Apesar do talento inato para o desenho e antes de se dedicar às tintas e aos pincéis, o pintor impressionista francês Edouard Manet (1831-1883) tinha um destino previamente traçado pelos pais – ser um magistrado ou, no máximo, um oficial da marinha. Tentou a segunda alternativa, aos 17 anos, quando se ofereceu como aprendiz numa embarcação de quatro mastros que partiu da França em novembro de 1848 em direção ao Rio de Janeiro. Para o bem da arte, no entanto, Manet, que anteriormente já havia sido reprovado num exame de admissão à Escola Naval, não aprendeu muito sobre navegação na rápida viagem terminada em março de 1849. Esta curta aventura tropical foi narrada através das cartas que o jovem remeteu a seus familiares e depois foram reunidas, em 1928, no pequeno volume Viagem ao Rio – cartas da juventude 1848-1849 (José Olympio Editora, 128 págs., R$ 30), que só agora ganha tradução brasileira.

Viagens marítimas geralmente são tediosas. Mas, por meio da pena refinada do jovem Manet, o leitor acompanha a travessia do Atlântico impulsionado por ondas generosas de curiosidade. Em poucas pinceladas, Manet revela o cotidiano de um navio-escola francês e, de quebra, pontua suas cartas com observações cheias de poesia. Para o brasileiro em particular, o interesse cresce à medida que a embarcação se aproxima da Baía da Guanabara. Basta, contudo, o viajante descer à terra para começar o desastre. De tudo o que viu, Manet salva apenas a natureza e as mulatas, “quase todas bonitas”. Na sua opinião, as igrejas são “cobertas de dourado, mas sem nenhum gosto”; o teatro, “enfadonho e imbecil”; e os brasileiros, “gente mole, preguiçosa e pouco hospitaleira”. Só gostou da antiga prática de se atirarem limões-de-cheiro durante o Carnaval. Com edição bem cuidada, recheada de desenhos, gravuras e pinturas retratando o Rio da época, o saboroso livro ainda traz alguns desenhos feitos por Manet durante a viagem, provando que seu senso de observação desde cedo era mesmo privilegiado.