Avida do adolescente H. A. M. se resumia a trabalhar – entregava marmitas de bicicleta para um restaurante –, frequentar aulas de uma turma do ensino médio e respirar Corinthians. Aos 17 anos, o jovem era, havia dois, sócio da organizada Gaviões da Fiel, do time paulista. Ele ia aos estádios, a eventos na sede da torcida e saía em caravana para ver os jogos. Depois de assumir ter disparado o sinalizador que matou o boliviano Kevin Spada, 14 anos, na partida entre Corinthians e San José, em Oruro, na Bolívia, na semana passada, a sua vida virou de cabeça para baixo. Ele deixou sua casa na periferia de Guarulhos, na Grande São Paulo, depois de passar a ser hostilizado por vizinhos, e escondeu-se em uma outra de um parente.

H. A. M. não tem ido trabalhar, pouco sai ou conversa com amigos. Sua mãe, que teve crises de depressão, passaria a ser acompanhada por um terapeuta, segundo o advogado do jovem, Ricardo Cabral. “O meu cliente confessou, mas não significa que é culpado. Ele comprou os sinalizadores achando que produziam apenas luminosidade”, diz. O sinalizador foi disparado no ato do gol do Corinthians. No estádio, torcedores locais se misturavam com brasileiros. “Não havia hostilidade entre eles. Tive a convicção de que o disparo foi acidental”, diz o produtor de vídeo Fabiano Curi, que filmava os torcedores.

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ESCONDIDO
O adolescente H. A. M. após assumir a culpa para
um promotor. Abaixo, corintianos presos na Bolívia

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H. A. M., cujo irmão caçula também se chama Kevin, viajou a Oruro com uma autorização, assinada pela mãe e reconhecida em cartório. Teria sido ela, ajudante-geral em um restaurante, quem deu os R$ 120 para que o filho comprasse os seis sinalizadores em um camelô e os R$ 100 para que ele pagasse a viagem.“Eu trouxe o sinalizador na minha mochila. Tirei a tampinha e puxei a cordinha, não sabia muito bem como manusear”, explicou o jovem ao “Fantástico”, da Rede Globo. A delegada Abigail Saba, que investiga o caso na Bolívia, não se convenceu: “O que vale para a gente é a investigação feita aqui. Ele pode estar sendo usado para salvar um dos 12 que estão presos aqui.” 

O promotor da Infância e Juventude de Guarulhos, Gabriel Rodrigues Alves, que ouviu o adolescente, pedirá informações da investigação à Justiça boliviana, como o laudo necrológico de Spada e imagens para averiguar se H. A. M. falou a verdade. Por ele ter apenas prestado uma declaração à Justiça, e não ser acusado, a situação dos 12 brasileiros presos após o jogo segue a mesma: dois são acusados de homicídio, dez seriam cúmplices do disparo e todos se dizem inocentes. Para complicar, Oruro enfrentou uma greve que paralisou os serviços judiciários na semana passada. E os brasileiros permaneceram presos.

Para a professora Maristela Basso, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, se H. A. M. se apresentasse às autoridades bolivianas acompanhado da mãe, de um advogado e um representante diplomático brasileiro, as investigações poderiam ser mais rápidas. “Ele nem sabe se o sinalizador que disparou foi o que atingiu a vítima. Averiguar isso é o papel dos bolivianos”, reforça. Seja quem for o autor do disparo fatal, parece que a Confederação Sul-Americana de Futebol, que responde pela organização da Taça Libertadores, e as autoridades policiais, que deveriam impedir a entrada de sinalizadores, não irão pagar pelas suas falhas.