Enquanto uma parte dos agricultores luta pelos avanços da biotecnologia, um grupo menos numeroso defende a volta de técnicas praticadas por seus antepassados. No lugar de agrotóxicos para matar certas pragas, eles soltam joaninhas e outros insetos. Em vez dos fertilizantes, usam esterco ou preparados à base de ervas medicinais. Nada de antibiótico ou hormônio aos animais. Só homeopatia, acupuntura e jamais o confinamento. A filosofia da agropecuária orgânica busca a harmonia, o que se traduz na mínima interferência no meio ambiente. Na receita, claro, estão a preservação da fauna, da flora, o cuidado com os rios e o ar. Some-se a isso o veto ao trabalho infantil e a absorção de parte da mão-de-obra da redondeza.

Embora represente uma nesga de 1% a 3% do mercado total de alimentos, a agricultura orgânica cresce ano a ano. Em 1997, estima-se que verduras, frutas, legumes, açúcar, mel, café, carne ou vinho sem aditivos químicos renderam cerca de US$ 11 bilhões no mundo. Em 2001, as vendas saltaram 127%, indo para US$ 25 bilhões. No Brasil, o faturamento foi de US$ 260 milhões. O Japão, os Estados Unidos, a Grã-Bretanha e em particular a Alemanha, a Itália, a França e a Suíça são os maiores consumidores.

A doença da vaca louca e a febre aftosa foram bons motivos para os orgânicos conquistarem adeptos no Exterior, muitos dispostos a pagar entre um terço e 50% mais caro para ficar livre de ameaças. No Brasil, o disparate de preços chega ao absurdo. Um quilo de tomate com agrotóxicos custa R$ 2, quase três vezes mais barato do que o orgânico, vendido a R$ 5,25. “A qualidade, o sabor e os nutrientes são mais abundantes nos orgânicos”, puxa sua sardinha o descendente de alemães Alexandre Harkaly, vice-presidente do Instituto Biodinâmico (IBD), empresa sediada em Botucatu, no interior paulista, que fiscaliza as práticas rurais e distribui selos de qualidade.

Antroposofia – Quem acha radical o cultivo orgânico prepare-se. Desenvolvida desde 1924, a agricultura biodinâmica é fundamentada na antroposofia, doutrina mística formulada pelo espiritualista austríaco Rudolf Steiner. Seu princípio é a harmonia entre terra, plantas, animais e ser humano. Em suma, considera-se a propriedade como um organismo vivo, que demanda certos cuidados. Aí incluídos ritos cósmicos ligados à Lua, ao Sol, aos planetas e à direção dos ventos, que determinam as práticas agrícolas. “Para estabelecer o elo entre as formas de matéria e de energia de uma fazenda, só devem ser utilizados os elementos produzidos ali”, explica Harkaly. O que não for da região não será bem-vindo. Se a agricultura orgânica representa só 0,08% da área cultivada no País, os biodinâmicos, que envolvem a inclusão social e a preservação ambiental, são ainda mais raros.

É justamente a natureza a maior beneficiada com o cultivo orgânico. Exemplo emblemático são as usinas de açúcar São Francisco e a Santo Antônio, produtoras do açúcar orgânico Native, dono de 42% do mercado mundial. As usinas aboliram a tradicional queima da cana na hora da colheita. “Por volta de 99% dos canaviais são incendiados para se eliminar a palha, que traz pragas à plantação”, afirma Leontino Balbo Júnior, diretor da Native.

Como é difícil colher a cana verde manualmente, a empresa pesquisou durante cinco anos um processo mecanizado de colheita e um sistema de controle biológico, que libera inimigos naturais das pragas da cana-de-açúcar. A natureza foi o termômetro. A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a ONG Ecoforça visitam todo mês as usinas e comparam imagens de satélite atuais com fotos de 15 anos atrás. “A mata nativa, que ocupava menos de 75 hectares, agora ocupa 186 hectares. Com isso, animais e aves originais voltaram à região”, explica Evaristo de Miranda, da divisão de monitoramento da Embrapa.

“Mesmo com a popularização, o consumo de orgânicos ainda é pequeno no Brasil”, afirma o diretor da Native. Potencial não falta. Uma feira de produtos orgânicos realizada na alemã Hannover bateu seus próprios recordes e exibiu alguns produtos brasileiros. Na lista de novidades européias, havia linhas de maquiagem, cosméticos, perfumes, tintura de cabelo, chás, champanhe e até preservativos com aroma natural. A febre dos produtos sem aditivos tóxicos é tanta que o Rio de Janeiro sediará a próxima feira Biofach, em setembro. Será a primeira em solo nacional. Pelo barulho recente contra a liberação da soja transgênica, certamente ela não será a única.