Dez anos se passaram e o tempo parece ter estacionado desde que o Rio de Janeiro abrigou a histórica conferência da Organização das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Eco-92. Na ocasião, os tanques do Exército tomaram as ruas para garantir a segurança das centenas de chefes de Estado e de ambientalistas, parlamentares, empresários e cientistas presentes à reunião que definiria o futuro da humanidade. Uma década depois, quando recebeu uma nova leva de especialistas para avaliar o saldo desses anos todos, o Rio estava atordoado pela saraivada de tiros disparados contra a prefeitura no domingo 23. O planeta Terra ainda continua ameaçado pelo aquecimento descontrolado e extinção em massa de diversas espécies de animais e plantas. E se discute o que debater na maior conferência do ano, a “copa do mundo da ecologia”, que acontece em agosto, em Johannesburgo, África do Sul.

Na prática, pouco se avançou desde a primeira cúpula mundial, realizada na sueca Estocolmo, em 1972. O próprio anfitrião da Eco-92 tinha pouco a comemorar. Um relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que, em dez anos, o uso de fertilizantes na lavoura nacional aumentou 85% e as queimadas persistem como o calcanhar-de-aquiles brasileiro. Uma verdadeira cortina de fogo se alastra pelo chamado Arco do Desmatamento, que transforma em pasto e fazenda agrícola parte da Amazônia e do cerrado, numa área que abrange Estados do Centro-Oeste e do Norte do País. Uma das florestas mais ricas em diversidade de fauna e flora, a Mata Atlântica é outro retrato da devastação. De seus mais de um milhão de quilômetros quadrados, que já se estenderam do litoral nordestino ao Rio Grande do Sul, sobraram menos de 7% para contar a história.

Foi num remanescente dessa floresta, uma das mais ameaçadas do mundo, no Museu do Açude, que o presidente Fernando Henrique Cardoso ofereceu um jantar, na segunda-feira 24, ao presidente da África do Sul, Thabo Mbeki, ao primeiro-ministro da Suécia, Göran Persson, ao vice-primeiro-ministro da Inglaterra, John Prescott, e à princesa da Jordânia, Basma Bint Talal. Cercados por seguranças armados de metralhadoras e pelos indefectíveis detectores de metal que denunciavam jóias e celulares, ali estava a nata do ambientalismo e da política internacional. Os 200 convidados para a última rodada de negociações que antecedeu a cúpula de Johannesburgo discutiam temas de interesse global, como o combate à miséria que atinge um bilhão de pessoas, a busca por combustíveis alternativos ao petróleo e mecanismos para saciar a sede de um terço da população mundial que vive sem água.

Camarão e segurança – Entre garfadas no coquetel de camarão servido sobre mamão papaia e goles de vinho e champanhe nacionais, temia-se que as discussões ecológicas fossem ofuscadas por outros temas. As principais rotas de desvio conduziam aos Estados Unidos, que adotaram a segurança como prioridade após os ataques terroristas de 11 de setembro e lideram o grupo de países que se recusa a reduzir os poluentes que agravam o efeito estufa, uma das premissas do Protocolo de Kyoto, assinado na Eco-92. A obsessão pela segurança não era privilégio americano. Horas depois de pedir a decretação de estado de defesa, o prefeito do Rio, Cesar Maia, foi um dos muitos que emudeceram de medo quando as luzes do Museu do Açude se apagaram subitamente, naquilo que parecia uma sequência do atentado da véspera à administração carioca.

Para evitar o naufrágio anunciado da conferência de Johannesburgo, os chefes de Estado do Brasil, da Suécia e da África do Sul elaboraram um documento que o sul-africano Mbeki levou na bagagem para o Canadá, onde acontece a reunião do G-8, que congrega as nações mais ricas do mundo. Na carta de intenções estava o pedido para que o primeiro-ministro inglês, Tony Blair, e o presidente americano, George W. Bush, dessem o ar da graça na reunião de agosto e revissem temas espinhosos, como a redução de subsídios agrícolas que torna impossível a concorrência dos produtos colhidos nos países em desenvolvimento. Representante do país que abriga a próxima cúpula ambiental, Mbeki reclamou que, passados 30 anos da reunião de Estocolmo, “o resultado concreto é que temos menos peixes nos mares, mais dióxido de carbono na atmosfera, mais desertificação, erosão do solo, espécies em extinção e miséria”.

Se depender do líder sul-africano, as discussões sobre ecologia devem necessariamente cair para o terreno da pobreza. “Essa é uma questão prioritária, mas se ela se tornar o tema central em Johannesburgo, perde-se o foco de graves problemas, como o financiamento às nações pobres e a preservação da biodiversidade”, explicou José Carlos Carvalho, ministro brasileiro do Meio Ambiente. Depois de uma década de discursos, continuam pendentes os mesmos desafios: a erradicação da pobreza nos países em desenvolvimento; a redução do consumo das nações mais ricas; em particular de água e de energia; a mudança climática que já afeta a paisagem da Terra; a conservação dos ecossistemas ameaçados; e o patrocínio de ações que tragam riqueza à população local, sem agredir a natureza. Ou seja, permanecem em pauta exatamente as questões que estiveram na ordem do dia em 1992. Durante esses anos, cumpriu-se ao menos um milagre, o de fazer o mundo parar no tempo.