As mãos calejadas do sergipano Evando dos Santos folheiam com carinho um exemplar da segunda edição de Recordações do escrivão Isaías Caminha, de Lima Barreto, datado de 1917. O livro tem as folhas puídas e é uma das raridades da biblioteca de 26 mil obras que Santos, 42 anos, pedreiro por profissão, montou na garagem de casa em Vila da Penha, zona norte do Rio de Janeiro. “Lima é o melhor romancista brasileiro”, elogia. Livro a livro, o acervo começou a ser construído em 1998, quando o pedreiro foi fazer uma obra e salvou do lixo 50 exemplares descartados por uma viúva. “As piores pragas do Brasil são os cupins e as viúvas”, brinca. Seu amor pela literatura o motivou a compor com doações o acervo, que serve a uma comunidade sem hábito de leitura ou dinheiro para comprar livros. O trabalho acabou reconhecido pelo ministro da Cultura, Francisco Weffort, que fez uma visita a Santos e prometeu ajuda financeira para construir uma nova biblioteca no terreno da mãe do pedreiro. O projeto será um presente de um dos maiores arquitetos do mundo, Oscar Niemeyer.

A paixão pela leitura começou ainda criança, no município pobre de Aquidabã, em Sergipe. Nas feiras, dava atenção exclusiva às histórias da literatura de cordel. Aos 16anos, viajou para o Rio com a mãe para trabalhar na construção civil. Reacendeu o gosto pelas letras ao conhecer numa favela carioca outro pedreiro, o Dernival. “Meu amigo era apaixonado pelo poeta e filósofo sergipano Tobias Barreto. Ele me deu um de seus livros e eu me apaixonei também”, recorda. Santos gostou tanto do autor que batizou a biblioteca com seu nome. Além de Tobias Barreto, o mais frequente em sua coleção é Lima Barreto. Há também pérolas de Monteiro Lobato e Camões. Enfim, de tudo um pouco: romances, poesia, didáticos e best-sellers, como Paulo Coelho, considerado por Santos como o “Xuxa da literatura”,

O pedreiro-literato prefere ler sozinho, para não passar por doido. “Quando leio, converso com o autor, questiono por que um personagem não seguiu caminho diferente”, explica. Ele não apenas fala com os autores, mas também dorme com eles. Seu quarto – assim como a sala, a garagem e a varanda – é lotado de livros. Santos lamenta que o número de leitores tenha diminuído drasticamente e diz que a escola tem sua parcela de culpa. “Os professores dão pouca atenção à leitura.” A principal crítica é endereçada às bibliotecas públicas. “São verdadeiros túmulos”, dispara. Ele discorda do formalismo vigente nessas instituições, que só serve para afastar ainda mais os leitores. Ao seu acervo, garante livre acesso. “Quem quiser pode levar a obra para casa. Se não devolver, é sinal de que criou amor pelo livro”, ensina. O incentivador de cultura é radical ao rebater a idéia de que brasileiro não gosta de literatura. “Uma ova! Dê o livro para ele pegar, cheirar, sentir, e verá como se apaixona.” Na Biblioteca Tobias Barreto, a principal credencial é justamente esta: gostar de ler.

D o a ç õ e s
Rua Engenheiro Augusto Bernachi, 130
Vila da Penha
Rio de Janeiro (RJ) CEP 21235-720
Tel.: (00xx21) 2481 5336