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Uma pesquisa brasileira acaba de dar uma contribuição decisiva para o melhor entendimento de dois dos principais flagelos da saúde mental: a depressão e o mal de Alzheimer. A depressão, que já atinge 350 milhões de pessoas, é considerada o mal do século XXI pela Organização Mundial da Saúde. O mal de Alzheimer atualmente aflige 36 milhões, mas espera-se que esse número dobre até 2030. Agora, pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) encontraram um mecanismo bioquímico que liga os dois distúrbios. Em um trabalho feito em animais, eles verificaram que o acúmulo de uma neurotoxina no cérebro leva ao desenvolvimento de sintomas de ambas as doenças. Tratadas com antidepressivos, as cobaias apresentaram melhora com relação aos dois quadros. O resultado do estudo, assinado pela equipe do Instituto de Bioquímica Médica da instituição fluminense, foi divulgado na última edição da “Molecular Psychiatry”, publicação do grupo da prestigiada revista científica inglesa “Nature”.

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Há algum tempo os cientistas observavam uma associação entre as duas enfermidades. O mérito dos pesquisadores brasileiros foi desvendar exatamente o que as une. O elo é feito por um composto chamado oligômero de abeta. Trata-se de uma substância tóxica que, em pacientes com Alzheimer, apresenta-se em maior concentração. Como se dissolve com facilidade no líquido cerebral, vai aos poucos degenerando a capacidade de memorização de informações – a perda gradual da memória é um dos principais sintomas da doença.

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O grupo da UFRJ descobriu que essas mesmas neurotoxinas também provocam prejuízos no sistema cerebral que regula o humor. Ainda não se sabe claramente o mecanismo pelo qual isso ocorre. Acredita-se que a substância interfira na fabricação da serotonina (composto cujo desequilíbrio está associado à depressão) ou que desencadeie um processo inflamatório que resulte na enfermidade.

Depois de constatarem o papel da substância, os cientistas resolveram verificar se, tratando a depressão com um antidepressivo, seria possível também obter melhora nos sintomas de Alzheimer. As cobaias foram então medicadas com fluoxetina, princípio ativo de muitos antidepressivos, entre eles o Prozac. “Observamos que o remédio combatia a depressão e, ao mesmo tempo, tinha um efeito preventivo contra os danos do Alzheimer”, contou o pesquisador carioca José Henrique Alves da Cunha, cuja tese de doutorado é a pesquisa.

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A informação obtida pelos brasileiros abre novas perspectivas no tratamento das duas enfermidades. “Vislumbra-se uma possibilidade de diagnóstico e tratamento mais eficazes”, avaliou Ivan Okamoto, membro da Academia Brasileira de Neurologia. Uma das mudanças que ela deve promover, por exemplo, é a necessidade de acompanhamento ainda mais cuidadoso de pessoas diagnosticadas com Alzheimer ou com depressão, para evitar que elas acabem desenvolvendo as duas doenças. Outra é que a medição dos níveis da neurotoxina pode acabar servindo como um indicador da presença ou não das doenças.

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TRABALHO
Os cientistas Cunha (à esq.) e Ferreira querem aprofundar o estudo

Os cientistas da UFRJ esperam agora que as pesquisas se aprofundem. “Os resultados realmente estimulam um prolongamento do estudo, já com seres humanos”, afirma Alves da Cunha. O coordenador do experimento, Sérgio Ferreira, diz que seu grupo está disposto a participar do esforço mundial para interromper o processo do Alzheimer antes que a enfermidade provoque danos irreversíveis à memória. “Infelizmente, às vezes o tratamento começa tarde demais. Mesmo que não consigamos fazer uma pesquisa com humanos no Brasil, por motivos financeiros e burocráticos, acredito que não será difícil firmar uma parceria com uma instituição estrangeira, dado o interesse mundial pelo tema”, ressalta o pesquisador.