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Em maio de 2007, o papa Bento 16 fez sua única visita ao Brasil;
relembre os principais momentos do evento

 

 

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DECISÃO RADICAL
No meio de um pesado jogo de poder, com escândalos e traições, Bento XVI
renuncia e deixa o trono de Pedro, que poderá ser ocupado por um papa do Terceiro Mundo

O gesto humano e inesperado do papa Bento XVI, de abdicar do trono do apóstolo Pedro, levará anos para ser integralmente compreendido e seus reflexos para a fé cristã decifrados. Ao marcar o fim do seu papado, iniciado em 2005, para o dia 28 de fevereiro, o pontífice lançou novos desafios para a instituição milenar. Com a saída de um papa ainda vivo e a eleição de outro, a Igreja Católica irá experimentar caminhos até então desconhecidos, cheios de dúvidas e incertezas. A última vez que isso aconteceu foi há seis séculos. O catolicismo não vivia um momento tão crucial na sua história desde os anos 1960, no Concílio Vaticano II, que modernizou a Igreja e a aproximou dos fiéis. “A renúncia do papa Bento XVI é a queda do muro de Berlim da Igreja Católica”, pontua o teólogo Jorge Cláudio Ribeiro, da Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo.

A saída de cena do papa alemão, que sucumbiu aos escândalos, intrigas e disputas internas de poder no Vaticano, abre espaço para uma possível surpresa na escolha do novo pontífice, mesmo numa instituição apegada à tradição e profundamente conservadora, pois a atitude de Bento XVI escancarou de vez o estado de coma do catolicismo. Na Europa, a religião sangra por causa da secularização da população. Ela cresce em continentes como África e Ásia e mantém grande representatividade em países da América Latina. O futuro da religião não passa pelo Velho Continente, onde há crise de vocações e um número cada vez menor de fiéis. Sua força está nas novas fronteiras da fé católica e, ainda, no peso da população latino-americana, que, distante da voz de Roma, tem encontrado mais conforto nas palavras proferidas pelos evangélicos. Por isso, esse cenário levanta a questão: depois de um papa alemão e de um polonês, não seria a hora de um religioso do Terceiro Mundo ser elevado ao cargo mais alto do Vaticano? Não seria esse um caminho para aproximar a cúpula da Igreja da maioria do seu rebanho ou de trazê-la para onde ele mais pulsa? “As estatísticas fundamentam a pretensão em torno de um papa com esse perfil: 52% dos católicos estão nos países periféricos”, diz o teólogo Leonardo Boff. “O cristianismo é uma religião do Terceiro Mundo que teve, um dia, origem no Primeiro. Esse fato cria a plataforma para reivindicarmos a presença de um papa que represente a maioria dos cristãos.”

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Ex-frade franciscano, interrogado por Ratzinger e punido nos anos 1980 pela Santa Sé por defender ideias contrárias à Igreja em um livro, Boff não fala sozinho. Papáveis como o cardeal Peter Turkson, de Gana, e o cardeal venezuelano Jorge Urosa comungam dessa visão. Para Turkson, que diz estar pronto para o cargo se assim for a vontade de Deus, esse seria o momento certo para a eleição de um pontífice do mundo em desenvolvimento. “Igrejas jovens na África e na Ásia se tornaram sólidas o bastante para produzir clérigos maduros e capazes de exercer a liderança no Vaticano”, defende o africano. O cardeal Urosa, por sua vez, afirmou esperar que “o próximo papa seja da América Latina, que abriga 40% dos católicos no mundo”. O quadro do colégio cardinalício, porém, talhado com apuro por Bento XVI, acena para a continuidade do eurocentrismo dentro da Cúria Romana. Dos 118 cardeais aptos a votar, 62 são europeus – desses, 28 são italianos. No último conclave, em 2005, os europeus eram 58 – 20 dos quais italianos – de um total de 117 cardeais.

Com esse viés europeu perpetuado na Santa Sé, a Igreja tem se mostrado mais preocupada em retomar as raízes cristãs na Europa do que em aprofundar o crescimento do catolicismo no Terceiro Mundo. A diminuição do número de cardeais brasileiros em Roma reflete essa tendência. O Brasil, país com maior número de católicos do planeta, ocupa cinco cadeiras cardinalícias com direito a voto na escolha de um pontífice, atualmente. Já foram oito, nos anos 1970. João Braz de Aviz, logo que recebeu o barrete de cardeal no ano passado, questionou o eurocentrismo religioso: “Do ponto de vista econômico ou político, mas também dentro da Igreja, por quanto tempo é que seremos liderados pela Europa e pelos Estados Unidos?” Na atual conjuntura mundial, principalmente em termos financeiros, a Europa não é referência. A crise assola nações como a Espanha, que fechou 2012 com 25% da população economicamente ativa desempregada, e a França, onde o PIB não tem crescido.

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NOVOS TEMPOS
Na semana passada, o papa denunciou desmandos na cúpula da Igreja e pediu renovação.
O catolicismo está em crise na Europa, mas cresce no Terceiro Mundo. Na África, a proporção
de católicos na população saltou de 6,8% em 1970 para 15,2% em 2012

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Frear o eurocentrismo religioso não é tarefa fácil, mesmo diante do fato de que os próprios europeus olham o cristianismo pelas costas. A doutrina religiosa ajudou a moldar a cultura ocidental, mas não é mais vista como uma fonte de sentido para a vida. Se a hegemonia – ou seja, quem orienta as ideias – do catolicismo ainda subsiste no Velho Mundo, a sua vitalidade está na Ásia, apontam especialistas como o padre e teólogo jesuíta João Batista Libânio. Em países como a Índia, só para citar um exemplo, recentemente houve cerca de 500 candidatos a jesuítas em um único ano – algo que no Brasil demoraria décadas e décadas para ocorrer. “A Igreja, hoje, age como uma instituição provinciana porque insiste em tratar questões locais como universais”, diz o padre José Oscar Beozzo, especialista em história do catolicismo, teólogo e coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep).

É até genuína a preocupação de Roma com a agenda europeia, focada quase que exclusivamente no esforço para estancar a hemorragia de fiéis. Mas ignorar as questões que afligem a Igreja na África, por exemplo, que luta para estabelecer um diálogo entre a religião e as culturas locais, ou nos Estados Unidos, que se desdobra para enfrentar os escândalos de pedofilia, é uma temeridade. Hoje, segundo o World Christian Database, base de dados do Seminário Gordon-Conwell, nos Estados Unidos, são continentes como o africano que registram o maior crescimento do catolicismo no mundo. Lá, entre 1970 e 2012, a proporção de católicos na população saltou de 6,8% para 15,2%. No mesmo período, na Europa, caiu de 38,5% para 23,7%.

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Se, ao olhar dos cardeais presentes no conclave, a análise da conjuntura mundial e da Igreja apontar para um pastor originário de nações não europeias, o catolicismo estará se adequando à fase atual da história. A globalização é também um fenômeno antropológico – e não apenas econômico –, pelo qual culturas e povos se encontram, trocam valores e convivem. Estaria a Igreja, então, mais próxima da realidade. Por outro lado, se a prioridade for redescobrir a força cristã em processo de desaparecimento no Velho Mundo, muito provavelmente um “santo” de casa, um europeu, seja conclamado papa.

“E talvez penda para um papa italiano. É um povo que foi espremido por várias culturas e aprendeu a jogar em todos os times simultaneamente”, afirma o jesuíta Libânio, para quem na crise atual um latino-americano, um africano ou um asiático dificilmente terão credibilidade e capacidade política para essa volta às raízes. Bento XVI, como ex-papa vivo, estará assistindo a tudo da residência de verão do Vaticano, em Castelgandolfo, até que a reforma de sua residência definitiva em um monastério dentro da Santa Sé fique pronta.

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Fotos: AP Photo/Alessandro Bianchi, Pool e Finbarr O’Reilly/Reuters