MURILLO CONSTANTINO/AG. ISTOÉ

CONQUISTA Cláudia fez três cirurgias por causa da doença e só teve filhos após tratamento especializado

A demora no diagnóstico da endometriose, uma alteração do organismo feminino que causa dores intensas, permite que a doença atinja etapas mais graves e esteja na origem de muitos casos de infertilidade. A conclusão é de um estudo feito por um grupo de pesquisadores brasileiros. O trabalho mostrou que, em geral, as pacientes com idade ao redor dos 30 anos percorrem serviços médicos à procura de explicações por cerca de oito anos antes de ser identificada a causa das suas dores e de outros mal-estares característicos da doença. Sem tratamento adequado, elas tomam sedativos e analgésicos em excesso e de forma crônica e em pouco tempo sentem o impacto da convivência com os sintomas na qualidade de vida, com prejuízo do prazer sexual e da atividade profissional. “Verificamos que a tendência é a descoberta da doença ser ainda mais tardia quando os sintomas surgem por volta dos 20 anos”, explica o ginecologista e obstetra Maurício Abrão, coordenador do serviço de endometriose do Hospital das Clínicas de São Paulo e um dos autores do estudo. A pesquisa foi premiada como o melhor trabalho clínico no Congresso Mundial de Endometriose, realizado na Austrália no mês passado.

Ainda pouco conhecida da maioria dos médicos – por falta de informação –, a endometriose se instala quando algumas células do tecido que reveste o interior do útero, o endométrio, migram para outras partes do corpo. Nessa trajetória, podem se fixar em regiões inusitadas como o pulmão, o apêndice e a mucosa nasal, mas é ao redor do útero, dos ovários e das trompas (agora chamadas de tubas) que essas células desgarradas costumam se acomodar com mais freqüência. Por alguma falha do sistema de defesa do organismo, elas não são eliminadas. Estudos recentes têm demonstrado que a presença desses focos de endometriose causa cólicas incapacitantes em pelo menos 50% das mulheres mais jovens. A professora Helena Ferrari, 45 anos, de São Paulo, enfrentou o problema dos 18 aos 27 anos. “Por causa das dores fortes, quase fui internada e faltei muito ao trabalho. Era um parto por mês. Em conseqüência, fiquei com dificuldade de engravidar”, descreve. Vontade freqüente de ir ao banheiro também é uma queixa comum.

Cerca de 15% das mulheres em idade produtiva têm a doença. E 90% das portadoras sentem dores

Outro sintoma perturbador são os sangramentos dos focos de endometriose, onde quer que estejam, durante o período menstrual ou a qualquer momento. A justificativa para esse fenômeno está no tipo de célula que forma o endométrio. Mesmo exiladas do seu local de origem, elas respondem aos estímulos hormonais que levam à menstruação (formada pela descamação do endométrio), e, por isso, aumentam de volume e descamam. Mas os desdobramentos da doença são ainda mais extensos. Por causa das suas características e da demora em ser identificada, a endometriose provoca desde aderências entre tecidos até reações imunológicas que danificam os órgãos reprodutivos da mulher, como os ovários.

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A artista plástica Cláudia Vasconcellos, 44 anos, não escapou a essa regra. Depois de fazer uma cirurgia para diminuir os sintomas, que começaram aos 17 anos, aos 19 ela tirou um ovário. Depois, fez mais duas laparoscopias (cirurgias menos invasivas) para tirar focos e precisou recorrer aos métodos de reprodução assistida para engravidar. Teve trigêmeos, hoje com quatro anos. “Vejo muitas jovens mutiladas e com dificuldade para engravidar por não terem recebido tratamento adequado e no tempo certo”, diz Cláudia, que hoje atua como voluntária para esclarecer as mulheres que procuram atendimento no Hospital das Clínicas de São Paulo.

De fato, o diagnóstico da doença precisa ser alvo de maior atenção dos médicos e dos serviços de saúde públicos ou privados. Além da longa espera e da falta de conhecimento, existem outros empecilhos para a sua realização. Um deles é que muitas mulheres não vão ao ginecologista com freqüência. Outra é a burocracia para fazer os exames que detectam os focos em áreas de acesso mais complicado, como o intestino e o fundo do abdome. Em geral, nesses casos, o melhor é recorrer à cirurgia laparoscópica. Mas, se na rede pública faltam equipamentos e horários para a maioria dos serviços, nos consultórios particulares o que atrapalha é o desacordo entre os convênios e médicos pelo preço pago pela intervenção. Por isso, muita gente fica esperando a oportunidade de atendimento e enfrenta as drásticas conseqüências da inadequação dos profissionais e das estruturas públicas e privadas.

Na tentativa de contribuir para a superação desse impasse de algum modo, Abrão e outro autor do estudo, Manoel Gonçalves, desenvolveram um novo método para ajudar nessa corrida contra o tempo. “Nós temos usado com sucesso o exame de ultra-som para descobrir a endometriose profunda implantada nos órgãos. E criamos alguns protocolos que estão sendo ensinados aos profissionais que fazem o exame. Em 95% dos casos, tem dado certo e por isso nossa técnica já começa a ser usada em outros países”, diz o ginecologista Abrão.


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