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Por volta das 10 horas da manhã de uma sexta-feira chuvosa de novembro, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, despacha em um escritório do Banco do Brasil na Avenida Paulista, em São Paulo. Àquela altura, Mantega já tinha lido o resumo do noticiário, como costuma fazer logo cedo. Os jornais trazem só lamúrias. Um presidente de empresa reclama dos altos custos industriais, um analista internacional projeta dias sombrios na Europa e o mercado, essa entidade etérea que dispara vaticínios sobre tudo, rebaixa a estimativa de crescimento do PIB brasileiro. Pendurado logo atrás da mesa de Mantega, o retrato da presidenta Dilma Rousseff parece exibir certo ar de apreensão, mas Mantega está sereno – como sempre. Preocupado, ministro? “Não”, responde o chefe da Fazenda. “Eu sou realista.” Por mais que os pessimistas digam o contrário, o Brasil tem enfrentado a crise mundial sem sobressaltos. Por mais que os críticos afirmem que o País andou pouco em 2012, os indicadores  econômicos mostram que os prognósticos catastróficos estão distantes da realidade. Por mais que velhos problemas persistam – e eles não são poucos –, novas soluções estão sendo aplicadas. “O Brasil enfrentou a crise de cabeça erguida, sem ir para a lona”, diz o ministro. “Em 2012, vamos crescer em torno de 2%. Essa é a mudança. No passado, quanto tínhamos crise até menores do que a atual, o País se retraía ou ficava estagnado. Hoje, isso não acontece mais. Essa é a diferença: o Brasil agora é capaz de crescer em tempos de crise.”

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QUADRO DO PARTIDO
Mantega com o então presidente Lula e a ministra Dilma,
da Casa Civil: o ministro está no PT desde a fundação

Se o Brasil tem passado pela crise sem sustos, isso é obra principalmente do trabalho de Mantega, escolhido o “Brasileiro do Ano” pela ISTOÉ. Fiel à cartilha desenvolvimentista, que pressupõe o Estado como indutor do crescimento econômico, o ministro esteve à frente, em 2012, de uma série de medidas que, sob diversos aspectos, aplacaram os efeitos nefastos da crise europeia. Talvez a mais importante delas tenha sido a desoneração de tributos. Em maio, Mantega anunciou a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para veículos, produtos da linha branca e materiais de construção. Resultado: os três setores atraíram novos consumidores e devem crescer, em 2012, muito além da projeção do PIB. Some-se a isso a política de redução da taxa de juros (a Selic a 7,25% significou o patamar mais baixo em todos os tempos), o estímulo à ampliação do crédito, a luta inglória pela redução das taxas dos bancos, o câmbio acima de R$ 2 (mais favorável às indústrias nacionais), os programas de concessões para obras de infraestrutura (ferrovias, portos e aeroportos) e o que se vê é um conjunto de ações que se revelaram fundamentais – e que ajudaram o País a ir adiante. “Nos momentos de crise, o Estado precisa ter um papel maior”, diz Mantega. “O governo deve criar as condições para que o setor privado reaja. Foi o que fizemos.”

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MUDANÇA
Barbudo, na época em que rezava na cartilha comunista,
e como principal pensador econômico do PT

Não é preciso muito esforço para comprovar a relação de causa e efeito entre as medidas lançadas e o impacto que elas causaram na vida dos brasileiros. Um número que impressiona, e que tem sido desprezado pelos críticos mais severos, diz respeito ao volume de empregos gerados em 2012. O País vai criar, entre janeiro e dezembro, 1,5 milhão de postos de trabalho, o equivalente à metade da população inteira do Uruguai. Onde está a crise se as empresas continuam contratando? “A geração de empregos é o principal indicador do nível de confiança dos empresários”, diz o ministro. “Eles olham para a solidez da economia e percebem que há uma clara trajetória de crescimento e que as dificuldades momentâneas estão sendo superadas.” Não se trata de palavras à toa, jogadas ao vento. Com emprego garantido, as pessoas compram mais e ajudam as empresas a aumentar seus lucros. Capitalizadas, as companhias ampliam seus investimentos – e contratam novos funcionários. Outro dado relevante: o consumo das famílias brasileiras, indicador que tem forte peso no PIB, deve avançar em torno de 4% em 2012, uma enormidade diante da retração registrada no mundo rico, principalmente na Europa. Um estudo divulgado na terça-feira 27 pela consultoria Boston Consulting Group comprova que os brasileiros pouco têm sentido a crise econômica. Entre 150 países pesquisados, o Brasil foi o País que, nos últimos cinco anos, melhor utilizou o crescimento para elevar o padrão de vida e o bem-estar da população. Segundo o levantamento, o PIB brasileiro avançou a um ritmo médio anual de 5,1% entre 2006 e 2011, mas os ganhos sociais obtidos no período são equivalentes ao de uma nação que obteve expansão anual de 13% da economia.

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MÉRITO
No primeiro ano do governo Lula:

"Fico orgulhoso de ter ajudado
o Brasil a ser um país melhor"

Mantega fala durante mais de uma hora no escritório do Banco do Brasil em São Paulo e jamais se altera. Responde, com a mesma delicadeza e paciência, qualquer tipo de pergunta. Pode ser uma crítica ao seu trabalho, pode ser um elogio deslavado, pode até ser uma pergunta a respeito da vida pessoal (sobre a qual ele detesta falar) que a expressão da face e o volume da voz permanecem inalterados. Quando é chamado para tirar a fotografia que ilustra as páginas iniciais desta reportagem, revela-se um aspecto pouco conhecido de sua personalidade: a vaidade. Mantega pergunta ao assessor se a gravata é bonita para o retrato, se o cabelo está bom, se não há nada fora de lugar. No fim da entrevista, ele também deixa transparecer algo que permanece escondido durante toda a conversa: o bom humor. Faz troça da lamentável situação do Palmeiras no campeonato brasileiro e fica curioso quando o fotógrafo conta que já clicou mulheres nuas. “O seu emprego certamente é bem melhor que o meu”, brinca o ministro. Um subordinado diz que Mantega é assim mesmo. Sempre gentil, incapaz de ser grosseiro, embora pouco disposto a conceder intimidades, por mais que trabalhe no dia a dia com a pessoa.

Filho de um italiano empreendedor que fez dinheiro com uma indústria de móveis, Mantega nasceu em Gênova, na Itália, e veio ao Brasil com 3 anos. O pai queria que trabalhasse nos negócios da família e por isso o filho foi cursar economia na USP. Na faculdade, aproximou-se do movimento estudantil e, ao mesmo tempo, ingressou no Partido Operário Comunista, o POC. O próprio Mantega admite que nunca foi chegado a atos de violência. Não pegou em armas, não sequestrou ninguém, pouco participou de protestos nas ruas contra a ditadura. Sua função era fazer panfletos e distribuí-los ao operariado. Por isso mesmo, jamais foi preso. Depois de formado, trabalhou no Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), instituição de pesquisas em política criada por intelectuais como Fernando Henrique Cardoso. No começo dos anos 1980, filiou-se ao PT. Leitor voraz, logo ficou claro que era um dos quadros mais técnicos do partido. A sólida formação econômica, aprofundada na própria USP, na PUC e na FGV, o levou a trabalhar na Secretaria de Planejamento do governo Luiza Erundina em São Paulo e, mais tarde, a se tornar assessor econômico de Lula, durante as campanhas até a eleição presidencial, em 2002. Foi ministro do Planejamento de 2003 a 2004, presidente do BNDES de 2004 a 2006 e desde 2006 é ministro da Fazenda. Se chegar ao final do governo Dilma, será o mais longevo titular da pasta. Aos 63 anos, está no terceiro casamento e tem quatro filhos.

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FAMÍLIA
Com a mulher, a psicanalista Eliane Berger, e a filha Marina Mantega.
O ministro está no terceiro casamento e tem quatro filhos

Apesar do rosário de notícias negativas veiculadas na imprensa, Mantega se mantém firme no trabalho de vender o Brasil como uma das nações mais sólidas do mundo. O ministro diz que os primeiros relatórios a que teve acesso mostram uma retomada da economia no final do ano. Em 2013, com ou sem crise na Europa, ele diz que o PIB brasileiro vai crescer 4%. Animado, vai disparando números e parece que não há nada que o faça parar. “Há uma década, o mercado de capitais brasileiro mobilizava R$ 200 milhões, hoje movimenta R$ 1,5 trilhão”, afirma. “Antes, o crédito representava 23% do PIB e agora, 50%.” Mantega lembra que a inflação continua sob controle, o País tem reservas e é credor internacional, as contas públicas estão equilibradas. O ministro finalmente muda a expressão e parece estar realmente satisfeito. “Hoje o Brasil é um outro país e fico orgulhoso de ter dado alguma contribuição para que isso acontecesse.”

Fotos: João Castellano/Ag. Istoé; Wilson Dias/ABr; Ag. Istoé; Juca Rodrigues/Ag. Istoé; Ag. Istoé; Thais Aline e Danilo Carvalho/AgNews