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AULA Algumas escolas proibiram ou restringiram o uso do acessório

Entre os vários modismos que vão e vêm entre crianças e adolescentes, um está causando preocupação a pais e escolas. Pulseirinhas de silicone coloridas e finas, compradas às dúzias por até R$ 2, que se acumulam nos pulsos tanto de garotos como de garotas. A preocupação começa para as famílias e educadores com a possibilidade de que, aqui no Brasil, ela também seja usada como elemento de um jogo em que cada cor corresponde a um comportamento afetivo ou sexual, que pode ir de um abraço, na amarela, a uma relação sexual, na preta. Para exigir o gesto, seria preciso arrebentar a pulseira de quem a traz no pulso. O uso do acessório com conotação ­sexual começou na Inglaterra, há três meses. O código de cores das “shag bands”, ou pulseiras do sexo, apareceu por escrito primeiro em sites de vendedores online e depois se espalhou por redes sociais na internet.

A onda chegou aqui há um mês e, às vésperas do final do ano letivo, boa parte dos colégios preferiu não proibir o uso para não aguçar a curiosidade dos alunos. Muitos optaram por debater o assunto na escola e enviar comunicados aos pais, orientando-os a conversar com os filhos. “A maioria não está usando com conotação sexual, principalmente as crianças”, diz Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia. “Elas nem conhecem esse significado. Usam como adereço, enfeite.” Ainda assim, ela acredita que a informação é a melhor forma de evitar que os pais e filhos sejam pegos de surpresa. “A criança vai ter que lidar com a situação se alguém quiser jogar com ela”, afirma. “Ao ser vista usando o acessório, a adolescente pode se sentir convidada a participar do jogo sexual e, no mínimo, pode ter que dar explicações.”

Ao saber da moda na Inglaterra, a secretária Carla Kancelskis, mãe de um garoto de 8 anos e de uma jovem de 17, quis saber da escola dos filhos se havia alguma recomendação. O colégio respondeu que os alunos estavam usando as pulseiras apenas como enfeite, e preferiu não proibi-las para evitar alarde. “Minha filha estava usava as pretas e, quando mostrei uma reportagem contando o que elas significavam, ela tirou e jogou fora”, diz Carla. A jovem disse à mãe que não queria participar do jogo, por isso não fazia sentido usá-las. Com o menino de 8 anos, que ainda não associa as pulseiras à erotização, Carla preferiu não tocar no assunto. Com o tempo, ele perdeu naturalmente o interesse pelo acessório.

INTERNET A onda surgiu na Inglaterra, onde o código de
cores foi estabelecido. Ela ganhou o mundo
pelas redes sociais

Por serem acessíveis e usadas numa idade em que a opinião do grupo pesa na autoestima e autoaceitação do jovem, é importante que os pais fiquem de olho em como o filho está usando a pulseira. Na opinião da psicoterapeuta de crianças e adolescentes Ana Olmos, é bom monitorar o uso do acessório, pois ele pode funcionar como chamariz mesmo que o adolescente não tenha a intenção de participar do jogo. “Quero ver o que pode acontecer se um menino rasgar a pulseira de uma menina que não sabe o significado daquilo. Se estiver em grupo, ele pode forçá-la a concretizar seu desejo. Isso está se espalhando como um código de grupo”, diz a psicoterapeuta, para quem os pais devem explicar a situação aos filhos. “Se um menino é um abusador contumaz, não vai deixar de abusar – seja sexualmente, seja em outras esferas. A pulseirinha é mais uma porta.”

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Na Escola Castanheiras, em São Paulo, as pulseiras podem ter seu uso restrito apenas se os alunos abusarem na quantidade, pois pode resultar em dispersão. Lá, os jovens não a utilizam como jogo. “Adequamos o uso pedindo para as meninas tirarem durante a aula”, diz a diretora Débora Vaz. “É importante que aprendam onde e quando usar. Com festa, combina; com escola, não.” Uma circular discutindo o assunto com os pais moderou o uso do adereço.

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Muitas crianças chamam os adornos de “pulseira da amizade”, usando-as para presentear colegas. Giorgio, de 7 anos, filho da coordenadora de mídias sociais Samantha Shiraishi ganhou o acessório das amigas e pediu à mãe para comprar outras para ele no dia seguinte. Samantha ficou sabendo por blogs da conotação sexual das cores e explicou ao filho, sem entrar em detalhes, que havia um significado diferente das brincadeiras próprias da idade dele. “Não estimulei nem cortei. Mas, como meu filho queria usar uma profusão de pulseiras, chegamos num acordo de usar uma ou duas”, afirma Samantha, para quem há um certo exagero no veto a elas em algumas escolas. “Os pais estão importando o conceito inglês sem refletir. Não é preciso tanto furor. As crianças não estão erotizando a pulseira.”

Em algumas instituições de ensino, a pulseira foi mais um pretexto para abordar a educação sexual. “Fizemos uma reflexão com as crianças sobre como se relacionar com os outros. A conotação mais aguda e preocupante é que é um jogo com conotações machistas”, diz Chico Sedrez, diretor educacional do Colégio Arquidiocesano de São Paulo. Na hierarquia de cores das pulseiras, as “tarefas” incluem mostrar os seios, dança erótica ou fazer sexo oral no garoto. Acreditar que o acessório ajuda os tímidos é um engano que os jovens não devem cometer, segundo Quézia, da Sociedade Brasileira de Psicopedagogia. “Aprender o jogo da sedução faz parte da adolescência e por meio dele o adolescente constrói sua autoestima e autoimagem”, diz a psicopedagoga.

Na Escola Ágora, em São Paulo, elas foram vetadas antes que a brincadeira adquirisse outros contornos. “A postura da escola é de interferir na formação dos alunos. Eles não podem levar brinquedos, jogos e cosméticos à escola, porque queremos que o tempo livre seja preenchido pela convivência”, afirma a educadora Terezinha Fogaça de Almeida. “Interferimos, dizendo aos pais que era incompatível e inadequado crianças daquela idade usarem esse tipo de pulseirinha. Para os alunos, explicamos que quem usava estava se expondo e defendendo uma bandeira.” Mesmo usadas como brincadeira inocente, semelhante às coleções de figurinhas, é preciso entender o que está por trás de um braço repleto de pulseiras, que pode ser a necessidade de chamar a atenção e se inserir no grupo. “A proibição nunca é válida”, afirma Quézia. “O importante é conversar com o adolescente e saber por que e para que ele está usando.”

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