No início de janeiro, o delegado da Polícia Federal em Foz de Iguaçu, José Castilho Neto, seguiu com dois peritos para os EUA para uma tarefa inusitada. A missão, que consistia em rastrear o caminho do dinheiro sujo remetido para o Exterior, era tão impossível que o delegado a batizou de “Operação Maluco”. De posse de um protocolo de cooperação, assinado no início da década de 90 pelos governos do dois países, o delegado conseguiu que o FBI – a PF americana – quebrasse o sigilo bancário das agências nova-iorquinas de quatro bancos, entre eles Banco do Estado do Paraná (Banestado), no qual empresas de paraísos fiscais mantinham contas. Reunido em mais de mil páginas e distribuído em duas pastas
verdes, esse farto material, que revela mais de 20 mil operações de remessas irregulares para o Exterior, se transformou no maior banco de dados sobre lavagem de dinheiro do País. Entre 1992 e 1997, empresas e pessoas enviaram irregularmente para fora do País US$ 30 bilhões usando as chamadas CC-5, contas especiais exclusivas de instituições financeiras e residentes no Exterior.

Na última semana, o Dossiê Maluco saiu do campo da investigação policial e caiu em uma operação-abafa, estratégia cada vez mais corriqueira na PF, na administração tucana. O estopim foi a divulgação do nome do presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), entre os envolvidos no esquema de lavagem de dinheiro. Embora a notícia tenha partido das mesmas fontes governistas da PF – que revelaram o R$ 1,4 milhão guardado no cofre da Lunus, de Roseana Sarney – o governo usou o fato como pretexto para esconder o caso. Principal peça das investigações, o delegado Castilho foi afastado do inquérito, encostado na Delegacia de Araçatuba, no interior de São Paulo, e responde a uma sindicância sob a acusação de ter liberado as informações. No Ministério Público Federal, que participava da operação, as pressões não foram menores. Pioneiro nas investigações sobre essas remessas irregulares, o procurador Celso Três foi convidado para uma conversa com o procurador-geral da República, Geraldo Brindeiro, que tentou arrancar informações e ainda calá-lo, com alertas sobre o vazamento de nomes e dados. Em uma nota distribuída à imprensa na segunda-feira 17, a PF também tentou empurrar para o procurador Luiz Francisco de Souza a responsabilidade pela divulgação do nome de Bornhausen. Segundo a nota, o procurador “teve acesso a documentos bancários” por ordem judicial. Ao procurador somente foi permitido ver registros que envolvem doze nomes ligados ao esquema de propina das privatizações. Pelos documentos, a Operação Maluco, hoje sob a análise de peritos da PF, causa pânico ao governo. A papelada, à qual ISTOÉ teve acesso, traz fatos mantidos em sigilo que incriminam o tucanato e o próprio governo:

Banespa – Federalizado e sob controle do Banco Central, o Banespa usou o esquema de lavagem instalado no Banestado para enviar irregularmente US$ 50 milhões para o Exterior em 1997. Depois de passar por uma rede de doleiros, laranjas e fantasmas, o dinheiro era depositado em uma conta offshore sob o número 302099544 da agência do Banestado em Nova York. De lá, o dinheiro seguia para diversas contas do Banespa de Nova Iorque e das Ilhas Cayman, paraíso fiscal do Caribe. Para o Ministério Público, as remessas são ilegais porque transitaram por caminhos fraudulentos, quando o certo seria fazê-las em operações diretas e com a identificação correta do remetente no Banco Central.

Propina das teles – Em 1997, saíram da conta número 122133 do Banestado, em Nova York, US$ 160 mil para a conta da Andover International no Banco Bway Natcy na mesma cidade. Instalada nas Ilhas Virgens, outro paraíso fiscal do Caribe, a empresa é ligada ao ex-diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio de Oliveira, acusado de ter recebido R$ 15 milhões de propina durante a privatização da Telebrás. Naquele mesmo ano, o Banestado remeteu US$ 305 mil para a conta da Antares, empresa controlada por uma offshore caribenha também ligada a Ricardo Sérgio. Acionista de várias empresas de telecomunicações, o Opportunity Fund, instalado nas Ilhas Cayman, usou igualmente o esquema de laranjas e cambistas para mandar recursos irregulares para o Exterior. O dinheiro, depositado no Banestado de Nova York, ia para uma conta no Midland Bank, em Cayman. Foram detectadas, ainda, várias remessas para contas em nome de um certo João Bosco, que os policiais federais encarregados do caso acreditam ser João Bosco Madeiro, ex-diretor do milionário fundo de pensão do Banco do Brasil e braço direito de Ricardo Sérgio.

Iniciais intrigantes – Foram identificados repasses irregulares para o ex-governador do Paraná José Richa. Fundador do PSDB, Richa era amigo pessoal do ex-governador de São Paulo Mário Covas. Os peritos também ficaram intrigados com remessas para várias contas em Luxemburgo e Ilhas Cayman com as iniciais “J.S.” e “R.J.S.”. As transferências repetiam a rota das demais operações. Depois de transitar por vários bancos e laranjas no Brasil, o dinheiro era depositado em contas da agência do Banestado em Nova York tituladas por empresas de propriedade de doleiros brasileiros. Do Banestado, o dinheiro seguia para outras empresas em paraísos fiscais.

• Lavanderia mundial – O Socimer International Bank, uma mal-afamada instituição financeira de capital espanhol com sede em Nassau, nas Bahamas, também se serviu do esquema montado no Banestado.
O banco quebrou em 1998 mergulhado em um escândalo que causou
US$ 200 milhões de prejuízo a quase quatro mil clientes. Junto com corretoras, o Socimer captou dinheiro de pequenos investidores sob o pretexto de aplicar em títulos da dívida de países emergentes. Os títulos jamais foram comprados e o dinheiro sumiu. ISTOÉ descobriu que o banco se associou a várias empresas de consultoria no Brasil por intermédio de uma subsidiária, a Socimer do Brasil Ltda. O Dossiê Maluco mostra que embora não tivesse autorização para atuar como instituição financeira, a Socimer realizou várias operações de empréstimos e captações de recursos no Exterior usando a rede clandestina do Banestado. O dinheiro retornava para contas de empresas ligadas a Socimer no Exterior pelo mesmo duto. A estrutura da Socimer no Brasil permitiu a várias empresas internar dinheiro do Caribe. Em 1995, por exemplo, o empresário Gregório Marin Preciado trouxe US$ 1,3 milhão das Bahamas por intermédio da Socimer. Preciado é casado com uma prima do senador José Serra e foi sócio do ex-ministro num terreno em São Paulo. A transação está registrada em um processo de execução movido pela Socimer contra Preciado. No processo, Preciado confessa ter uma dívida de R$ 82 mil com Ronaldo de Souza, sócio e, suspeita-se, laranja de Ricardo Sérgio.