Cessados os aplausos, ouve-se Raphael Rabello baixar a afinação de seu violão de sete cordas e reconstruir Samba do avião, de Tom Jobim, transformando o tema recorrente em rodinhas de bossa nova num samba rasgado. Não satisfeito, o violonista prossegue acrescentando ainda mais brilho e preciosismo harmônico a outra pérola jobiniana: Luiza. Este é apenas um aperitivo para a entrada de Nelson Gonçalves cantando Quem há de dizer (Lupicínio Rodrigues), na qual prova por que foi uma das vozes mais significativas da música brasileira. Violonista e cantor estão no ótimo disco póstumo Nelson Gonçalves & Raphael Rabello – ao vivo, espécie de continuação do CD 50 anos de boêmia – Nelson Gonçalves ao vivo no Olympia – SP (1990).

Os solos de Rabello são registros inéditos do mesmo show no CD que traz outras sete interpretações da dupla, gravadas em estúdio em diferentes ocasiões e às quais se acrescentou o ambiente de público para manter o mesmo clima. A produção coube a José Milton, produtor de Nelson desde 1984 até a morte do cantor, em 1998, aos 77 anos, três anos após o desaparecimento de Rabello, aos 32. Longe de sinalizar qualquer tipo de exploração, o disco faz parte de um esforço de preservação da memória musical brasileira. Entre as canções de estúdio destacam-se Pra esquecer (Noel Rosa), Fracasso (Mário Lago) e Deusa da minha rua (Newton Teixeira e Jorge Foraj), na qual Rabello é secundado pelo lendário Dino 7 Cordas, numa combinação de virtuosismo e discrição que deveria servir de espelho para gênios precoces como Yamandu Costa.