Há casos no cinema em que a simbiose entre a imagem e a música é tão grande que determinada melodia passa a ser conhecida pelo nome do filme e vice-versa. Basta lembrar de As time goes by, que entrou para a história como a música de Casablanca, e Casablanca como o filme de As time goes by. Portanto, não há quem não se recorde de determinada canção que, de alguma forma, tenha marcado um momento na vida e na relação com a sétima arte. Para falar destas paixões, tensões e atmosferas criadas pelas trilhas sonoras, o jornalista e crítico carioca João Máximo realizou um estudo profundo que acaba de lançar nos dois densos volumes de A música do cinema – os 100 primeiros anos (Rocco, vol. 1, 524 págs., R$ 53,50; e vol. 2, 444 págs., R$ 44,50). O foco central é a música incidental, desde quando a intenção era substituir o silêncio e apoiar a imagem. Abraham Lass, um compositor que tocava ao vivo nos cinemas na década de 1920, relembra o quanto sua tarefa era sem importância. “Como a maioria dos meus colegas, raramente eu tinha oportunidade de ver o filme antes de me sentar ao piano para musicá-lo.”

É assim que, no caminho de sua alentada pesquisa, Máximo abre
brechas para relatar histórias e curiosidades que cercam as canções
nas telas. Quando filmava Psicose (1960), por exemplo, Alfred Hitchcock recomendou a Bernard Herrmann que não fizesse nada para a antológica cena do chuveiro. “Eu a quero sem música”, esbravejou o mestre
inglês do suspense. Sem obedecê-lo, Herrmann apresentou duas
versões, uma em silêncio e outra com guinchos de violino praticamente descrevendo as facadas desferidas contra a personagem de Janet Leight. Mais tarde, acabou se transformando no efeito sonoro mais imitado do século, como garante o autor.

Máximo também afirma que há um cruzamento de autores e diretores geniais quando se analisam as trilhas sonoras inesquecíveis. O italiano Nino Rota (1911-1979), parceiro de Federico Fellini, Luchino Visconti e Francis Ford Coppola, entre outros, sem dúvida se insere entre os grandes compositores do cinema. Ele é autor de mais de 80 temas e, para Máximo, alguns beiram a obra-prima, como o de Rocco e seus irmãos. “Suas trilhas de Romeu e Julieta (1968) e O poderoso chefão (1972) chegaram às paradas de todo o mundo”, conta. O capítulo do cinema brasileiro, obviamente menor, é bastante curioso. Considerado pelo autor “o mais completo e realizado compositor de cinema de sua geração”, o mineiro Wagner Tiso é responsável por um marcante momento do som nacional na tela grande. É dele Coração de estudante, letrada por Milton Nascimento para o filme Jango.