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CHOQUE
Cardeais conversam após a reunião da segunda-feira 11,
em que Bento XVI anunciou a surpreendente renúncia

Os 118 cardeais que se preparam para participar, a partir do dia 15 de março, do conclave que elegerá o 266o. papa da história, não têm dúvida. Estão diante de um desafio muito maior do que simplesmente escolher o líder máximo da religião mais influente do mundo ocidental e de uma legião de 1,2 bilhão de fiéis. Com a renúncia, e as desconcertantes declarações de Bento XVI, que expôs as chagas e mazelas do Vaticano em público, ainda pulsantes, os religiosos têm em suas mãos a possibilidade de corrigir os rumos da Igreja e colocar a barca de Pedro novamente em águas calmas. Resta saber qual seria o perfil ideal de pontífice para este momento tão delicado – dos católicos e do mundo.

Diante de momento tão excepcional, os cardeais já se movimentam em busca de alianças para definir estratégias para o conclave, num ambiente de efervescência política – por mais que digam não fazê-lo. Vaticanistas italianos já detectaram que dois dos mais poderosos cardeais de Roma, o secretário de Estado Tarcisio Bertone e Angelo Sodano, que ocupou esse cargo durante o pontificado de João Paulo II
e atualmente é o decano dos cardeais, já iniciaram contatos com os eleitores mais estratégicos. Não por coincidência, Bertone e Sodano são desafetos. Mas ambos são igualmente influentes e ocuparão postos-chave na eleição do novo papa. Bertone está, aparentemente, em desvantagem, pois sai do episódio da renúncia como mentor do governo paralelo que desestabilizou e isolou Bento XVI, um mártir nas mãos de seus detratores, para a opinião pública. “Esses 118 cardeais chegarão a Roma para eleger o sucessor de Pedro influenciados pela inesperada renúncia e ansiosos para nomear uma pessoa que não seja mais assediada e humilhada, como Bento XVI”, diz o escritor espanhol Juan Arias, experiente vaticanista.

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De qualquer forma, se haverá embate e disputa interna entre grupos de cardeais, ele será pouco ideológico. Quase não há mais religiosos progressistas, que interpretam o Evangelho à luz das questões sociais, no cardinalato católico. E isso muito se deve aos pontificados dos conservadores Karol Wojtyla e Joseph Ratzinger, que procuraram eleger homens à sua imagem e semelhança. Especialistas em Igreja Católica avaliam que os votantes devem caminhar para um candidato mais ao centro, com um perfil administrativo. Um religioso na casa dos 70 anos – não tão jovem quanto João Paulo II, que assumiu aos 58 anos e permaneceu papa por 27 anos, nem tão idoso quanto Bento XVI, que chegou ao trono de Pedro ao 78 e alegou abdicar por falta de vigor físico. Diante do esfacelamento interno da igreja, a maioria garante que o novo líder será um europeu. Mais do que isso, um italiano. Alguém que domine com facilidade a complicada engrenagem da Cúria Romana e saiba lamber as feridas abertas da instituição milenar.

A lógica numérica reforça essa análise. Os europeus têm o maior poderio eleitoral, com 62 dos 117 eleitores, mais da metade. Desses, 28 são italianos, quase um quarto de todo o Colégio Cardinalício. Segundo o vaticanista Marco Politi, a super-representação da Itália não significa que todos os cardeais desse país votarão em um conterrâneo. “No passado, eram os estrangeiros que pediam que o papa fosse um italiano”, afirma, lembrando que por mais de cinco séculos, até a eleição do polonês Wojtyla, todos os papas eram da Itália.

Envolvidos em conversas, debates e discussões, os cardeais votantes também terão de conviver com a sombra de Joseph Ratzinger no conclave. Muitos apostam que o pontífice alemão quis anunciar sua abdicação com semanas de antecedência para ter tempo de influenciar, ainda como líder incontestável da Santa Sé, na votação que irá eleger seu sucessor. Nem precisava. Não foram poucas as mensagens – subliminares ou não – que passou com sua renúncia. A primeira delas foi que, ao sair, ele promoveu uma grande ruptura na Igreja Católica. Interromper um pontificado de própria vontade, numa iniciativa inédita na história moderna, foi como dizer: a situação precisa mudar a partir daqui. Essa atitude, ao mesmo tempo tão humana e tão elevada, pode inspirar alguns cardeais eleitores a correr riscos, elegendo alguém que possa efetivamente fazer algo novo, segundo John L. Allen Jr., da National Catholic Reporter.

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No discurso de sua renúncia, na segunda-feira 11, Bento XVI disse claramente que a Igreja e seus novos problemas precisam da força de um papa mais físico. Um recado claro para eleger um homem jovem, o que, nos padrões do Vaticano, seria alguém em torno dos 68 anos. E na quinta-feira 14, durante um encontro com sacerdotes na Diocese de Roma, o pontífice octogenário disse que é preciso haver uma renovação verdadeira na Igreja para evitar a perda de fiéis e que ainda há muito a fazer. Mais um recado para o conclave e o próximo papa. 

O cajado de Ratzinger também está depositado na composição do Colégio de Cardeais. Dos 118 eleitores, ele nomeou 67 – a maioria conservadores com um viés pró-europeu. Em janeiro de 2012, por exemplo, ele designou 22 novos cardeais, quase todos autoridades europeias no Vaticano, sem experiência pastoral. Segundo John Allen, pelo menos alguns deles podem se sentir pressionados a não fazer algo que possa ser percebido como um repúdio ao papado de Bento XVI. “Como isso poderá ser traduzido em termos de votos, não está de todo claro, mas é uma peça do quebra-cabeça a considerar.” O historiador Andréa Tornieli é mais explícito. “É claro que os cardeais serão menos livres no conclave com Ratzinger ainda vivo.” Mas o fato é que seu sucessor não poderá evitar a reforma do Vaticano a partir do zero.

Fotos: Osservatore Romano/Reuters; fotos: Robert Stolarik/The New York Times; Olivier MORIN/AFP PHOTO