Nas últimas quatro décadas, poucas empresas foram tão inovadoras, poderosas e rentáveis quanto a americana Microsoft. Criada em 1975 por Bill Gates e Paul Allen, ela levou menos de dez anos para se tornar uma das maiores corporações do mundo graças principalmente ao Windows, o sistema operacional que mudaria para sempre a história dos computadores, e fez de Gates um mito empresarial. Mas tudo isso faz parte do passado. Hoje, a Microsoft é uma sombra do que foi até pouco tempo atrás. A gigante cresceu produzindo softwares para computadores, mas os computadores não são mais os campeões de preferência da nova geração. No ano passado, as vendas de laptops caíram 3,4%, enquanto a de tablets dispararam 78%. Se as pessoas compram cada vez menos computadores, como a Microsoft vai vender seus softwares? Isso explica por que a empresa amargou, no ano fiscal de 2012, um recuo de 35% nos lucros. O que fazer para frear esse declínio? Para a própria Microsoft, é preciso se reinventar. No fim do ano passado, a empresa lançou o tablet Surface e decidiu se aventurar no universo dos hardwares. “Talvez devêssemos ter feito isso antes”, reconheceu o presidente Steve Ballmer, em encontro com investidores. Na semana passada, em mais um sinal de que está acompanhando os concorrentes em vez de lançar tendências (como fazia antigamente), a companhia substituiu o Hotmail, seu fracassado serviço de e-mails, pelo Outlook, numa tentativa de tentar recuperar os usuários que perdeu para o Gmail, do Google.

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ATRASADOS
Sobre o lançamento do Surface, tablet da Microsoft, até o presidente
Steve Ballmer disse que a empresa deveria tê-lo feito antes

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Não são raros os casos de empresas que, fustigadas pelo tempo, deixaram de ser relevantes. Na área tecnológica, em que a velocidade das transformações torna o que é bom hoje ruim amanhã, esse processo é mais doloroso. “Agilidade é fundamental no mercado de tecnologia, porque o fluxo de mudanças é mais acelerado do que em outras indústrias”, afirma Camila Pereira Santos, analista de mercado da IDC Brasil. “Pelo menos uma vez por ano, há uma transição de tecnologia.” A Dell nasceu como fabricante de computadores de mesa e foi, como a Microsoft, superada pelos rivais mais sintonizados com o mundo de hoje. Na semana passada, a companhia anunciou uma queda de 31% no lucro em 2012, semelhante à sua desvalorização na bolsa de valores no mesmo período. Diante da crise, a saída encontrada pelo presidente e fundador, Michael Dell, foi fechar o capital da empresa para poder reestruturá-la longe das análises públicas. A proposta de US$ 24,4 bilhões, se aceita pelos acionistas, deve transformar a Dell numa empresa de capital fechado até julho. Michael Dell também está mudando o foco de negócios da companhia. Em vez dos computadores, sua prioridade são os serviços tecnológicos, como centros de armazenamento de dados.

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ADEUS, BOLSA
Michael Dell propôs fechar o capital da Dell para poder reestruturá-la

 

Mais do que em outros setores, a marca – e as qualidades associadas a ela – é requisito fundamental para os consumidores de tecnologia. Por isso, o presidente da BlackBerry (BB) se incomodou tanto com um artigo publicado no jornal “The New York Times” em outubro. O texto dizia que os donos de BlackBerrys, antes ligados a executivos de elite, agora se envergonham de usar o aparelho em público por estar “fora de moda”. Cita até que Marissa Mayer trocou os aparelhos de seus funcionários por iPhones e Androids assim que assumiu a presidência do Yahoo, numa tentativa de mudar a imagem “enfadonha” de sua empresa. Para Thorsten Heins, presidente da BB, faltou equilíbrio à reportagem. A resposta veio, então, com o lançamento do BlackBerry 10, quatro meses depois, recebido com entusiasmo pelos especialistas. A sedução de uma marca, contudo, também tem prazo de validade. Pesquisas recentes de consultorias de marketing mostram que, ao menos nos Estados Unidos, o apelo da Apple, até então a queridinha da América, tem caído entre os adolescentes. Segundo elas, a empresa vem cedendo cada vez mais espaço para a Samsung e até, quem diria, para a Microsoft na preferência dos mais jovens. Um novo ciclo pode ter acabado de começar.

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A ideia de que a contínua renovação do modelo de negócios das companhias é inevitável não vem de agora. Em 1942, no livro “Capitalismo, Socialismo e Democracia”, o economista austríaco Joseph Schumpeter cunhou o termo “destruição criadora” para explicar que a mudança é a única constante no capitalismo, num processo de evolução do sistema. “Assim como Karl Marx, Schumpeter prevê que o capitalismo irá se esgotar, mas pelos seus sucessos e não pela revolução do proletariado”, afirma Rodrigo Zeidan, professor da Fundação Dom Cabral. “Sendo assim, o processo de destruição criadora acabaria, pois seria difícil manter a grande entrada de empresas inovadoras.” Enquanto o capitalismo continuar, porém, a única saída possível para as gigantes de tecnologia é a inovação permanente. A Microsoft espera não ter descoberto essa máxima tarde demais.

Fotos: Richard Lautens/TORONTO STAR; Mario Tama/Getty Images/AFP; Jason Alden/Bloomberg via Getty Images