas da Timbalada. Ser um liquidificador cultural, aliás, é uma sina de Salvador. Prestes a completar 450 anos, a cidade aquece os agogôs para um Carnaval com cara de aniversário, em que a mistura de raças é o tema central. "Este é o Carnaval mais omelete man de todos os tempos porque engloba todas estas questões de raça. Estamos celebrando o Brasil, o final de século e este resultado que é a miscigenação", diz Brown, em referência ao nome de seu último disco.

Na decoração do Pelourinho, quatro mil toneladas de ferro e 480 metros de tecido foram consumidos na confecção dos 12 bonecos gigantes que representam índios, negros e brancos. À frente da Fundação Cultural Casa de Jorge Amado, singra uma caravela de 16 metros de altura com o fundador da primeira capital brasileira, o navegador português Tomé de Sousa. Ao lado da embarcação, a índia Catarina Paraguaçu, mulher de Caramuru, apelido do aventureiro português Diogo Álvares Correia, que passou sua vida entre os índios após o naufrágio de seu navio próximo à costa da Bahia.

Para confirmar a tese de que em Salvador mistura pouca é bobagem, o próprio Brown conta que por pouco não trouxe um ícone da música negra, o soul man James Brown, para a Timbalada, bloco fundado e comandado pelo baiano desde 1994. A débâcle do real inviabilizou o contrato, mas uma nova tentativa será feita no ano 2000, garante Brown, que foi condenado a desembolsar R$ 1.950 neste Carnaval, valor da pena imposta pela Justiça porque ficou nu durante um show sobre o trio elétrico, na Quarta-feira de cinzas de 1998. A folia começa a pipocar pelo menos dez dias antes do sábado de Carnaval e a variedade é tão grande que é difícil escolher. "O Carnaval de Salvador é uma festa que está crescendo, mudando, muitas novidades estão acontecendo, acho que é isso que atrai as pessoas de outros lugares", diz Armando Macêdo, o Armandinho, que comanda uma das tradições do Carnaval, o trio de Dodô e Osmar, primeiro a sair pelas ruas, no início da década de 50. O guitarrista diz viver até hoje a agonia de não saber se conseguirá fazer o desfile porque seu trio é independente e não tem o cortejo de um bloco, com esquema comercial de venda de "abadás" (camisetas que funcionam como ingresso).

Há o desfile dos blocos organizados no circuito chamados de tradicional (Campo Grande-Praça da Sé) e alternativo (Barra-Ondina) onde se sacodem os turistas, dentro de um cordão sanitário, embalados por 130 decibéis de música. É onde os ídolos mais comerciais da música baiana, como a musa do momento, Ivete Sangalo, Daniela Mercury, Netinho e o grupo É o Tchan dão o ar da graça. Este ano, um dos mais badalados será o InterAsa – fusão do tradicional Internacionais com o Asa de Águia –, cujo abadá já estava esgotado a mais de uma semana do Carnaval e era negociado no câmbio negro momesco por mais de R$ 1mil. O bloco Eva também está entre os mais disputados já que Ivete Sangalo fará sua despedida da banda que a projetou nacionalmente. A disputa é grande para saber quem vai conseguir os seus 15 minutos de fama nos faustões e gugus da vida. Este ano, desponta como possibilidade de sucesso que vai ficar para muito além da quaresma o hit O pinto do meu pai, do ainda pouco conhecido grupo Raça Pura, com letra de duplo sentido e coreografia pélvica, ambas de gosto bastante duvidoso. Apesar de muita gente torcer o nariz para a faceta mais rentável da música da Bahia, gente que tem todo o respeito na terra já faz um discurso mais conciliador. "Cada um sai na sua, há espaço para tudo", concede Gilberto Gil, num discurso em favor da pluralidade quando indagado sobre o É o Tchan. "Sempre fui um pouco Dorival Caymmi, João Gilberto, funk e jazz. Bom é deslocar-se dentro da tradição, sem se deixar sufocar por ela, renovar, correr riscos. O tropicalismo foi isso."

Há também blocos alternativos, como os afro Olodum, Ilê Ayê e Muzenza, que preservam traços originais da cultura local. "Somos os melhores em percussão e nossa saída na ladeira do Curuzu é um dos points da negrada", diz o carnavalesco Antônio Carlos Vovô, presidente do Ilê. No Pelourinho, bandinhas circulam tocando marchinhas tradicionais e há a saída do afoxé (grupo que desfila ao ritmo do candomblé) Filhos de Gandhy, que festeja seu cinquentenário este ano. "Para mim, o Gandhy é uma das imagens fortes da Bahia, como as lotações da Liberdade (bairro negro de Salvador), as famílias do terreiro de Jesus e o Bahia Esporte Clube). Sua magia estética tem ligação com a África profunda", teoriza Gilberto Gil, que saiu no bloco pela primeira vez ao sete anos de idade. Exclusivamente masculino, o bloco deve sair este ano com mais de oito mil integrantes. Criado pelos estivadores do porto baiano, os foliões saíram pela primeira vez em fevereiro de 1949 enrolados em lençóis. "Muitos vinham dos bordéis frequentados pelos colegas no baixo meretrício", conta o estivador aposentado, Manoel José dos Santos, 80 anos, um dos fundadores do bloco. No batuque inspirado nos pontos cantados em terreiros de candomblé, eram usadas até mesmo caixas de bacalhau.

Não é de hoje que as invencionices do Carnaval da Bahia vêm ganhando espaço e arrastando multidões para as ruas de Salvador. Seja como for, as combinações heterodoxas já garantem cifras respeitáveis à Bahia. Estima-se que a cidade receba 850 mil turistas em fevereiro e a receita gerada seja de US$ 58,7 milhões. Muitos vêm trocando o brilho das fantasias das escolas de samba na Sapucaí pelo pula-pula frenético atrás dos trios elétricos. "Aqui o Carnaval é mesmo de rua, todo mundo participa e tem muita coisa rolando", diz a estudante uruguaia Micaela Perez, no burburinho das ruas onde circulam milhares de turistas estrangeiros, ávidos para conhecer a batida da Bahia. "Eu não entendia esta coisa de Carnaval até estar atrás de um trio elétrico. Essa música não é para se escutar, é para viver", diz o músico francês Jean Paul Charles, que abandonou sua vida em Paris e mora há quatro anos em Salvador. Charles toca profissionalmente no Solar do Unhão, onde funciona o Museu de Arte Moderna. Seu repertório, voltado para o jazz e o blues, também tem lá o seu público, embora bem mais comportado. Na mistura soteropolitana, tudo tem o seu lugar.

 

Puxada de Clinton
Autor: Carlinhos Brown
Inédita

Não pode parar,
não pode parar…
Aqui em Salvador
não tem crise,
Não tem Mônica
E não existe Levinsky

Quando a bolsa tá baixa
Dá de cara com o cinto / Danço,
balanço e brinco… / Quem jogou
lá pra baixo / Foi puxada de Clinton /
Danço, balanço e brinco… / É que
o som do atabaque / Tá com cara de
quinto / Danço, balanço e brinco…
Quando findar a farra / Vou pra casa com
cinco / Danço, balanço e brinco… / Eu quero
é bumbo, bum bum… / (não pode parar) /
Solte o seu corpo pra relaxar / Bote a mão no
ombro do outro e comece a apertar / No clima da
massagem… (não pode parar) / Não vale
sacanagem… (não pode parar) / Aperta, aperta,
aperta! (ôôi…) / Aperta, aperta, aperta!
(Mônica…) / Aperta, aperta, aperta! (Muauia…)

 

O que eles acham imperdível em salvador

ARMANDINHO
O encontro de trios elétricos na praça Castro Alves, que vai até a manhã da Quarta-feira de cinzas. Esta é a imagem mais marcante do Carnaval da Bahia

CARLINHOS BROWN
Apaches do Tororó, bloco de índios

Passagem da Caetanave, cópia do trio de design futurista feito para receber Caetano do exílio, em 1972

GILBERTO GIL
Bandinhas com um repertório à moda antiga no Pelourinho

Blocos afro como Muzenza e Ilê Aiyê

Cinquentenário dos Filhos de Gandhy