Contos sem Reis – Laercio Redondo/ Casa França-Brasil, RJ/ até 5/5

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ECOS
Instalação "Venda" é um jogo de memória falsa

Em 1816, o artista Jean-Baptiste Debret desembarcou no Rio de Janeiro com a Missão Artística Francesa. Advindo de uma sociedade revolucionária, encontrou aqui uma sociedade de escravizados e colonizados. A serviço de uma história oficial, porém, sua crônica visual da vida social do brasileiro não chegou a exprimir a violência e humilhação a que essa sociedade foi submetida. Cem anos depois, durante a reforma urbana das primeiras décadas do século XX, crescia no centro da cidade uma menina nascida em Portugal, que aprendeu a cantar, a representar e que nos anos 1930 se tornaria a caricatura de um Brasil exótico. Pensar Debret e Carmen Miranda em 2013 é pensar a imagem de um Brasil revestida pelo gosto estrangeiro. Uma pauta atualíssima, afinal, no momento em que o Rio passa por sua segunda grande reforma urbana e o Brasil lapida sua imagem internacional.

“Contos sem Reis”, individual de Laercio Redondo na Casa França-Brasil, revolve camadas de histórias produzidas em 200 anos. Concebida para o edifício inaugurado por dom João VI em 1820 e considerado o mais importante exemplar neoclássico da cidade, a exposição realiza uma espécie de arqueologia cultural do Rio. A mostra é constituída por três núcleos, que funcionam como capítulos da história revista por Laercio Redondo. No salão central, “Ponto Cego” é um prólogo que insinua o ponto de vista sob o qual a história será contada. Composta por um espelho côncavo, um texto poético difundido por caixas de som e uma construção de madeira vazada, onde se lê a palavra revolver, a instalação anuncia que os atos de examinar, espelhar e reverter serão as ferramentas do artista nessa exposição. As salas laterais da casa estão ocupadas por instalações que interpretam o Rio de Debret e Carmen Miranda e ecoam a cidade contemporânea que pulsa lá fora. Debret está representado por quatro trabalhos interligados. Entre eles, “Venda” se apropria de suas gravuras de vendedores de rua. Na obra de Redondo, os retratos dos personagens oitocentistas são contrapostos a fotografias que o artista tirou de vendedores ambulantes das praias do Rio, criando um “jogo de memória falha”, segundo sua definição. Já a gravura de Debret intitulada “Entrudo” (tradição pré-carnavalesca introduzida no Brasil pelos portugueses), que apresenta uma vendedora de fruta mascarada, é a deixa para a sala dedicada à “pequena notável”, que se celebrizou com um arranjo de frutas na cabeça e viveu a poucos quarteirões dali, na Travessa do Comércio, número 13. “Carmen Miranda: Uma Ópera da Imagem” é uma natureza-morta em forma de instalação. A obra suspende no ar, em delicados móbiles, contas, flores, folhagens e todos os signos de um Brasil exótico. Aqui, Laercio Redondo consagra a relação entre o turbante de Carmen e o trompe d’oeil que transforma as falsas colunas da Casa França-Brasil em mármore.


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