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DIREITO
O casal de médicos Tapajós (à esq.) e Warde: peregrinação
jurídica para ser aceito no Paulistano (acima)

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Ao decidir que o sócio de um clube de lazer tem direito a incluir como dependente seu marido e a filha dele, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) escancarou uma briga judicial que já dura mais de dois anos e mostrou a divisão dentro de uma das mais tradicionais e elitizadas instituições da capital paulista, o Club Athletico Paulistano, onde um título custa, em média, R$ 500 mil. Apesar de o médico infectologista Ricardo Tapajós, 48 anos, sócio desde a infância, e o cirurgião plástico Mario Warde Filho, 41, viverem uma relação estável desde 2004 e terem uma escritura pública da união desde 2009, a entidade negou o pedido de inclusão de dependentes. O clube alegou que seu estatuto não contemplava esse tipo de relacionamento, pois está explícito no artigo 21 que a união estável só existe entre homem e mulher.

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"Senti que passei a ser visto com certa restrição por outros sócios"
Aloísio Lacerda Medeiros, único conselheiro a defender o casal na tribuna

O casal entrou na Justiça e conseguiu vitória em primeira e segunda instâncias – a decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) foi publicada na segunda-feira 3. Durante o tempo em que os médicos brigavam para ser aceitos no clube, os direitos civis dos homossexuais avançavam no País. Em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal definiu que a união estável entre pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar e, desde então, os casais deixaram de ter dificuldades para, por exemplo, conseguir inclusão dos companheiros em planos de saúde e nos benefícios da previdência social. No Club Paulistano, porém, a questão permanece um tabu. De um lado, conselheiros contrários à entrada de gays na instituição. De outro, a maioria, sócios que apoiavam a reivindicação da dupla.

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"A entidade pode exercer seu direito de negar"
José Rogério Cruz e Tucci, conselheiro

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A disputa entre o casal e a direção do clube começou em janeiro de 2010, quando Tapajós pediu à direção do Paulistano a inclusão de seu companheiro e da filha dele como dependentes. A resposta só veio em agosto daquele ano: por 148 votos contra e dois a favor, o conselho deliberativo decidiu barrar a solicitação do médico paulista. “Gostaria de poder levar meu marido ao clube, como poderia fazer caso estivesse casado com uma mulher”, afirmou Tapajós, à época. Diante da recusa, os médicos recorreram à Justiça, e ganharam a causa em primeira instância, mas o Paulistano não cedeu e o caso foi parar na corte estadual. Para José Rogério Cruz e Tucci, conselheiro da instituição, que fez um parecer sobre o assunto apresentado ao conselho deliberativo, o clube, na condição de entidade privada, tem o direito de aceitar ou negar qualquer associado. “Claro que não por ser homossexual ou negro, por exemplo, mas por razões de conduta que não são consideradas adequadas, a entidade pode exercer seu direito de negar”, diz. Em fevereiro, outro sócio antigo pediu a inclusão do companheiro como dependente, mas até o momento a solicitação não foi aprovada. Para se ter uma ideia da demora na avaliação do pedido, o próprio Ricardo Tapajós levou apenas uma semana para ter a mesma solicitação aceita quando pediu a inclusão de sua então mulher, anos atrás. “Com a decisão do TJ, vou procurar a direção do Paulistano nesta semana para averiguar a situação do pedido do meu cliente”, afirmou o advogado do outro casal, Sérgio Bernardo, especialista em direito homoafetivo.

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"Não quero fazer parte de um clube que se ampara no preconceito"
José Carlos Dias, ex-ministro da Justiça, sócio

A posição do conselho do Paulistano dividiu os sócios. O ex-ministro da Justiça José Carlos Dias, 73 anos, que frequenta o Paulistano desde que nasceu, chegou a dizer que sairia da instituição caso ela não aceitasse o pedido do casal. “Não quero fazer parte de um clube que se ampara no preconceito. Eles alegam questões técnicas, de leis e estatutos, mas é óbvio que se trata de homofobia”, afirma. O advogado Aloísio Lacerda Medeiros concorda que o verdadeiro motivo seja o preconceito. Medeiros foi o único conselheiro a subir à tribuna para defender que o pedido do casal fosse atendido e afirma que até ele se sentiu discriminado depois disso. “Começaram as piadas e provocações, senti que passei a ser visto com certa restrição por outros sócios”, diz. Por causa desse caso, o Paulistano recebeu uma advertência da Secretaria de Justiça de São Paulo em 2010 por discriminação por orientação ­sexual. “Os clubes têm que acompanhar os avanços da sociedade e não fomentar o preconceito contra pessoas que tenham relações homoafetivas”, afirmou a coordenadora de Políticas de Diversidade Sexual da Secretaria, Helena Gama Alves.

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Questionados por IstoÉ se aceitam gays como sócios, clubes tão tradicionais quanto o Paulistano preferiram evitar a polêmica. A administração da Sociedade Harmonia de Tênis afirmou que a instituição nunca recebeu uma solicitação desse tipo, mas que, se isso acontecer, não terá restrições além das impostas a todos os outros sócios. O Esporte Clube Pinheiros, por sua vez, não vende títulos familiares, apenas individuais, e disse, por meio da assessoria de imprensa, que não encontra problemas em ter sócios homossexuais. No Paulistano, o casal Warde e Tapajós festeja a vitória. Agora, como sócio dependente, o cirurgião plástico, que até então só podia ir ao clube como convidado, poderá frequentar ambientes antes proibidos, como a piscina, por exemplo. “Nós fizemos a coisa certa”, diz Warde. “Este processo foi necessário, abrimos espaço para garantir o nosso direito e de outros casais.”

Fotos: João Castellano/ag. Istoé; reprodução Carlos Moura/D.A Press; Mastrangelo Reino/Folhapress


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